O meu trialto

30.12.14



Assumo, pensei que vinha aqui dizer que saio destas férias com mais um livro e menos um quilo. Isto por causa de andar a aproveitar o campo para me exercitar mas, na verdade, levo comigo todos os quilos que trouxe, o que em boa verdade até nem é mau, tendo em conta os rojões, o bolo-rei, o sarrabulho, as francesinhas e etc. (e, juro, acho que nunca gostei tanto de um Et cetera).
Portanto, não venho aqui falar do quilo a menos que (ainda) não aconteceu, nem do livro a mais que fez destas férias um sítio melhor, mas sim do meu exercício, mais ou menos, matinal.
Todos os dias escalo 348 degraus. É o caminho mais curto, e mais duro, até ao monte de São Félix (que o diga o desgraçado, com que me cruzei, que o sobe e desce a correr) mas é também a representação da via sacra dos crentes católicos, apostólicos romanos. Por isso, todos os dias preciso de uma pequena paragem na estação IX e X - Jesus cai pela terceira vez e Jesus é despojado de suas vestes, respectivamente.
Depois dos degraus, segue-se a corrida por um caminho asfaltado que atravessa uma REN (Reserva Ecológica Nacional). Não sei se é por causa da oxigenação do cérebro, depois da subida, ou se pelo reencontro com um prazer antigo, sei é que ouvir as sapatilhas contra o asfalto e o chiar dos eucaliptos me enche de uma felicidade inexplicável.
Por fim, a caminhada a descer o monte. Os "bom dia Carla" (sou eu e não sou eu mas, definitivamente, sou eu, a Carla), o mar lá ao fundo, as curvas e contra-curvas, o pinheiro manso, quase a chegar a casa, cujas raízes desenham cicatrizes na estrada de paralelos.
Sim, não perdi um único quilo mas ganhei um livro e uma quase reconciliação comigo.
Parece-me uma excelente forma de começar um novo ano. Melhor do que aquela em que estava com a pássara a arder.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

26.12.14
Quantas pessoas receberam neste Natal "O meu Amante de Domingo" e o leu todo de seguida?

(Foda-se, que livro do caralho!)
(Aqui no campo uma pessoa parece que se questiona mais vezes)

Breve interrupção para uma pergunta muito pertinente

23.12.14
Ok, admito, as chamadas "paz podres" não são para mim mas, foda-se, a minha vida tem mesmo de ser uma peça do Tracy Letts?

Feminismo

19.12.14
Antes de entrar no carro falta ainda dizer uma palavrinha sobre a Maria Capaz, que tem um texto meu sobre o Boyhood. E para isso vou transcrever um pequeno diálogo com a Helena Ferreira, que diz quase tudo.

Helena Ferreira - Não tenho Maria no nome, sou Capaz do que quiser ou conseguir, já me chamaram tantas vezes feminista que não é possível lembrar e sou completamente contra este tipo de guetização das mulheres que as próprias mulheres promovem.
Não vivemos no tempo das sufragistas, os direitos já foram adquiridos, agora temos de os fazer valer, taco a taco no mundo que tem de ser dos homens e das mulheres.

Calita Fonseca - Concordo com quase tudo o que dizes. Só não tenho a certeza se este tipo de projectos são uma guetização. Faço parte de um grupo de pessoas, sobretudo mulheres, infelizmente, que querem flexibilizar o trabalho para terem mais tempo para a família. Eu fiz a minha opção, que foi deixar de ter um emprego por conta de outrem, mas acredito que criar grupos de discussão, grupos de pressão possam pôr as pessoas a pensar nos assuntos e a mudar mentalidades. Este pode ser um desses casos. Eu sou feminista, como tu, mas há tantas mulheres machistas, há tanta mentalidade para mudar! Não sei se é desta forma, provavelmente não, mas merece uma oportunidade.

Helena Ferreira - Os nossos objectivos só são atingidos se incluirmos os homens nos nossos propósitos. Mulheres reunidas a falar do mal que a sociedade ainda nos faz a mim só me causa desinteresse e não acredito na sua eficiência.

Calita Fonseca - Sim, isso é verdade.

Helena Ferreira - Há dias um amigo HOMEM partilhou isto: «Muita gente defende o feminismo e não leu Judith Butler ou Simone de Beauvoir. Sempre que se vir um pai a lavar a loiça ou a brincar com a filha ou um avô a ensinar o neto a partilhar os brinquedos, há mais transformação social nisso do que em todas as bandeiras vermelhas que vocês possam levar para uma manifestação. E se não percebermos que isso pode servir para unificar, eles hão-de continuar a rir de nós.»
Diz tudo aquilo em que acredito. A mulher que sou hoje sou-o por causa da educação que o meu pai me transmitiu, não foi a minha mãe.

Vou à terra

18.12.14
Aqui em Lisboa ouço muitas pessoas dizer que vão à terra. Vão passar o fim-de-semana à terra. Vão passar o Natal à terra e por aí fora.
Fico a olhar para elas com muita vontade de dizer "eu também gostava muito de morar no espaço" mas, quase sempre, sorrio e aceno com cabeça.
Também sorrio quando conheço pessoas que dizem que lêem o meu blog mas o que me apetece é fugir, desatar a correr como uma maluquinha.
Estou a ficar uma pessoa muito civilizada é o que vos digo.
Feliz Natal e até qualquer dia.

Presentes

17.12.14




Eu sou das que gostam de oferecer presentes que gostaria de receber. Quando a pessoa que os recebe gosta tanto como eu, então, há assim uma espécie de chuva de estrelas.
O melhor destes presentes é serem artesanais (feitos por mim e pela Patrícia) e comprados no comércio tradicional (o frasco e o sabonete).

É assim

16.12.14
Basicamente, as minhas limitações não permitem muito mais do que isto. Pretender a grandeza é apenas mais uma belíssima forma de imitar a vida. Nem todas temos corações de pássaro. É assim.

De tempos a tempos

15.12.14
Estava aqui a ver um antigo episódio do House, aquele em que ele começa a cozinhar para não consumir vicodin, e senti algumas saudades das minhas obsessões. De quando podia ser teimosa, irracional e egoísta - três características muito pouco simpáticas, admito, mas que me permitiram saltar uma quantas barreiras na prova dos 400 metros que foi o meu percurso de tempos a tempos.
É bom, por ser também um desafio olímpico, tentar manter uma certa estabilidade e fazer de conta que o fazemos pelo bem estar das nossas pessoas (e, pelo caminho, inventar algumas doenças), quando na verdade não fazemos a mínima ideia do que estamos a fazer mas, caramba, quantos projectos mirabolantes perdeu o (meu) mundo, entretanto.
Por exemplo: a adaptação para o cinema do livro de Amin Maalouf; a casa no campo com galinhas, cabras, um burro e um tear; as voltas pelo(s) mundo(s); as aulas de música; o curso de sociologia e medicina e por aí fora.

Eis que o impensável acontece

13.12.14
Jovenzinho dirige-me a mim, num bar, com uma conversa enrolada qualquer, digo-lhe que tenho idade para ser mãe dele e mando-o ir brincar para um canto. Ele vai mas antes faz questão de referir que a mãe dele tem 74 anos.

Querer desabafar dá nisto

12.12.14
- Sabes quando é que uma pessoa percebe que bateu no fundo?
- Diz lá.
- Quando faz a invertida no Yoga e a barriga nos bate na cara.
- Mas primeiro batem as mamas, certo?

Dentro de nós

12.12.14
Uma senhora muito simpática meteu-se com o Nicolau no supermercado por causa da chupeta que ele estava a usar. Depois, virou-se para mim e contou-me que uma vez um cão arrancou a chupeta da boca da filha, quando ela tinha três anos. "Já viu?", riu-se e acrescentou que "felizmente o cão não a magoou. Era uma daquelas chupetas de borracha, deve ter achado que era um brinquedo".
Continuou a falar sem parar, sobre técnicas para os miúdos deixarem as chupetas, sobre as quatro filhas e a pena que tem por ter só um neto.
Foi só quando ela disse que a filha mais velha tem 50 anos que parei o que estava a fazer para olhar para ela. Sim, a senhora muito simpática não aparentava a idade que tinha (79 anos) mas o que me impressionou foi ter percebido que eu ainda não tinha nascido quando a filha dela teve o tal incidente com o cão e, no entanto, ali estava ela a falar daquilo como se tivesse acontecido ontem.
Deve haver um sítio, dentro de nós, onde se guardam os filhos pequenos para sempre.

Prisão domiciliária

11.12.14
O Nicolau está há alguns dias em casa. No princípio foi espectacular e ele, apesar de doente, estava a adorar ser filho único. Agora, deve estar farto de ser negligenciado, pobrezinho.  
Como é que eu consegui passar tanto tempo em casa com eles é uma coisa que me transcende. E às vezes ainda digo que se fosse mais nova, provavelmente, teria mais filhos. Pobrezinha.

Quando a minha mãe tinha a minha idade

9.12.14
A propósito do Boyhood e do final de mais um ano do calendário gregoriano e dos 40 bem presentes e dos putos tão grandes ponho-me a pensar na passagem do tempo. Bem, na verdade, raramente preciso de qualquer pretexto para pensar nisso. Basta deitar-me e entro logo naquele redemoinho que nunca sei onde vai parar.
Ontem fui ter com a minha mãe de 41 anos, a idade que tenho agora. Não me lembro especificamente da minha mãe com 41 anos, lembro-me apenas das circunstâncias à volta dessa idade, ela com 41, eu com 20. Percebo porque trabalhava tanto, para além da óbvia necessidade de sustentar quatro filhos sozinha. Bem, nessa altura já trabalhavam três filhos mas o dinheiro nunca chegava para nada. O trabalho, aquela demência pelo trabalho (que ela também criticava na mãe dela) era o único escape daquela mulher. A única forma de não enlouquecer.
No filme, a certa altura, o filho pergunta ao pai qual é afinal o sentido disto tudo. O pai diz que não faz a mais pequena ideia, que ninguém faz, que toda a gente vive o melhor que pode, que o que interessa é sentir as coisas.
Eu nunca perguntei à minha mãe, porque não era preciso. Ela fazia questão de nos explicar vezes sem conta que viemos ao mundo para sofrer. Que é esse o objectivo de viver: sofrer. E depois na outra vida ter a recompensa. 
Quando a minha mãe tinha 41 anos acho que a odiava um bocado menos.

Não sabia que ia ser fim-de-semana prolongado

8.12.14


Árvore de Natal - check.
Boyhood - check (é único mesmo, uma pena não desfrutar em pleno por estar cheia de calor e de gases).
Sapatos para tocar órgão - falta check (quase sinto falta do tempo em que o material escolar eram cartolinas e guaches).

Declaração

7.12.14
As olheiras, a camisola do avesso para esconder o borboto, os sapatos gastos, as respostas tortas, os silêncios, as camisas por passar a ferro, a hostilidade latente, a apatia, a evidência do cansaço, a relativamente evidente falta de sexo, as óbvias horas massacrantes no escritório, o quase desespero diário, a falta de paciência para algumas coisas dos miúdos (sim, só algumas), a idade a notar-se, ligeiramente, no abdómen e, talvez, nos cabelos brancos, os cada vez mais raros "fazes-me falta", os gestos impulsivos praticamente mortos e enterrados, as baterias já quase gastas de tanto uso.
Ser pai é tão fodido como ser mãe, não sei já o tinha dito alguma vez. Mesmo para um pai que acha a paternidade a coisa mais espectacular do mundo.
Eu sei que não parece mas isto é uma espécie de declaração de amor. Tu sabes.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

5.12.14
Quantas vezes por semana é normal uma pessoa sentir-se um cagalhoto a boiar no mar?

Santa is coming to town*

5.12.14

















Parece que está aí o Natal.

(*em inglês fica tudo mais fashion coiso)

Factos são factos (ou fatos)

5.12.14
Cingindo-se unicamente aos factos uma pessoa até tem razões para se sentir bem consigo própria. Vejamos os últimos dois anos:
- Arranjei um emprego como terceira escriturária numa escola profissional, durante pouco mais de quatro meses (o tempo de uma licença de maternidade);
- Abri uma empresa e dei entrevistas na televisão (o horror, nem quero que me lembrem, as entrevistas, não a empresa!);
- Trouxe a minha avó para Lisboa para cuidar dela durante um mês;
- Editei e organizei o lançamento de um livro do Manuel Jorge Marmelo (ia vomitando de nervos);
- Fechei a empresa (quase tão complicado como abrir);
- Fiz alguns passeios em família, como o de Évora, o do acampamento em Mira, o de Montemor-o-Novo, o de Alcobaça (e este nem sequer teve direito de antena no blog), outro(s) que posso ter esquecido e ainda o fim-de-semana épico no Porto com a Helena e a Carla;
- Planeie viver no Porto;
- Mudei de casa (só uma vez em dois anos, nada mal!);
- Fiz uma grande e maravilhosa viagem a Timor Leste;
- Confeccionei 14 bolos de aniversário;
- Regressei ao jornalismo;
- Vivi momentos irrepetíveis com amigos de longa data e outros que mal conheço mas que parecem amigos na mesma.

P.S A maior parte deste "factos" foram feitos na primeira pessoa do plural mas isso é um outro post sobre o amor e outras paneleirices.

CAE 08111*

4.12.14

Há uns dias andava à procura de um código CAE (classificação das actividades económicas) e dei imediatamente de frente com o 08111 (extracção de mármore e outras rochas carbonatadas). "Isto anda tudo ligado", pensei.
Lembrei-me de uma amiga da adolescência que tinha vivido no Canadá e do pai dela, que vendeu o jazigo à minha avó.
Não existiam muitos jazigos de mármore na altura. Eram quase só montinhos de terra com jarras de flores em cima e o jazigo da minha avó era (e ainda é) o seu grande orgulho. Pagou cerca de mil contos por ele, o equivalente a um ano de salários, mas tem uma campa que "é um luxo".
Creio que seja totalmente indiferente aos ossos da mãe dela estarem cobertos por uma pedra de mármore muito bonita, enfeitada semanalmente pela minha mãe, mas para a minha avó aquela pedra é quase tudo o que lhe interessa, agora. É para onde vai "morar" mais cedo do que tarde, para toda a eternidade.
Pelos vistos há pessoas que gostariam de comprar a morada eterna no cemitério onde a minha avó tem a mãe dela (e eu os meus avós paternos, o meu pai e alguns amigos) mas parece que já não há espaço para mais gente.
As pessoas que passam recibos 08111 cavam buracos para extrair mármore, que depois vai tapar outros buracos. Isto anda mesmo tudo ligado.
Ah, e diz que no Canadá se constroem mansões com mármore de Portugal. Eu nunca fui ao Canadá, mas a casa dessa minha ex. amiga, que nasceu lá, era uma mansão rodeada de mármore por todos os lados.

* Esta colaboração com o lifecooler ultrapassou todas as minhas expectativas e isso é uma coisa quase rara nos dias que correm.

Viagens no tempo

3.12.14
Um dia destes vou acordar e vou perceber tudo. Algures numa dimensão paralela parece-me que já lá cheguei.
Desde muito pequena que tenho a sensação que consigo ver-me do futuro mas só muito mais tarde me apercebi que quando precisava de dirigir preces a alguém era a mim que o fazia. Ao "eu" que já lá tinha chegado, às respostas, ao conhecimento (devo estar lá a gritar NÃO SEJAS EGOCÊNTRICA).
As viagens no tempo sempre fizeram muito sentido para mim (bem, há um dos exterminadores implacáveis que baralham um bocado a coisa). A superação da ignorância também. Nem que seja para chegarmos à conclusão que é melhor vivermos mergulhados nela.
Um dia, dizia, vou acordar e perceber tudo mas hoje não foi esse dia. Hoje dormi até tarde, o ombro e o braço direito continuam a doer-me, o pão com ameixas e figos acabou e ainda não aprendi nada hoje. Mas o dia ainda mal começou.

Surpresas

1.12.14
Rabisquei num papel que o amor pelos meus filhos é um pano cru, sem fatos de domingos, ou lençóis bordados. Devia estar bêbeda, porque não sei o que quer dizer.
Surpreendeu-me chegar a casa, quatro dias depois, e notar a falta que lhes fiz. O Isaac chorou agarrado a mim na estação de comboios. Sou a amora (feminino de amor) deles.
Surpreende-me sempre as pessoas gostarem de mim.

Escaravelho

29.11.14
Tenho andado arredada do computador. Distante de casa, ocupada com coisas que me interessam e cheia de compromissos sociais. Apanhei muito frio num dia, massacrei os pés com as botas de água no outro e tive saudades deles todos os dias.
Sinto-me um escaravelho. Não sei explicar porquê mas é isso mesmo que sinto hoje, que sou um escaravelho. Espero que não tenha nada a ver com as bolas de esterco que estes bichos costumam enrolar.

Piadas de mau gosto

26.11.14
Estou gorda. É muito parvo estar a escrever sobre isto, mas estou gorda. E o pior nem é isso. O pior é o meu cérebro ainda não se ter habituado a essa ideia. Olho para os pares de calças 38 e ele diz-me que me servem e quando as tento vestir fico cheia de pena de mim.
"Vamos analisar as hormonas, minha querida, mas olhe que já está numa idade em que precisa de ter mais cuidados com a alimentação", diz-me a médica de família. Portanto, estou gorda, porque estou velha. Só pode ser uma piada de mau gosto.

Os Croods e os Fonseca Xavier

24.11.14
Este filme já deu tantas, tantas vezes na nossa televisão que praticamente toda a gente aqui em casa sabe as falas de cor. Só faltava atribuir personagens a cada um de nós.
O Isaac escolheu ser o Guy (o rapaz evoluído e sonhador), claro, o Nicolau o Thunk (o desastrado e "sem cérebro") e eu disse que não tinha a certeza se era a Eep (a filha curiosa e rebelde), ou a Ugga (a mãe das três crianças pré-históricas).
"Tu és a Eep mamã", disse-me o meu filho do meio. E apeteceu-me comê-lo de beijos.

Domingo de manhã

23.11.14


Uma pessoa sabe que, se calhar, podia dar melhor uso ao tempo quando usa um domingo de manhã para fazer um estojo de pano para o filho oferecer a um amigo que faz anos e este lhe pergunta o que é o presente, porque acha que o estojo é o "embrulho".

Tenham muito medo

21.11.14


E o que eu gostei de intervalar o trabalho para fazer uns falafel para o almoço mais uns muffins de aveia e banana! E deliciosos que estão!
Não leva muito tempo estou uma sopeira feliz e tudo.

Saltos no tempo

19.11.14
Há certos gestos ou acontecimento que, automaticamente, me fazem viajar para outro sítio, assim mesmo como nos filmes. Uma pessoa agora está aqui e no momento seguinte foi parar a outro lado (não sei se existe um termo para isto. Tenho a impressão que sim). Dou dois exemplos, que são os mais frequentes:

1- Sempre que estou a picar salsa, entro no filme da Agnès Varda, Os Respigadores e a Respigadora, e vejo claramente aquele senhor a apanhar salsa de um caixote do lixo e a explicar, enquanto trinca o caule, que a salsa tem muito zinco.

2- Quando encontro um cabelo na comida (sim, acontece-me com bastante frequência), lembro-me de um almoço em Newark, em casa dos pais da Mrs. Carrol. Foi num sábado e a mesa estava posta com o melhor serviço, porque comentava-se por lá que nós, na Europa, comíamos de faca e garfo todos os dias e não apenas em ocasiões especiais.
Ora, como a mãe da Mrs. Carrol era italiana sabia muito bem o que tinha a fazer. A comida estava divinal, claro, e nós, eu e a minha outra amiga portuguesa, estávamos sentadas muito direitinhas à mesa para não dar parte fraca. Nisto, encontro um cabelo no meio da salada. Fiquei para morrer, uma vez que sabia que não devia deixar comida no prato. Depois de muito pensar e remexer na comida decidi que tinha de comer o cabelo. E assim fiz.

A minha filha saiu à noite

18.11.14
Antes do jantar
- Quem é que faz anos, Bea?
- Já te disse não sei quantas vezes que é a Mariana.
- Ah, pois, mas não me lembro de nenhuma Mariana na tua turma.
- Isso é porque é da minha turma do coro. Ela está no 10.º ano noutra escola.
- Ah, ok. Espera, no 10.º ano? isso quer dizer que faz 16 anos (a Bea tem 13)!
- É.
- Mas, então, vão embebedar-se!!!
- (chocada) A que propósito?
- Bom, hmmmm, quer dizer, não sei, mas aos 16 anos pode acontecer, sei lá, digo eu, de se experimentar bebidas alcoólicas.
- Isso não sei. Sei é que a Mariana não bebe álcool. Tenho quase a certeza.
- E se beberem todas o que vais fazer?
- (com ar daaaã) Vou beber água, ou sumo, obviamente. Tenho 13 anos.
- Pronto. Então liga quando terminar o jantar.

10h50 toca o telefone
- Tou, olha mamã, só acabamos agora de jantar e estávamos a pensar ir comer uma sobremesa à baixa, pode ser?
- Sim, está bem. Quando terminares liga para te irmos buscar.
- Está bem, mas eu posso ir de metro, não há problema.
- Está bem, liga e logo vemos.

Meia hora depois ligo-lhe eu a insistir que era melhor ir buscá-la, que preferia que não andasse de metro sozinha àquela hora.

11h45 recebo um sms
"Podem apanhar-me daqui a 15 minutos na Rua Augusta?"

A minha filha é a Cinderela e trata-me por mamã. É a pirosice mais fixe do universo.

Merda

17.11.14
Daquilo que me é dado observar, existem três tipos de pais/mães:

1- Os que fazem os filhos sentirem-se uma merda mas que estão lá a apoiá-los quando fazem merda.

2- Os que não fazem os filhos sentirem-se uma merda mas estão sempre à espera que façam merda para poderem dizer que tinham razão.

3- Os que se acham tão espectaculares que, obviamente, só podem ter filhos espectaculares. É claro que os filhos até podem fazer merda mas a deles é cheirosa e de um castanho luminoso.

Isto é muito interessante de analisar quando somos filhos. Agora, enquanto pais é outra conversa.

A canção do cometa

14.11.14
Saio do Centro de Saúde sem conseguir ser atendida mais uma vez e, já na rua, ouço parte de uma conversa:
"Ele tem de se focar num objectivo, assim não pode ser, não pode estar a fazer informática hoje e amanhã meias".
Sorrio.
Entro no eléctrico e olho para o meu caderno. Numa página respostas de uma entrevista, na outra desenhos de patchwork para mantas e a seguir listas de compras e menus.
Sinceramente, não sei é como se pode viver de outra forma que não esta, sobretudo num mundo em que já se ouve um cometa a cantar.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

13.11.14
Qual é o vosso código CAE?

O peso das coisas

13.11.14
Eu e o Jaime não trocamos prendas de Natal há alguns anos. Bem, não podem ser assim tantos, porque só estamos juntos há seis. Seja como for, a certa altura pareceu-nos descabido e decidimos não comprar nada um para o outro. No primeiro ano em que o decidimos comprámos na mesma, obviamente, mas depois passámos a oferecer um ao outro coisas simbólicas: um cachecol feito por mim; uma lista de intenções; um guia de Budapeste...
Gosto muito mais assim. Faz muito mais sentido assim. Por isso, a sério que não percebo, porque é que este ano me apetece tanto receber um par de botas, ou um telemóvel novo, daqueles que dá para tirar fotografias, ou um computador.
E não, isto não é uma wishlist. 

Isto assim é muito complicado

12.11.14
No dia em decido fazer uma tarte de grão-de-bico para me entregar à gula que aparece, sempre, à hora da ceia, apetece-me comer chocolate.

Dias perfeitos

10.11.14
No sábado de manhã, uma lição de esgrima histórica para uma reportagem. Precisava de levar calças de desporto escuras e sweatshirt branca. Não tinha nenhuma e por isso transformei duas t-shirts numa sweat. Ficou apertada nas mamas e quando me vi ao espelho estava com os bicos espetados. Paciência.

No sábado à noite, seis horas numa peça de teatro.
A melhor pergunta/resposta: Qual a qualidade mais sobrevalorizada? (pergunta Vera Mantero) A iniciativa própria (responde Jorge Andrade).
No fim, mais duas horas a pesquisar personagens do Roque Santeiro e a cantar a banda sonora da novela.

Há dias perfeitos, foda-se.

O autor sossega-me

7.11.14
António Lobo Antunes teve a amabilidade de explicar, no ípsilon de hoje, porque é que estou sempre a pôr de lado o livro dele: "Mas acho que uma parte da obra, aquela mais experimental, em que tento algumas coisas novas para mim como na Exortação aos Crocodilos (1989), Não Entres tão depressa Nessa Noite Escura (2000), Eu Hei-de Amar uma Pedra (2004). Aqueles calhamaços são difíceis de ler como o caraças e eu achava aquilo claro e estava todo contente. Com a vida que há agora é muito difícil ler aqueles livros. Não dá para estar sempre a interromper. A vida não é assim, as pessoas têm de trabalhar no dia seguinte. Isto devia apanhar-se com uma doença."

Adenda: acabei de ver, nos comentários do Post em que falo do autor, que mais alguém leu a entrevista. Obrigada, Dani.

Falta-me assim um bocadinho para chegar aos tornozelos dela

7.11.14
Haverá poucas pessoas neste universo dos blogs que não conheça a Ana de Amsterdam e, entre estas, serão poucas as que não a admiram. Eu não sou excepção, evidentemente. Acho-a genial e estou em crer que o romance que mais tarde ou mas cedo vai  publicar, será o evento literário do ano. Por isso, imaginem a minha cara quando me perguntaram se ela era o meu alter-ego.

É isso

6.11.14
Ainda há pouco tempo exasperava-me ter sempre louça para lavar, roupa para estender, cenas para arrumar, etc. Agora preocupam-me muito mais os conselhos que dou à minha filha e o facto de não poder ir ler para a cama, porque está lá o nosso filho do meio.
O que foi que me aconteceu, afinal? A velhice. Acho que estou a envelhecer, finalmente.
Senhoras da nossa idade, precisamos de repetir o questionário. 

Amnésia

5.11.14
Acordei a meio da noite com um pensamento qualquer e achei que tinha de escrever sobre isso. "É mesmo importante", pensei, "levanta-te", disse a minha mesma, "vai, vai, sai da cama para apontar", gritei pontapeando-me mentalmente. Mas nada, nem me mexi.
É possível que tenha alguma coisa a ver com o facto de ter largado o Lobo Antunes, outra vez. Tenho muito desgosto, mas há que assumir de uma vez por todas que não consigo ler o António Lobo Antunes.
Larguei-o, então, e fui buscar dois livros para ver qual me apetecia ler. Apeteceu-me ler os dois, por isso acho que vou continuar a lê-los ao mesmo tempo. Talvez mais para a frente me interesse um mais do que outro. São ambos biográficos, um é sobre Marguerite Duras, e o outro é o Retrato do Artista Quando Jovem, do James Joyce.
Com a excepção de "O Mundo Ardente", tem sido difícil encontrar livros que me apeteça mesmo muito ler e, agora, apetece-me ler dois ao mesmo tempo. O que foi que me aconteceu, afinal?
Bem, vou subir e descer umas quantas ruas, que é, a seguir a dormir, a melhor forma de nos lembrarmos do que interessa.

Ano novo*

4.11.14
Decidi deixar o cabelo crescer e depois decidi cortá-lo eu própria. Grande erro. Depois, fui ao arquivo aqui do blog ver quando tinha sido a última vez que o fiz. Foi há pouco mais de um ano.
Não sei se esta reincidência tem a ver com o facto de ter deixado os compridos, há cerca de duas semanas, num acesso de rebeldia, mas estou a gostar deste reecontro. Das lágrimas por tudo e por nada; dos acessos de mau feitio (dizem por aí que são constantes, mas há diferenças); da vontade de mudar alguma parte do mundo; de ir a festas e dar festas; de me obrigar a escrever, apesar de odiar tudo o que escrevo; de odiar tudo o que escrevo; de gostar de ir buscar os meninos à escola; de experimentar novas receitas...
Não faço ideia quanto tempo vai demorar até voltar a indiferença, o sono, o desespero por não conseguir reagir, mas até lá vou aproveitar. Acho eu.
Entretanto, estou com um cabelo horrível e apercebi-me que este corpo não é meu. Não consigo chegar com as mãos ao chão e fazer a ponte é o mesmo que tentar empurrar um carro, em porto morto numa subida, com o dedo mindinho. O que foi que me aconteceu, afinal?

*Nunca nada começa em Novembro, a não ser para os que nascem e os que decidem morrer. Pois o meu ano novo começa este mês.

No meu bairro

30.10.14
Desde que me mudei para o bairro mais multicultural de Lisboa, passei a acreditar na ilusão de que vivia numa cidade parecida com Vayorken, mas quando, hoje, saí de casa para levar as crianças à escola, percebi que não é bem assim.
Algumas pessoas viravam a cabeça e olhavam-nos com ar intrigado. Sim, o Nicolau decidiu sair de casa com a adorada touca da piscina na cabeça, e depois? Em Nova Iorque isto não teria sido considerado estranho.

Na padaria, a comer um pão de alforroba, ouço a empregada dizer que o que mais queria era ir passear, tomar o pequeno-almoço dela (suponho que ali tenha de tomar um pequeno-almoço estandardizado), ir até à praia, a seguir passear outra vez e depois jantar sushi.
Acho que era a mesma pessoa que no outro dia vociferava escandalizada com o que estavam a fazer a uma participante da Casa dos Segredos. Parece que a Teresa Guilherme "uma simples apresentadora", não tem o direito de estar a influenciar as pessoas com as suas preferências.

Numa esplanada da moda peço, a uma tia, um chá verde com limão e gengibre. Pago com uma nota de 5€ (custa 1,25€) e lá veio o belo do revirar de olhos porque não tinha troco.
No mercado, pago por um quilo de petinga 6€, entrego uma nota de 10€ e a senhora dá-me 5€ de troco: "fica-me a dever 1€, não se preocupe. Eu sei que vai voltar cá".

(gosto muito mais de escrever na primeira pessoa, mas foi um prazer escrever no outro registo sobre o meu bairro)

Outono?

27.10.14

A termos de viver com as estações trocadas, assim está óptimo. Eu sou uma gaja que lida muito bem com uma ida à praia perto de Novembro e não me lembro de, alguma vez nesta altura do ano, ter tido o cesto da roupa para lavar tão vazio, como agora.
É claro que me preocupam as alterações climáticas, há mais de uma década que o cataclismo é demasiado óbvio, mas sinceramente há alturas na vida de uma pessoa em que temos de ir comprar um vestido à Humana, convidar os amigos para jantar cá em casa e beber uns copos (ou muitos, ou demasiados, pronto).
Tenho pena de não ter tirado uma selfie, ou fotografado a mesa, ou os miúdos a mergulhar no Atlântico no dia da mudança da hora de inverno, mas a Beatriz fez o favor de me pentear e fotografar de costas no espelho que comprámos ali na Forno Tijolo.

Diz que é uma espécie de nostalgia

21.10.14
A Beatriz cresce todos dias e eu sinto-a a afastar-se um bocado mais todos os dias. É assim que deve ser.
O Isaac recusa-se a crescer, custa-lhe horrores. Diz mesmo, em prantos, isto é, com a goelas abertas e os olhos cheios de lágrimas, que quer voltar a ser bebé.
O Nicolau, esse, está sempre bem desde que o deixemos dormir com a touca da piscina, ou sair de casa de camisola interior e calções.
Não estou segura de ter feito o melhor que podia em relação a eles e em relação a mim. A minha vida, em retrospectiva, parece sempre uma coisa pastosa, como se me movesse dentro de gelatina.
Às vezes olho para eles e fico quase chocada ao aperceber-me que são os meus filhos. Como se eu não tivesse nada a ver com o que eles são (e será que tenho?).
Quantos testes de gravidez fiz? Quantas vezes chorei grávida? Quantos nomes lhes dei antes dos deles? Quantas noites perdi? Quantas feridas curei? Quantas abri? Quantas vezes o coração apertou? Quantas expandiu? Não sei. Mas é muito verdade que depois de os expulsarmos do nosso corpo, eles deixam de ser nossos, todos os dias um bocadinho mais.

Amigos imaginários

18.10.14
A minha avó - que até há pouco tempo conseguiu esconder que sofria de incontinência, para não ser obrigada a usar fraldas - gosta de salientar muitas vezes que sou devota de S. Felix. Eu não nego, porque sei que é a única forma de ela continuar a achar que não me afastei para sempre dos caminhos da fé.
E é verdade que em tempos S. Félix foi o meu amigo mais ou menos imaginário.
Eu vinha da escola, com o meu guarda chuva não sei de que cor, e pedia-lhe (ao santo, não ao guarda chuva) para fazer com que a minha mãe estivesse bem disposta quando eu entrasse em casa; Ou que me ajudasse a lidar com a caxineira da escola que me humilhava todos os dias e me punha a chorar no recreio da secundária, como se eu fosse um bebé de três anos. E ele, como bom amigo, ajudava-me.
Eu só lhe pedia ajuda em casos extremos e a única vez em que recorri a outra "amizade" foi quando o meu pai morreu. Nessa altura pedi à nossa senhora de Fátima, uma vez que ele morreu numa viagem ao santuário, que fizesse o enorme favor de não o deixar morrer, mas quando lhe fiz o pedido ele já estava morto, só que eu ainda não sabia.

(este intervalo, provavelmente só necessário para mim, é para passar aos dias de hoje)

Amanhã é sábado e os miúdos costumam ter natação aos sábados, às 9h da manhã. É o pai quem costuma ir com eles, mas não está cá e eu esqueci-me de depilar as pernas e de experimentar o fato de banho, que já não deve servir-me.
Assim de repente não me ocorre nada menos agradável do que começar o dia a acordar cedo, vestir um fato de banho que mostra todas as misérias e levar dois putos bem dispostos, muito, muito bem disposto, até à piscina.
Mas eis que o telefone toca - e eu atendo - para me dizerem que amanhã não há natação (será que ainda tenho amigos mais ou menos imaginários? Se assim for, preciso muito de ajuda para explicar que me servi da ficha de leitura do Isaac como base de copos).
A verdade é que muitas vezes sinto falta dessa comunhão. Dessa sensação de pertença, que revi no filme da Helena (tenho de falar deste grande momento cinematográfico num outro post), mas suponho que ainda terei de dar umas quantas voltas de carrossel até saber quando parar.

A vida

15.10.14
Isaac, em prantos - Mamaaaaaaaaã, o pai diz que acabou a brincadeira, que temos de lavar os dentes para ir dormir.

Eu - Pronto, Isaac, se ele disse é porque acabou mesmo. Se calhar, depois de lavar os dentes podes fazer uma brincadeira mais calma, antes de ir dormir.

Isaac - Qual, qual? Tens de me dizer que brincadeira.

Eu - Hmmmm e que tal ler uma história, ou ver um bocadinho do Gru?

Isaac, novamente em prantos - Mas isso não são brincadeiras, isso é...isso é a vida!

É isso

13.10.14
Eu não sei se é desta circunstância outonal, ou dos filmes que ando a ver de enfiada (vieram montar os cabos e ficamos com as têvêscines abertas), mas voltei ao estado porque-raio-andamos-todos-a-viver-de-uma-forma-tão-vazia-de-sentido?
Pessoalmente acho que é porque me tornei umas dessas pessoas de meia idade conformadas e um bocado balofas que vão ao celeiro comprar drenantes, porque fazem retenção de líquidos e estão gordas por causa do DIU e tomam comprimidos para estabilizar os humores.
Essas pessoas podiam mudar de estilo de vida, ter uma alimentação rica em fenilalanina e triptofano, correr à chuva e ao sol, trabalhar, relativizar, sair com os amigos, pedir muitas vezes aos filhos para as pentearem, mas depois é certo e sabido que alguma coisa se intrometeria nesta rotina. Uma garrafa de vinho aqui, um joelho fodido ali, o talho fechado, o multibanco fora de serviço e pronto.
É tudo muito cansativo, basicamente.

Ainda a brincar às casinhas

7.10.14
Estou a gostar muito desta brincadeira, porque tenho encontrado verdadeiros achados, mesmo aqui ao lado de casa, que encaixam muito bem nas outras peças.
É o caso das quatro cadeiras que outrora pertenceram ao Hotel Suisso Atlântico, aqui na primeira foto a serem remodeladas.Reparem que nem o incentivo à calendário Pirelli (isso queria ali a Catarina) foi descurado.


De mais duas, como esta aqui em baixo, dos Móveis Olaio.

E ainda este maravilhoso roupeiro escolar que está no meu quarto.

Coisas menos soltas do que parecem

2.10.14
Antes de começarmos a jantar o Isaac perguntou se não podíamos ir ver o pôr-do-sol a um restaurante. Ficámos ali entre o riso enternecedor e a nostalgia. Era o que fazíamos com frequência em Timor.

Os meus gatos vivem agora em casa da minha mãe. Estão velhos, sobretudo a Maya (quase 15 anos), para tantas mudanças.
Tenho saudades dos meus gatos. Ouço-os a atirar coisas ao chão e sinto-os a saltar para cima da cama.

Parece que vai haver uma festa, disse-me o Isaac. As pessoas já não vão morrer e por isso vão fazer uma festa. Como não sabe sabe onde é, não pode dizer-me se posso ir.

É a terceira vez que choro tanto no fim de um livro. A primeira foi com "O Princepezinho", a segunda com o "A Origem" e agora com "O Mundo Ardente".

A alma dos filhos

2.10.14
"O Félix sempre dissera que admirava e apoiava o trabalho dela, mas viajava para aqui e acolá por causa do trabalho e telefonava-lhe para avisar que ia chegar tarde, ou que mudara de voo, e a Harry ficava em casa a tomar conta da Maisie e do Ethan. Sim, sim, sim, disse ela, tinha tido ajuda, toda a ajuda que quisera, mas não se pode entregar a alma dos filhos aos cuidados de outras pessoas. E, embora a Maisie tivesse sido uma criança relativamente fácil, o Ethan fora difícil, hipersensível e propenso a explosões. As necessidades vorazes dele tinham-na, por vezes, engolido por completo".

Siri Hustvedt, O Mundo Ardente, D. Quixote, 2014

Desconstruir a maternidade*

30.9.14
Primeira reunião na escola nova. É tudo o que se pode esperar de uma escola: boa educadora; espaço simpático, com recreio ao ar livre; refeições confeccionadas na escola; pessoal atento e descontraído; projecto pedagógico centrado na autonomia das crianças e uma participação exemplar dos pais na vida escolar. Esta última parte é que era escusada. É que é tão exemplar que saí de lá a sentir-me uma nódoa.
Só por causa disso amanhã vou a uma manifestação, pronto.
Ainda por cima, de regresso a casa, é só mães com os seus bebés nos slings a cantar no meio da rua, a perguntarem aos meus filhos como se chamam, a conversarem alegremente comigo - "adeus, adeus vamos comprar salada para o jantar" -, a exibirem toda a sua magnificência maternal às mães aliviadas por finalmente poderem deixar os filhos na escola, mas que ainda não perderam aquele ar desgrenhado de quem não aprendeu (nem nunca vai aprender) essa técnica, essa forma de arte, que é o funambulismo.
Não há volta a dar, para uns isto é como tentar o equilíbrio em cima de uma corda, para outros é um simpático passeio à beira mar, onde não falta o sol, nem a brisa amena. Não quer dizer que estes últimos sejam melhores mães e pais. São é mães e pais mais felizes (ui, no que me fui meter, agora terei de falar na parentalidade positiva).
Eu sei que pais mais felizes têm filhos mais felizes, claro, mas e se a minha felicidade depender de esquecer que eles existem durante uns tempos (horas, dias, meses, não sei...), isso é melhor para eles? Provavelmente nem notariam grandes diferenças, uma vez que está tudo na minha cabeça (quantas vezes procuro esquecer que existem quando estou no sofá a ler, enquanto eles pintam a manta e as paredes e os sofás...) e depois, quem sabe, até podia envolver-me mais na vida escolar.

*Falo em maternidade, porque sou mãe, mas podia falar em paternidade. Quando inventarem um nome para as duas coisas que não comece com "P" (parentalidade, pais... ) avisem.

O meu pequeno grande

29.9.14
Eu podia dizer tantas coisas sobre o quinto aniversário do meu filho - do meu primeiro filho rapaz, do meu primeiro filho com o Jaime - mas não consigo deixar de pensar nas preocupações escondidas naqueles olhos.
O Isaac, aos cinco anos, está preocupado com o facto de envelhecer significar morrer. No entanto, o que mais o atormenta no dia do aniversário são os dentes. Lembrou-se que um dia destes lhe vão cair os dentes e ele, pelos vistos, não quer nada disso.
Quer os nossos beijos e os nosso braços à volta dele e isso, no fundo, é quase tudo. O resto é o que é.

Estranho

28.9.14
Quando venho escrever um post (e a maior parte das vezes nem sei bem sobre o quê), releio os três, ou quatro anteriores, não vá eu repetir um assunto, como se não estivesse aqui a falar sempre da mesma coisa. Quase sempre encontro gralhas, ou um erro de conjugação qualquer. Hoje encontrei a repetição do mesmo adjectivo três vezes neste post: "(...) que elas [as cobras] andam estranhas"; "Há um silêncio quase estranho" e "É um lugar estranho, este onde cresci." Isto num post com cinco frases.
E como "Palavrar" é o vinho que estou a beber neste momento e a linguagem, ou a importância da palavra é um dos temas focado no absolutamente maravilhoso livro que estou a ler (Inês, se não o compraste, ainda, eu empresto-te), parece-me que isto anda tudo ligado.
Só ainda não consegui encontrar justificação para o regresso das hemorróides, a não ser que papos atrás das orelhas que desaparecem para dar lugar a papos no cu tenha uma explicação transcendente que me ultrapasse.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

26.9.14
Durante quanto tempo vai apetecer-me brincar às casinhas?

Instalada

24.9.14

Mudei de casa (olha que novidade!), mas não deixei de comer figos. Comi figos numa consistência muito diferente, mas o sabor, o sabor é igual. Juro. Vão lá ver.
Desde que me lembro, queria sair da aldeia onde cresci para experimentar, precisamente, este tipo de coisas: Novas consistências, novos sabores, novas experiências. Conhecer pessoas, conhecer outros costumes, outras vidas.
Há tanto para conhecer em Lisboa, ou melhor, para conhecer em Portugal. No mundo, então, nem se fala! E Timor, tão longe e tão maravilhoso! Tenho ao menos o meu porta-chaves de lá e, aqui ao lado, a Rua Timor. Não é que sejam precisos objectos, ou toponímias para recordar onde se foi feliz, mas gosto destes pequenos símbolos.
Os meninos estão a gostar da escola nova e a menina gosta assim assim da escola velha.
Eu gosto muito desta casa. Só me falta gostar de mais qualquer coisa, além dos gelados, claro, e da miscelânea de línguas que se ouvem nas ruas, e do kebab ali de baixo e do largo e de levar os meninos a pé até à escola.

Enquanto o nosso ano lectivo não começa

17.9.14
Aqui, quando vou fazer caminhadas apanho amoras, figos e uvas. Também vamos apanhar pinhas para o inverno. Dizem-me para ter cuidado com as cobras, que elas andam estranhas, porque não "trovoou" nas tocas. Há um silêncio quase estranho na rua e muitas vezes sinto dificuldade em respirar, porque me sobra o ar. É um lugar estranho, este onde cresci, mas também não sei o que se podia esperar de um sítio que um dia me mostrou uma coisa verdadeiramente extravagante: um casal de franceses que veio passar férias a casa dos meus tios e que tinha o hábito de tomar banho todos os dias.

Brindemos

14.9.14
Vamos fazer de conta que eu sou uma pessoa que telefona aos amigos quando precisa de conversar. Que pede um abraço. Que diz o que a desassossega com facilidade. 
Pegava no telefone, ou sentava-me numa mesa de café e dizia o quê? que tenho uma bolha atrás da orelha que me dói muito; que me fui pesar e efectivamente engordei - três quilogramas num mês, disse a balança -; que tenho um bocado de dente, que ficou perdido na última extracção, a sair e a ferir-me indecentemente a gengiva; que tenho de me convencer, de uma vez por todas, que não fiz nada para merecer a penitência que é aturar a minha mãe; que cheiro muito mal dos sovacos, um fedor que não reconheço como meu; que fui ao hospital e que a médica me disse que achava que estava tudo bem, mas era melhor fazer uma ecografia "lá fora", porque com o aparelho que tinha não conseguia encontrar o DIU; que me cansam os filhos; que o amor não assiste; que me doem as mamas e a unha do dedo mindinho; que já não sei se sei sonhar; que tenho medo; que quero rir-me muito e muitas vezes?
São merdices que não contam para nada no somatório de todas as coisas. São merdices que merecem pouco mais que um brinde. Talvez uns três, ou quatro. Ou cinco, pronto.

Flashbacks

9.9.14
Flashback: Começou tudo no incêndio.  O prédio da rua Maria para onde a família de cinco ia viver sofreu um incêndio e a mudança, que ia acontecer em Julho, teve de ser adiada. Como Agosto, esse mês interminável, estava à porta e as exigências profissionais do pai da família exigiam nova deslocação a Timor, decidiram que seria uma boa altura para irem todos.

Actualidade: O pai está em Lisboa. A mãe e as crianças numa aldeia do Norte, à espera. Tratarão da mudança para a casa da rua Maria, ou aproveitarão o facto de terem tudo embalado e guardado para seguir para outro sítio?

Flashback: A família está em Timor, os pais e a mais velha sentados num sofá em frente ao mar, os dois mais novos a brincar na água com meninos timorenses. "E se viéssemos viver para cá?", perguntou a filha.

Flashback: Começou tudo na água que escorria pelas paredes. A partir de certa altura ficou claro que aquela casa, na rua Sampaio Bruno, não servia. Deitava água por todos os lados. Fizeram-se obras. A água continuou. A mãe da família estava cansada de tantas mudanças. Decidiram que se fosse para sair dali, teria de ser uma situação mais definitiva. Iam voltar ao Porto.
Fizeram-se mais obras na casa, enquanto os dois adultos procuravam emprego mais a Norte. 
As obras ficaram prontas. Os empregos nunca aconteceram, mas a mudança impunha-se na mesma.
Encontraram a casa, procuraram escolas, fizeram todos os preparativos.
Aconteceu o incêndio.



Bali

5.9.14




Agora que estou em casa da minha mãe, sem saber ao certo onde será a nossa próxima casa, e com as alergias todas de volta, parece-me quase estranho voltar a Bali.
Apetecia-me mesmo era voltar a Timor, ainda por cima não cheguei a escrever o post dos bichos que se atravessam constantemente na estrada, porque a estrada em Timor é de todos, dos porcos, dos cães, dos galos, dos caraus, das pessoas e também dos automóveis.
Em Bali é essencialmente dos automóveis e das vespas, mas chega de tentar comparar o que não tem comparação.
Acho que Bali é capaz de ser muito bonito, mas está demasiado cheio de turistas.
É claro que se não fossem os turistas não teria visitado a fabulosa plantação de café Pulina e provado o famoso café que os Luwac fazem o favor de digerir e cagá-lo para nós.
Também é provável que as centenas de hotéis e restaurantes em cima da praia não existissem e que fosse tudo muito mais bonito para quem está de passagem, mas os balineses vivem do turismo, por isso é justo que assim seja. Até porque eles não parecem nada incomodados com a imensidão de gente que entope todas as artérias principais da ilha, de manhã à noite.
É bastante fascinante, aliás, que além de parecerem nada incomodados mantenham os seus rituais de oferendas aos deuses em todo o lado, indiferentes a quem passa (aquele da primeira foto estava à entrada da "nossa" casa). E quem passa precisa de ter algum cuidado para não andar aos chutos às flores, aos biscoitos, ao arroz e a um ou outro cigarro.
Fascinantes são também os "rice terrace", como lhe chamam, e os templos no meio do mar, como o Tanah Lot (na última foto), onde, dizem, se pode ver o pôr-do-sol mais bonito do mundo. Como da primeira vez não chegámos a tempo e da segunda optámos por ir à hora do almoço, para não estar três horas na fila, não posso confirmar e, portanto, o pôr-do-sol mais bonito, para mim, continua a ser o da Areia Branca.

Antes do Jet Lag

4.9.14

Tenho novas de Bali, evidentemente, mas por enquanto fiquem com o texto do lifecooler e deixem-me recuperar do jet lag e habituar-me a usar calçado novamente.

Quando há dois, ou três meses escolhi os temas sobre os quais ia falar no lifecooler estava longe de imaginar que na semana do Japão estaria precisamente na Ásia.
Na altura achei que podia ter alguma coisa a dizer sobre sushi, mais precisamente sobre um jantar muito especial no Porto, ou sobre um filme que vi há uns 10 anos  – Uma História Japonesa de Amor  - e que, por qualquer razão, me marcou.
É claro que se me pusesse a escrever sobre filmes, duvido que não fosse parar ao Myasaki e ao maravilhoso Castelo Andante, mas passemos à frente, que já se percebeu que o rumo deste texto é outro.
Portanto, dizia,  na altura lembrei-me que podia escrever sobre tudo e mais alguma coisa relacionada com o Japão, menos com a que me ocorre neste momento, quando estou em Bali, depois de ter passado um mês em Timor Leste:  sanitas.
Alguns amigos meus, que visitaram o Japão, já tinham feito referência às sanitas de lá e aos respectivos esguichos de água  para lavar as partes e hoje pude, finalmente, saber do que falavam.
Tanto em Timor Leste, como em Bali, o que se encontra nas casas de banho são umas mangueiras (ou em substituição destas, um balde de água com um cabaço) que, supostamente, substituem o papel higiénico.  Ora, como me parecia muito estranho usar uma mangueira na sanita fui evitando o novo elemento, até um dia decidir experimentar. A sério, fiquei fã desta coisa de sair da casa de banho lavadinha*!
Mas hoje aconteceu ter de mudar de quarto no hotel onde estamos instalados e, pela primeira vez,  ter-me sentado numa dessas sanitas modernas (nesta parte da Ásia) com os esguichos direccionados para os devidos sítios e, bom, percebo a modernice, mas as mangueiras, apesar de pouco elegantes, parecem-me bem mais eficazes.
Espero, sinceramente, que neste momento não estejam a visualizar-me sentada numa sanita com uma mangueira na mão a regar certas partes do corpo mas, efectivamente, ninguém me mandou falar disto em vez das magníficas frangipanis deste lado do mundo (não sei se é muito óbvio que esta pequena referência serve apenas para justificar a foto).

*ajuda muito o facto de estar sempre calor e de a roupa secar em três tempos.

Até já, Dili

29.8.14

Despedi-me de Dili com algumas lágrimas nos olhos. É ridículo, eu sei, mas é verdade. A caminho do aeroporto olhei para o Cristo o Rei, em cima da boca do crocodilo, e lembrei-me que não cheguei a subir até lá. Também nunca subi em Lisboa. E quando for ao Rio de Janeiro também não subo, pronto, ficou decidido naquele momento.
Quero voltar a Dili, não faço a mínima ideia porquê. Pode ser para ir a Ataúro, ou ao monte Ramelau, não interessa. Ou então, para conduzir em Maubara, outra vez. Quero voltar a Dili, porque sim.

Chegar a Bali, depois de estar um mês em Timor, deve ser muito semelhante à chegada de um  Amish a Nova York.
O clima dos dois países é igual e os paraísos naturais semelhantes, mas aqui há supermercados que vendem iogurtes (e tantas outras coisas que não existem em Timor) e lojas e mais lojas e mais lojas de tudo. Além disso, nota-se que estamos na Indonésia, pelos pequenos templos a cada esquina e pelo exotismo das decorações.
Mas Dili é muito melhor (apesar do lixo, dos regatos pestilentos, do caos, da espera dos contentores que trazem o leite, etc.), mas estou a ser injusta, ainda não conheço Bali. Mas Dili...

Bom, Dili nunca me recebeu com flores, é um facto - quem me dera que pudessem cheirar as flores das frangipani! Não há nada no mundo (que eu conheço) que cheire tão bem. E nesta escala não entra o cheiro dos bebés, porque é um cheiro à parte de todos os cheiros.
Mas também há frangipanis em Dili e buganvílias, tantas e tão bonitas. Não sei se já referi que Dili é muito melhor, apesar de não conhecer, ainda, quase nada de Bali.

As grandes questões que se levantam em Timor

25.8.14
Estas montanhas à volta de Dili estão carregadas de uma mística qualquer. É palpável e nem os mais novos passam incólumes à sua presença.
O Isaac anda obcecado com a morte, agarra-se ao irmão em prantos, que não quer que ele morra, que vai ter muitas saudades, que se morrermos todos ele fica sozinho e que não quer nada disso, mas também não quer morrer. Uma aflição que só visto!
O Nicolau, esse, chegou à conclusão que quer trocar a pila por um pipi.

Os mortos não têm inimigos

25.8.14


O Filipe esteve em Timor-Leste em 2005, quando fez a Volta ao Mundo, e explica muito bem o que significa visitar o cemitério de Santa Cruz.
Desde então, as coisas mudaram e são cada vez menos os que se lembram do massacre, aliás, não há qualquer referência no cemitério ao acontecido.
No entanto, apercebo-me que por coincidência dá-se o caso de, tal como há nove anos, o presidente indonésio estar em Timor neste momento e de se verificarem os tais retoques de embelezamento em alguns locais.
Era o que estava a acontecer no cemitério muçulmano, que fica ao lado do católico. Obviamente, não pudemos deixar de o visitar também e ficar fascinados com as diferenças. Dois cemitérios distintos, de credos diferentes. Ali, lado a lado. Os mortos não têm inimigos.
Mas Santa Cruz não foi o primeiro cemitério que visitei em Timor e de todos eles trouxe a sensação de que as crianças ocupam um lugar muito importante nesta sociedade. Eu não tenho números sobre a média de filhos por família, ou da mortalidade infantil, mas estou em crer que ambos são bastante altos. Isso explicará a razão de tantas campas com recém-nascidos, mas este culto por um filho que não chegou a viver é pouco comum nos países pobres.

Em vez de saias e vestidos

21.8.14


Comprei dois livros na livraria-papelaria "Companhia", umas das duas lojalivru-lojasasan escola que existem em Timor: O "Requiem para um navegador solitário", de Luís Cardoso e "A nona do Pinto Brás", de Luís Filipe F. R. Thomaz.
Antes das compras na livraria, já tinha comprado uns tecidos no mercado dos tais que algumas mulheres, sobretudo as mais velhas, usam como saias.
Depois soube pelo livro de Luís Filipe F. R. Thomaz que esses panos atados à cinta se chamam cambatic: "Do malaio kain batik, «pano decorado pelo processo do batik, reserva feita com cera aplicada no tecido a tingir»; designa os panos de ramagens importados de Java ou de Singapura (hoje, as mais das vezes estampados mecanicamente) que as mulheres timores de um certo nível usam enrolado à cinta, em vez do tradicional sabalu, ou tais feto timorense, espécie de saco sem fundo onde a mulher se enfia até aos seios, feito artesanalmente em teares de cana e decorado pelo processo dito ikat ou reserva no fio, que subsiste sobretudo no Leste (zonas de Baucau, Lospalos, etc.)."
Tive de confirmar com a Pascoela, uma bela timorense que trabalha nesta casa, se de facto elas usam aquilo apenas enrolado na cinta, como nós usamos as toalhas de banho, e ela disse que sim, que era assim mesmo e riu-se imenso quando lhe perguntei se não caía pelas pernas abaixo. "A minha mãe sempre usa e não cai".
Parece-me perfeito, com três, ou quatro panos e três blusas pode-se viver um ano inteiro neste país sem precisar de mais peças de roupa (bem, sem contar com a interior, mas mesmo essa...) e andar bem vestida.
É impressão minha ou o mundo global tende a imitar as piores coisas e nunca, ou raramente, as melhores?

P.S Eu ia jurar que estava mais magra desde que estou em Timor, mas provavelmente deixei foi de olhar para o espelho.

O mar, sempre o mar

19.8.14






Eu devia ter escrito o post ontem*, depois de regressarmos de Liquiça, cheios de ideias mirabolantes, como a de recuperar o Hotel Tokodede e irmos viver para lá, durante uns tempos, claro.
Hoje, já tive um daqueles dias enjoativos na praia, a olhar para o mar, a mergulhar no mar, a resmungar os “calem-se lá com isso, meninos, portem-se bem” e “parem de gritar, por favor”, a apanhar estrelas do mar, a olhar para o mar, a mergulhar no mar...
Ontem e antes de ontem e no dia anterior também houve mar, tanto mar que cheguei a enjoar como se estivesse a andar de barco. Dormimos numa tenda com as ondas quase a bater nos pés e quando acordei a meio da noite com o barulho do mar e me levantei para ver se estávamos prestes a ser levados por uma onda, estava completamente zonza, mas podia ser da sangria, ou do champanhe, ou talvez fosse do vinho.
O mar estava até bastante calmo.
Mas em Liquiça o mar tem ondas, e areia preta. Em Liquiça é tudo muito bonito e em Maubara também. Apeteceu-me ficar a viver em Liquiça, durante uns tempos, claro.
Antecipo o choque que será regressar a Lisboa. “Vamos mesmo regressar?” Atrevo-me a correr certos riscos. “Deixa-me experimentar conduzir este carro”. Olho de lado para o computador. “Amanhã escrevo”.
Há anos que não estava tão bronzeada.

*no domingo (por causa das falhas de internet não consegui publicar o post na segunda-feira)

Alguns apontamentos a meio da segunda semana

13.8.14
Sou a única pessoa nesta família a ser indecentemente atacada pelas melgas, com ou sem repelente. E sou a única com caganeira;
Um teki caiu morto, à entrada de casa, e foi devorado pelas formigas em pouco mais de uma hora;
As praias paradisíacas também enfartam;
Apesar das criadas a cozinhar, limpar e lavar a roupa, os meus filhos dão-me cabo do sistema nervoso na mesma.

Do azar e da sorte

11.8.14










Depois de um fim-de-semana e peras (nunca tinha escrito esta expressão) cheguei à conclusão que não dou para ser dondoca. Bem, falta-me experimentar a coisa com ama e motorista, mas mesmo assim não creio.
Lá fomos nós, então, rumo a Baucau, todos contentes, e mais uma vez não tínhamos onde dormir, porque chegaram uns hóspedes antes de nós. Sim, tínhamos reserva, mas chegámos depois deles, azar! Ou sorte, depende da perspectiva.
É que por causa desse pequeno percalço tivemos um grande, enorme, fantástico fim-de-semana e apesar de saber que acreditam em mim, porque eu não sou gaja de adjectivos, portanto se os estou a usar é porque a situação o exige, vou contar tudo na mesma.
Então, depois de saber que não tínhamos onde dormir em Baucau, continuámos a conduzir por ali fora, ou melhor, o Jaime continuou, eu ia sentadinha ao lado, de boca aberta com a paisagem. Parámos em Com, Los Palos e a partir daí foi uma animação.
O resort não tinha nenhum luxo (incluindo papel higiénico), mas era confortável. Além disso, tinha tudo o resto: o mar, o vento morno, as crianças a atravessá-lo para irem para a escola, o som da ventoinha no tecto.
Depois, tivemos a primeira experiência gastronómica verdadeiramente timorense (o restaurante do hotel estava fechado, por isso comemos na casa da Katy), uma delícia a sopa de peixe!
No dia seguinte decidimos ir a Jaco, a ilha deserta, e juro pela minha saúde que pensei que íamos morrer ali, o que vale é que estávamos a caminho do paraíso.
O carro aguentou-se à bronca nos oito quilómetros de estrada de cabras que nos conduz a Valu e lá dentro todos pinchávamos como loucos, para felicidade do Isaac e sofrimento do Nicolau, que chorou a maior parte da viagem.
Lá em baixo estava de facto o paraíso, de tal forma que nem nos apeteceu atravessar o pequeno canal para o outro lado, ou seja, Jaco.
Duas cervejas depois voltámos ao caminho de pedras para iniciar a subida e no fim só me apeteceu dar beijinhos ao carro e ao Jaime. É claro que meia hora depois já estava aos pontapés nas folhetas do jipe, porque o gajo decidiu avariar. Azar! Ou sorte, depende da perspectiva.
Durante o tempo em que estivemos num pára arranca, até parar definitivamente, tivemos a oportunidade de conviver de perto com o maravilhoso povo timorense.
Agora é mais uma semana de praia e passeios na cidade (boring!)  até ao próximo fim de semana em Liquiça, ou sabe-se lá onde.