Ando sempre ao contrário

25.11.15
Não sei o que pensar sobre o facto de vir viver para Timor-Leste no ano mais quente e seco desde há muito tempo, segundo me disseram, (parece que por causa do El Niño), enquanto no meu país se faz história com uma coligação de esquerda a subir ao poder. E com a primeira mulher negra a chegar a ministra.
Parece que ando sempre ao contrário.

Novos sabores 3

22.11.15
Tamarindo. É um fruto muito usado em molhos, como o sassate, e para temperar carnes em vez de limão. Também se usa fazer uma espécie de rebuçado juntando à polpa outros ingredientes, como açúcar e malagueta. Nós apanhámos uns quantos, quando estivemos a acampar em Valu, e fiquei bastante surpreendida com o sabor agridoce deste fruto.

Tudo normal, portanto

20.11.15
Visto assim de relance parece que a minha vida é só passeios e aventuras. E às tantas é mesmo. Se calhar as rotinas, o trabalho, as coisinhas de todos os dias são, agora, os intervalos do resto. Ou, se não são, pelo menos, parecem.
Mas nessas rotinas, na vida de todos os dias, têm acontecido coisas que merecem referência (céus, o que é que me aconteceu? a vida de todos os dias era o que alimentava faustosamente este blog e agora estou a dizer que isso merece uma referência! O que vale é que amanhã já volta tudo ao normal, ah, não, amanhã vou para Ataúro, pronto mais dia menos dia, quando já tiver dado a volta toda à ilha).
A primeira de todas elas é que o meu filho do meio é, como é que hei-de dizer, um bocadinho lento na escola e, além de lento, um trapalhão a escrever que mete medo. Eu, que sou toda deixem lá os miúdos serem como são, até tremo quando abro o caderno.
É claro que não faço disto nenhum drama, até porque tem vindo a melhorar, mas preocupa-me que não saiba juntar as palavras para ler, em vez disso decora-as. Não sei se é do método, ou se é dele, sei que fico muito baralhada quando "está a ler" e a olhar para mim ao mesmo tempo.
Enfim, a professora diz que ele não tem nenhum problema de aprendizagem, simplesmente prefere brincar. Tudo normal, portanto.
Enquanto isso, a mais velha está no pico da adolescência, ninguém percebe o que ela quer. Passa o tempo enfiada no quarto a tocar guitarra, ou a falar com as amigas ao telefone e é capaz de ser a garota mais efusiva num momento (no meio dos amigos) e no minuto a seguir a mais trombuda e infeliz (quando está connosco). Tudo normal, portanto.
O mais pequeno, bom, o mais pequeno continua com as pequenas manias que lhe são características. Durante muito tempo foi um problema conseguir que vestisse a farda da escola, porque queria ir todos os dias com a t.shirt que é suposto usar só quando tem ginástica. Entretanto, decidiu fazer umas transformações: usa a bata por dentro dos calções com duas dobras nas mangas. Não pode ser uma dobra, têm de ser duas. E é assim que ele vai para a escola todos os dias. Nada de muito anormal, portanto.
Já eu acho muita piada vê-los crescer, mas continuo a ter bastantes problemas com esta coisa de ir envelhecendo à medida que eles crescem. Tudo normal, portanto.

Provavelmente o meu cérebro está a morrer*

16.11.15
A Bea a boiar no mar, em Jaco

Fui ao paraíso e voltei. No paraíso, no ilhéu de Jaco, vi um mar que nunca tinha visto; vi golfinhos ao longe; vi os meus filhos de mãos dadas, no pequeno barco dos pescadores, a tremer de emoção e apeteceu-me chorar; vi corais de muitas cores; nadei com um cardume e, suponho, com o peixe que comi ao jantar. No paraíso também se morre e também se caga atrás dos arbustos (depois de pedir muitas desculpas aos espíritos).
Depois, voltei e vi-me num documentário da vida selvagem, entre Loré e Iliomar. Foram quilómetros a atravessar a selva por uma estrada, que deve ter existido em alguma altura difícil de descortinar, em que as únicas aldeias com que nos cruzámos pareciam da pré-história.
Até a bela da cobra amarela (pronto, arrepiei-me toda outra vez) fez questão de me aparecer pela frente! Só a mim, obviamente, a pessoa com mais medo de cobras do grupo.
E a seguir, já no hotel cheio de tokés gigantes, lá dentro, assim tipo, na sala (a sério, nunca me vou habituar a viver com lagartos, por muito que digam que não fazem mal e que dão sorte e blábáblá. Esta gente nunca viu a série "V a batalha final"?) fico a saber do atentado em Paris e acho que é mentira. Acho mesmo que não me diz respeito, até o Jaime me lembrar que estão lá a Carla e a Helena. Fico tão desconcertada que lhe pergunto o que é que a Helena, que vive em Berlim, está a fazer em Paris?
Ele fica agarrado ao telefone a tentar perceber o que aconteceu e eu fico sem saber o que pensar, apesar de me questionar como é que ele sabia que a Helena estava em Paris e eu não.
Pareceu-me tudo demasiado bizarro. Eu tinha acabado de me cruzar com uma população fantasma que vive no meio da selva. Tinha ido ao paraíso e voltado e a Europa pareceu-me uma coisa do passado, ou do futuro. Não do presente. Esta Europa não é a nossa.

* Usei esta frase, numa conversa, por causa da rapidez com que a minha memória está a desaparecer e pareceu-me um bom título. E os bons títulos nunca fizeram mal a ninguém, acho eu.

E depois fomos à montanha

9.11.15



Andava eu encantada com o mar e as praias timorenses que tenho visto e frequentado, desde Batugadé até Tutuala (toda a costa Norte, portanto) até que fui à montanha.
A montanha é todo um outro mundo. Eu sabia que estar no meio de um elemento tão preponderante, não só na paisagem, como nos próprios timorenses - que lá se refugiam em todos os feriados e festas de guarda - seria impactante. Tanto mais quando se sabe que estas montanhas foram, em muitas épocas diferentes da história de Timor, um aliado como nenhum outro, mas mesmo assim não estava preparada para o que ia encontrar.
Eu até podia tentar descrever com muitos detalhes tudo o que fomos vendo, mas parece-me que é mais uma coisa que se sente, estando lá.
Lá em Balibó, a conversar na esplanada da pousada do forte e a sentir a presença daquele silêncio. Depois, a caminho de Maliana rodeados de montes e vales, montes e vales e mais montes e vales; a passar pela capital de distrito, e ficar admirada com a organização (não vimos porcos, nem galinhas nas estradas, por exemplo) e seguir para Bobonaro e depois para Marobo, à procura da fonte de água quente. Inacreditável o que é preciso descer até lá! Não percebo como é que os timorenses que estavam a tomar banho, chegaram ali, porque os únicos veículos estacionados eram motas. Aliás, nem percebo como é que conseguiam tomar banho, já quea água estava a escaldar. E cheirava muito mal, diziam os meus filhos, coisa que, vim a saber depois, não se deve dizer ali, perto da água sagrada.
Lá pelo meio da montanha, atravessando a cordilheira de Tatamailau, por Ermera. Um percurso que corresponde a cerca de 150 km e que demorou umas sete horas, num carro todo o terreno.
Fizemos uma paragem para mergulhar nas cascatas de Atsabe, mas foi mesmo só um mergulho, porque a quantidade de crianças e jovens timorenses que se juntaram para nos observar intimidou-nos, e outra para comer pão com salsichas no momento em que começou a chover, claro.
Tirando isso, andámos perdidos uns cinco quilómetros, e se não fosse a biscota que faz Suai-Maliana (tipo microlet mas para viagens de longa distância) provavelmente teríamos ido parar ao outro lado da ilha.
Enfim, resumindo, o percurso é duro, que é, mas é absolutamente incrível.
E os miúdos, perguntam vocês? os miúdos adoraram passar dentro de uma nuvem, na zona de Merique, a 2100 metros de altitude (nenhum de nós tinha estado num ponto tão alto acima do mar), da paisagem parecida com a Terra do Nunca e divertiram-se com os saltos dentro do carro (a miúda nem tanto). Além disso, estiveram impressionantemente calmos a maior parte do tempo.

A ilha

6.11.15

No mesmo dia em que a terra tremeu, não com um, nem dois, mas cinco sismos, levando algumas pessoas a entrar em pânico, foi visto um crocodilo na praia do Cristo Rei. Uma praia, ao lado da Areia Branca, onde já mergulhámos algumas vezes.
Eu só me dei conta de um dos sismos, que nem foi o maior, mas nem me apercebi que era um sismo. Só ouvi um barulho no telhado e pensei que eram animais a correr lá por cima, o que significa que ao nível do chão esta casa está bem montada.
Quanto ao crocodilo, bom, só vi fotos e estou arrepiada até ao osso da espinha. Acho que vou demorar algum tempo a tomar banhos de mar descansada.

Talvez eu seja demasiado imaginativa

4.11.15

Já tenho a bicicleta. Quer dizer, só vai ser minha quando a dona dela se for embora de Timor, no final deste mês, mas já me vejo a ir buscar a fruta a Lecidere, a pedalar na marginal até ao café Letefoho e seguir para comprar katupa (ai, tenho de fotografar este arroz) nas barracas montadas na praia.
Parece-me que sou muito mais feliz a imaginar as coisas que posso fazer do que a fazê-las. Isto tem jeitos de ser uma doença, ou uma condição, vá, mas a realidade tem certas nuances que tornam tudo muito mais...real.
Eu não tenho nada contra a realidade, aliás, é muito mais a minha praia, como acho que se consegue perceber mas é mais fácil ser feliz a imaginar estas voltas de bicicleta por Díli sem incluir o calor abrasador, a quantidade de motoristas que não cumpre qualquer regra de condução e os cães que correm atrás a ladrar.
É como ter filhos, lá está, a malta imagina a maternidade/paternidade de uma forma e depois não dorme, passa a vida a limpar merda, com as mamas a pingar leite e a chorar por tudo e por nada. Eles são lindos, claro, e o que sentimos por eles não se parece com nada que tenhamos sentido antes, mas a realidade é bem diferente da imagem que tínhamos criado.
Isto, enquanto são bebés, porque depois eles começam a crescer e nós deixamos de querer imaginar o que quer que seja, porque a única coisa que interessa é o bem estar deles. O que só prova que o melhor é mesmo viver.

P.S Juro que não percebo porque é que comecei um post a falar da bicicleta e acabei a escrever sobre filhos.