Deixar de ser o que fomos

27.2.20
Acordei a pensar que tinha de começar a praticar exercício, que as caminhadas mais ou menos assíduas não são suficientes, que já chega de não conseguir enfiar-me em roupa que me ficava larga e tal e tal. Depois do café e croissant com queijo fui pesquisar ginásios na Póvoa, só de olhar para as imagens e nomes das modalidades comecei a achar que o circuito do Parque da Cidade é espectacular e que se calhar podia direccionar a minha força de vontade para aí. Não demorou muito a decidir que tinha era de intensificar as caminhadas e comprar roupa.
Entretanto é meio-dia e noto que ocupei a minha manhã com esta preocupação. Fui tratando de assuntos que tinha a tratar, claro, mas o tema 'ficar em forma' ficou a rebolar na cabeça e com ele todos os outros pendentes - tratar não sei o quê nas finanças, pagar umas contas, as fotos (e os conteúdos) que faltam no site, as mensagens e emails que devia ver respondidos e por aí fora. É por isso que as pessoas passam a vida ocupadas sem fazerem nada de útil. 
Ainda me levantei do computador para dançar não sei que música do spotify, ou da radar, mas trouxe um vestido transformado em camisa que está apertado nos braços e eu danço muito com os braços e como nem o Nicolau, que está de férias esta semana, se mexeu a não ser para me mirar de cima a baixo com um certo desprezo, desisti. 
É a desistirmos de coisas assim, aparentemente pequenas, que vamos desaparecendo. De desistência em desistência deixamos de ser o que fomos, o que somos. E, em alguns casos, é uma pena.

A foto é do Paulo Ricca, de 2006 (acho)

Rejubilemos

14.2.20

Rejubilemos, o sol chegou à Póvoa de Varzim! Jaime, esquece o que disse hoje de manhã, meia a dormir, talvez a Póvoa não seja uma cidade má (reparaste que sublinhei o talvez?).
Bom, é possível que a minha costela celta seja de uma tribo diferente da que predomina nesta geografia, pelo que devia fazer uma regressão, ou outra cena assim new age, para compreender de onde me vem esta animosidade. Pronto, agora vou ter de ir à biblioteca ler sobre celtas e vikings, o google não me ajudou grande coisa nesta matéria.
Mas, dizia, o sol chegou e, sabe-se lá, podemos encontrar um trevo de quatro folhas, ou tropeçar num significado para a nossa vida.

Uma pessoa triste

8.2.20

Dois anos depois de ter regressado a Portugal voltei a sentir-me como antes de sair daqui. Voltei a acordar sem vontade de sair da cama, a ter de fazer um esforço para executar as tarefas mais básicas, a engatar os pensamentos uns nos outros, a ter medo de enlouquecer...
Tem vindo a acontecer, claro, não foi assim de repente, mas percebi claramente que tinha chegado ao mesmo ponto quando dei por mim a ler a entrevista póstuma a George Steiner no El País, a ponderar assinar o Expresso Digital para ver o que Kirk Douglas, ou Issur Danielovitch Demsky, disse aos 100 anos a propósito da sua longevidade, que atribuiu ao amor e às longas conversas com a mulher, Anne Buydens, a fazer scroll down no artigo sobre Dorothy Parker e, por causa disso, ir procurar a Mesa Redonda de Alonquin. Tudo isto sem retirar grande prazer das leituras e com a sensação de que devia estar a fazer outra coisa.
Não tenho feito as caminhadas habituais, deve ser por isso. Fiquei a pensar se os meus filhos olham para mim como uma mãe deprimida, mesmo que não saibam exactamente o que isso significa (nem eu, por acaso) e mandei mensagem à que já tem idade para perceber. Ela respondeu: «Não me lembro em que ponto é que realmente me apercebi disso, até porque durante muito tempo foi só um conceito abstracto, mas sinto que sempre tive a noção que eras ''triste''».
Pronto, se calhar eu sou uma pessoa triste, com muitos momentos de alegria e outros de grande alegria. Não há-de vir grande mal ao mundo por causa disso.