Dez anos em 19 anos

30.9.19

O Isaac fez dez anos, a Maia morreu no mesmo dia.
A Maia morreu no dia em que o Isaac fez dez anos.

Não dá para falar do dia em que festejamos o aniversário do nosso filho (ontem) e o da morte da nossa gata de 19 anos no mesmo post. Mas também não dá para falar de uma coisa e outra separadamente, quando aconteceram no mesmo dia. Melhor não falar. Não, melhor falar.

Portanto, descemos as escadas às 7h da manhã, confirmamos que a Maia não respira, mas se calhar está viva. Demoramos sempre a acreditar na morte. Sabemos que vamos ter de pegar nela, depois de colocar o cobertor na caixa de cartão. Ela está morta mas não vai para dentro da caixa sem alguma coisa que a aconchegue. É a primeira vez que lidamos com os aspectos práticos da morte de um animal de estimação. Talvez ela não esteja morta, apesar das evidências. Demoramos sempre a acreditar na morte. Cubro-a com o cobertor e fecho a caixa. Agradeço-lhe mais uma vez ter feito parte da nossa vida. Entrego a caixa ao Jaime para a levar à casa da minha mãe, para a enterrar. Sei que teve uma vida longa e feliz, supondo que sei o que é a felicidade para um gato.

Subo e o Isaac chama por mim. Vou ao quarto dar-lhe os parabéns e ele pergunta onde foi o pai. Invento qualquer coisa e digo-lhe que pode vir deitar-se na minha cama, se quiser. Não consigo evitar as lágrimas que correm como rios dos olhos para as orelhas, mas eles não percebem, felizmente (o Nicolau também se tinha juntado a nós). O Isaac faz anos, merece a festa que idealizou. Estamos à espera do Jaime para abrir a prenda. Depois vamos sair para ir buscar o bolo, os amigos e seguir para o Porto. Pode ser que ele não se aperceba que a Maia não está, ela já não se fazia notar muito nos últimos dias. Não tenho a certeza de conseguir travar a nascente dos olhos, mas consigo.

Mais tarde, no final do dia, quando lhe disse que estávamos tristes por a Maia não estar em casa, tanto um como outro demoraram a perceber. ''Fugiu de casa?''- perguntou um. ''Está no veterinário?'' - perguntou o outro. O Isaac chorou desalmadamente e sentiu-se culpado por não ter percebido o que tinha acontecido - ''não vês que parece que eu não me preocupo com a Maia'', dizia entre soluços. O Nicolau quase não chorou.

De todos os que vivem comigo, a Maia era a que estava há mais tempo. E o Isaac o que mais se preocupava com ela, por isso gostou da ideia de a nossa gata, de a minha gata, ter escolhido ir para um sítio melhor num dia tão especial.

Bom ano

17.9.19

Devo estar deprimida, ou seja, devo estar consciente do que se passa à minha volta, porque o início deste ano lectivo não se encheu de confetes, que são as expectativas que todos criamos à volta da vida das nossas crianças.
Dei por mim a fazer comentários jocosos às fotografias das criancinhas no primeiro dia de escola até o facebook me mostrar uma ''memória'' de 2011, onde constavam as minhas criancinhas no primeiro dia de escola, precisamente.
Por causa disso fiz umas pesquisas aqui no blog e só não fiquei pasmada com o que já enchi a minha vida de domesticidade, porque ainda tenho muito presente esses maravilhosos e terríveis tempos do passado recente (a sério que eu fazia posts destes? e destes? [inserir emoji com ar aterrorizado, ou outro que se adeqúe] e isto só na etiqueta 'lavores'!).
Bom, mas a domesticidade não é tão aterradora agora, o que quer dizer que os filhos pequenos dão mesmo muito trabalho, mas não deixa de ser aborrecida. Não a parte de preparar e destinar os legumes, ou regar as plantas e fazer bolos com o Nicolau, mas quase tudo o resto. Vocês sabem, limpar, arrumar, encaixar os tupperwares e respectivas tampas no armário, varrer o cotão, lavar as piaçabas, mesmo achando que deviam ir para o lixo...
Não tem de ser dramático, até temos máquinas que lavam louça e roupa, só que é. Sobretudo, porque nem todas(os) podemos ser a Sarah Affonso que confirmou ''o seu projecto plástico nas pequenas coisas do quotidiano, sem distinção entre artes maiores e menores, entre pintura e bordado, entre cerâmica e desenho de jardim''.
Emília Ferreira, directora do Museu Nacional de Arte Contemporânea/Museu do Chiado, até diz que a quinta de Bicesse, que Sarah Affonso comprou com Almada Negreiros, ''é a continuação lógica da diversificação artística que as vanguardas valorizavam .''
Se ao menos as vanguardas de agora valorizassem montras, se calhar eu podia aspirar a ser artista (inserir mais emojis).

A minha forma de ser

5.9.19
Num diálogo hipotético dizia a alguém: ''se calhar não gostas da minha forma de ser'' e depois fiquei a ouvir o eco ''forma de ser... forma de ser... forma de ser...''. Enfim, é o que dá acordar às quatro da manhã. Adiante.
Quando estava a sentir o sono a chegar novamente, achei que devia apontar para me lembrar quando acordasse, mas não tenho lápis nem papel na mesinha de cabeceira. Pelos visto não foi necessário.
A expressão ficou a ecoar na minha cabeça por me parecer provocatória, como se para sermos tivéssemos de partir de uma forma, isto é, de um molde. Como se no início houvesse uns quantos moldes e a partir daí se formassem todas as pessoas.
Não sei se me calhou um molde mais defeituoso, ou se a minha matéria não tinha o que era necessário, como quando um bolo afunda no meio, para a minha forma de ser tornar-se menos apreciada.
Seja como for, há pessoas muito irritantes que conseguem ser interessantes e ter uma vida boa, como a Lindsay e o Frank, por exemplo. E não me venham com o detalhe de essas pessoas serem personagens, que toda a agente sabe que a realidade ultrapassa, muitas vezes, a ficção.