Usufruir

19.6.19

Comecei a ler este artigo e lembrei-me logo de uma certa forma de estar dos timorenses que muitos poderão associar a preguiça e que a mim sempre me pareceu revelar conhecimento, como se eles soubessem alguma coisa que nós ignoramos.
Por isso, gostava tanto de observar o tio Abel, e os timorenses com quem me fui cruzando, e continuo a achar que temos muito a aprender com as sociedades menos desenvolvidas.
Não é propriamente novidade que o aceleramento da vida moderna anda a deixar meio mundo doente e o planeta em risco, o que não parece claro é que caminho seguir para menorizar os problemas.
Um dia destes, depois de estacionar o carro e rodeados de empreendimentos comerciais por todos os lados, o Jaime perguntava-me que iriam os nossos filhos fazer, quando já está tudo praticamente feito e eu respondi que iam, precisamente, desfazer o que andámos a fazer.
Na altura não me pareceu uma resposta assim tão contundente como me parece hoje, depois de ter estado a separar e preparar os legumes que a D. Fátima trouxe, enquanto pensava nas coisas que conseguimos controlar e as outras todas, as que estão fora do nosso controle.
Suponho que tenha sido precisamente essa a razão para os nossos primórdios criarem os deuses - é melhor lavar as nabiças para o esparregado - e a bem dizer, a humanidade chegou a este estado de evolução graças  à sua capacidade de sobrevivência.
E deixar acontecer o que tiver de acontecer - que pimento maravilhoso para o gaspacho -, acreditando que nada é por acaso, ou o contrário, tudo é casual, equivale a acreditar em Deus sem os sacrifícios, nem o inferno. Por isso, não te rales, sê feliz!
O feijão verde é para uma salada com ovo. Além disso, há coisas extraordinárias no mundo, por exemplo, não sei quais são as probabilidades do Vitorino, o encantador de crocodilos, sobreviver à recolha de ADN de 17 bichos, mas calculo que sejam muito pequenas.
Enfim, nem tudo tem uma explicação, por muito necessária que seja à nossa existência. Mais vale sentarmo-nos e usufruirmos, de preferência com um copo de vinho na mão.

Auto-ajuda

13.6.19
O último livro de auto-ajuda que comprei (sim, não foi o primeiro, mas não falemos sobre isso) foi uma espécie de brincadeira, como aquela que as crianças fazem, e todos nós já fizemos, de seguir no passeio sem pisar os riscos, ou atravessar na passadeira só nas partes brancas. Ou seja, disse a mim própria que compraria o livro que estivesse na mesa ao almoço, no Theatro - sim, este restaurante que também é livraria costuma ter livros espalhados pelas mesas, já tinha falado dele no blog das senhoras.
Isto, porque acordei num daqueles dias em que precisava de uma razão para sair da cama, além das evidentes, e almoçar num bom restaurante pareceu-me a melhor. Ao sair de casa já tinha decidido que ia trazer o livro que estivesse na mesa, fosse qual fosse, porque de certeza traria uma mensagem subliminar.
Não posso dizer que tenha percebido a mensagem, se é que tem alguma, mas também não dei o tempo por  perdido. Além disso, acho que foi por causa dele que acabei a ouvir um podcast, que é uma coisa muito pouco habitual, e a certa altura, lembrei-me de quando era pequena e ia para a cama mais cedo imaginar a minha casa. Não sei quanto tempo durou esta incursão pela minha casa imaginária, mas todos os dias eu revia-a detalhadamente e transformava-a. Também não sei se alguma das minhas casas reais se pareceram com a(s) da minha imaginação, mas parece-me que todas cumpriram o propósito que me levava a querer ir dormir mais cedo para sonhar: não ter ninguém a dizer-me como manter o meu espaço. Seria já uma manifestação de independência? É pouco provável, era muito pequena, ainda. Enfim, se calhar era mais uma brincadeira habitual de crianças, mas agora fiquei a pensar nisso e nas mais de dez casas em que vivi. 
Às tantas não é assim tão descabido ler livros de auto-ajuda (não são todos?).

A Bruxa da Areosa

6.6.19
Morreu a Agustina Bessa-Luís e eu só consigo pensar no Mário Viegas. No início dos anos 90, assisti a um espectáculo do artista, na pequena sala do Clube Naval Povoense (acho eu), com uma amiga e a mãe dela, e fiquei maravilhada com o Manifesto Anti-Dantas. Também fiquei a saber, nessa noite, que ele chamava Bruxa da Areosa a Agustina, não me lembro se Viegas o referiu em algum momento, ou se alguém comentou isso depois do espectáculo. Sei que nunca mais o esqueci e passei a referir-me à escritora da mesma forma. Achava até que não gostava dela, mesmo sem ter qualquer razão para isso. Entretanto, já li que Natália Correia e Luiz Pacheco a tratavam da mesma forma, devia ser uma espécie de guerra de classes.
Por isso, tenho ideia, nunca li nada de Agustina até há poucos anos, quando tirei da estante, meio contrariada, o Fanny Owen. Gostei muito, claro, mas pelos vistos não o suficiente para me embrenhar em mais leituras. Portanto, não se pode dizer que eu esteja no grupo minoritário da adesão absoluta à obra da escritora, mas também não me enquadro no que a recusa.
Enfim, morreu a Agustina e eu tenho muita pena de já não ser tão impressionável como aos 18 anos.