No meu bairro

30.10.14
Desde que me mudei para o bairro mais multicultural de Lisboa, passei a acreditar na ilusão de que vivia numa cidade parecida com Vayorken, mas quando, hoje, saí de casa para levar as crianças à escola, percebi que não é bem assim.
Algumas pessoas viravam a cabeça e olhavam-nos com ar intrigado. Sim, o Nicolau decidiu sair de casa com a adorada touca da piscina na cabeça, e depois? Em Nova Iorque isto não teria sido considerado estranho.

Na padaria, a comer um pão de alforroba, ouço a empregada dizer que o que mais queria era ir passear, tomar o pequeno-almoço dela (suponho que ali tenha de tomar um pequeno-almoço estandardizado), ir até à praia, a seguir passear outra vez e depois jantar sushi.
Acho que era a mesma pessoa que no outro dia vociferava escandalizada com o que estavam a fazer a uma participante da Casa dos Segredos. Parece que a Teresa Guilherme "uma simples apresentadora", não tem o direito de estar a influenciar as pessoas com as suas preferências.

Numa esplanada da moda peço, a uma tia, um chá verde com limão e gengibre. Pago com uma nota de 5€ (custa 1,25€) e lá veio o belo do revirar de olhos porque não tinha troco.
No mercado, pago por um quilo de petinga 6€, entrego uma nota de 10€ e a senhora dá-me 5€ de troco: "fica-me a dever 1€, não se preocupe. Eu sei que vai voltar cá".

(gosto muito mais de escrever na primeira pessoa, mas foi um prazer escrever no outro registo sobre o meu bairro)

Outono?

27.10.14

A termos de viver com as estações trocadas, assim está óptimo. Eu sou uma gaja que lida muito bem com uma ida à praia perto de Novembro e não me lembro de, alguma vez nesta altura do ano, ter tido o cesto da roupa para lavar tão vazio, como agora.
É claro que me preocupam as alterações climáticas, há mais de uma década que o cataclismo é demasiado óbvio, mas sinceramente há alturas na vida de uma pessoa em que temos de ir comprar um vestido à Humana, convidar os amigos para jantar cá em casa e beber uns copos (ou muitos, ou demasiados, pronto).
Tenho pena de não ter tirado uma selfie, ou fotografado a mesa, ou os miúdos a mergulhar no Atlântico no dia da mudança da hora de inverno, mas a Beatriz fez o favor de me pentear e fotografar de costas no espelho que comprámos ali na Forno Tijolo.

Diz que é uma espécie de nostalgia

21.10.14
A Beatriz cresce todos dias e eu sinto-a a afastar-se um bocado mais todos os dias. É assim que deve ser.
O Isaac recusa-se a crescer, custa-lhe horrores. Diz mesmo, em prantos, isto é, com a goelas abertas e os olhos cheios de lágrimas, que quer voltar a ser bebé.
O Nicolau, esse, está sempre bem desde que o deixemos dormir com a touca da piscina, ou sair de casa de camisola interior e calções.
Não estou segura de ter feito o melhor que podia em relação a eles e em relação a mim. A minha vida, em retrospectiva, parece sempre uma coisa pastosa, como se me movesse dentro de gelatina.
Às vezes olho para eles e fico quase chocada ao aperceber-me que são os meus filhos. Como se eu não tivesse nada a ver com o que eles são (e será que tenho?).
Quantos testes de gravidez fiz? Quantas vezes chorei grávida? Quantos nomes lhes dei antes dos deles? Quantas noites perdi? Quantas feridas curei? Quantas abri? Quantas vezes o coração apertou? Quantas expandiu? Não sei. Mas é muito verdade que depois de os expulsarmos do nosso corpo, eles deixam de ser nossos, todos os dias um bocadinho mais.

Amigos imaginários

18.10.14
A minha avó - que até há pouco tempo conseguiu esconder que sofria de incontinência, para não ser obrigada a usar fraldas - gosta de salientar muitas vezes que sou devota de S. Felix. Eu não nego, porque sei que é a única forma de ela continuar a achar que não me afastei para sempre dos caminhos da fé.
E é verdade que em tempos S. Félix foi o meu amigo mais ou menos imaginário.
Eu vinha da escola, com o meu guarda chuva não sei de que cor, e pedia-lhe (ao santo, não ao guarda chuva) para fazer com que a minha mãe estivesse bem disposta quando eu entrasse em casa; Ou que me ajudasse a lidar com a caxineira da escola que me humilhava todos os dias e me punha a chorar no recreio da secundária, como se eu fosse um bebé de três anos. E ele, como bom amigo, ajudava-me.
Eu só lhe pedia ajuda em casos extremos e a única vez em que recorri a outra "amizade" foi quando o meu pai morreu. Nessa altura pedi à nossa senhora de Fátima, uma vez que ele morreu numa viagem ao santuário, que fizesse o enorme favor de não o deixar morrer, mas quando lhe fiz o pedido ele já estava morto, só que eu ainda não sabia.

(este intervalo, provavelmente só necessário para mim, é para passar aos dias de hoje)

Amanhã é sábado e os miúdos costumam ter natação aos sábados, às 9h da manhã. É o pai quem costuma ir com eles, mas não está cá e eu esqueci-me de depilar as pernas e de experimentar o fato de banho, que já não deve servir-me.
Assim de repente não me ocorre nada menos agradável do que começar o dia a acordar cedo, vestir um fato de banho que mostra todas as misérias e levar dois putos bem dispostos, muito, muito bem disposto, até à piscina.
Mas eis que o telefone toca - e eu atendo - para me dizerem que amanhã não há natação (será que ainda tenho amigos mais ou menos imaginários? Se assim for, preciso muito de ajuda para explicar que me servi da ficha de leitura do Isaac como base de copos).
A verdade é que muitas vezes sinto falta dessa comunhão. Dessa sensação de pertença, que revi no filme da Helena (tenho de falar deste grande momento cinematográfico num outro post), mas suponho que ainda terei de dar umas quantas voltas de carrossel até saber quando parar.

A vida

15.10.14
Isaac, em prantos - Mamaaaaaaaaã, o pai diz que acabou a brincadeira, que temos de lavar os dentes para ir dormir.

Eu - Pronto, Isaac, se ele disse é porque acabou mesmo. Se calhar, depois de lavar os dentes podes fazer uma brincadeira mais calma, antes de ir dormir.

Isaac - Qual, qual? Tens de me dizer que brincadeira.

Eu - Hmmmm e que tal ler uma história, ou ver um bocadinho do Gru?

Isaac, novamente em prantos - Mas isso não são brincadeiras, isso é...isso é a vida!

É isso

13.10.14
Eu não sei se é desta circunstância outonal, ou dos filmes que ando a ver de enfiada (vieram montar os cabos e ficamos com as têvêscines abertas), mas voltei ao estado porque-raio-andamos-todos-a-viver-de-uma-forma-tão-vazia-de-sentido?
Pessoalmente acho que é porque me tornei umas dessas pessoas de meia idade conformadas e um bocado balofas que vão ao celeiro comprar drenantes, porque fazem retenção de líquidos e estão gordas por causa do DIU e tomam comprimidos para estabilizar os humores.
Essas pessoas podiam mudar de estilo de vida, ter uma alimentação rica em fenilalanina e triptofano, correr à chuva e ao sol, trabalhar, relativizar, sair com os amigos, pedir muitas vezes aos filhos para as pentearem, mas depois é certo e sabido que alguma coisa se intrometeria nesta rotina. Uma garrafa de vinho aqui, um joelho fodido ali, o talho fechado, o multibanco fora de serviço e pronto.
É tudo muito cansativo, basicamente.

Ainda a brincar às casinhas

7.10.14
Estou a gostar muito desta brincadeira, porque tenho encontrado verdadeiros achados, mesmo aqui ao lado de casa, que encaixam muito bem nas outras peças.
É o caso das quatro cadeiras que outrora pertenceram ao Hotel Suisso Atlântico, aqui na primeira foto a serem remodeladas.Reparem que nem o incentivo à calendário Pirelli (isso queria ali a Catarina) foi descurado.


De mais duas, como esta aqui em baixo, dos Móveis Olaio.

E ainda este maravilhoso roupeiro escolar que está no meu quarto.

Coisas menos soltas do que parecem

2.10.14
Antes de começarmos a jantar o Isaac perguntou se não podíamos ir ver o pôr-do-sol a um restaurante. Ficámos ali entre o riso enternecedor e a nostalgia. Era o que fazíamos com frequência em Timor.

Os meus gatos vivem agora em casa da minha mãe. Estão velhos, sobretudo a Maya (quase 15 anos), para tantas mudanças.
Tenho saudades dos meus gatos. Ouço-os a atirar coisas ao chão e sinto-os a saltar para cima da cama.

Parece que vai haver uma festa, disse-me o Isaac. As pessoas já não vão morrer e por isso vão fazer uma festa. Como não sabe sabe onde é, não pode dizer-me se posso ir.

É a terceira vez que choro tanto no fim de um livro. A primeira foi com "O Princepezinho", a segunda com o "A Origem" e agora com "O Mundo Ardente".

A alma dos filhos

2.10.14
"O Félix sempre dissera que admirava e apoiava o trabalho dela, mas viajava para aqui e acolá por causa do trabalho e telefonava-lhe para avisar que ia chegar tarde, ou que mudara de voo, e a Harry ficava em casa a tomar conta da Maisie e do Ethan. Sim, sim, sim, disse ela, tinha tido ajuda, toda a ajuda que quisera, mas não se pode entregar a alma dos filhos aos cuidados de outras pessoas. E, embora a Maisie tivesse sido uma criança relativamente fácil, o Ethan fora difícil, hipersensível e propenso a explosões. As necessidades vorazes dele tinham-na, por vezes, engolido por completo".

Siri Hustvedt, O Mundo Ardente, D. Quixote, 2014