Liberdade

25.4.25
Queria saber como se ensina a liberdade. Quando era pequena achava que ser livre era poder fazer tudo o que quisesse, e continuo a achar, no fundo, só porque tudo o que eu quero é bom para toda a gente, ou não é mau, vá. Mas a liberdade é asas de vento e coração de mar e uma papoila que não quer combater. É poesia, portanto.
Eu queria ensinar a liberdade, porque a liberdade é podermos fazer tudo o que queremos, sim. Só temos é de ser pessoas decentes. E isso ensina-se!

Despertador

18.4.25
Já tinha pensado nisso, em como seria a minha vida sem despertador, acordar quando acordasse, levantar-me e fazer o que tivesse de ser feito.
Há muitas pessoas que acordam antes do despertador, porque já sabem que vai tocar. Acordar antes do do despertador não é a mesma coisa que acordar sem despertador.
Já tinha pensado nisso, dizia, porque é assim que quero viver daqui para a frente (daqui é quando não precisar de um emprego, uma vez que os miúdos já tratam de si). Quero acordar quando o dia me despertar pelas frinchas do estore, porque não preciso do estrondo da luz toda, basta uma luminosidade. Depois, preparo o pequeno almoço, porque gosto de comer quando acordo. Nem toda a gente gosta, ou quer, mas eu sim. 
A seguir saio para caminhar, se não estiver a chover, como hoje. Ah, e já estou vestida caso estejam a questionar-se sobre isso (a professora de Português do Nicolau estaria, de certeza, e tiraria uns quantos pontos à redação). Pelo caminho comprava cenouras e alho francês para a sopa. E depois sentava-me a escrever horas a fio, com intervalos para tratar das minudências da vida.
Também poderia adoptar o hábito da Idade Média de dormir dois sonos. Já que é para ser disruptiva.
E quando tivesse de apanhar um avião, ou comboio, já que considero não andar mais de avião, pedia que me acordassem. Há sempre alguém disposto a fazer por nós aquilo que não queremos fazer, neste caso usar um despertador.
Ou, então, não dormia até serem horas de sair. Não sei, talvez usar o despertador excecionalmente não seja grave na vida que vou ter daqui para a frente. Tenho é de resolver o daqui.

Os outros despertadores:

Purgatório

11.4.25
Já sonhei algumas vezes com o purgatório, em criança. Agora que penso nisso, tinha sonhos bem mais interessantes na infância. Se calhar devia chamar-lhes pesadelos, mas não chegavam a ser exactamente isso. Lembro-me de um em particular, uns tempos depois do meu pai morrer, devia ter 14 ou 15 anos, já não era propriamente uma criança, mas no sonho sim, era mais nova. Aparentemente decidi ir à procura do meu pai, qual Orfeu sem lira, ao mundo dos mortos e, naturalmente, passei pelo purgatório. Não encontrei vivalma e passei o tempo todo a saltar de pedra em pedra a escaldar. Era uma espécie de deserto, em que não se podia pisar a areia, e as pedras por onde podíamos atravessá-lo queimavam. Fiquei um bocado perturbada pelas almas que tinham de passar longas temporadas naquilo, a purificarem-se, mas eu estava de passagem e pareceu-me um daqueles desafios que todas as crianças fazem: atravessar a passadeira a pisar só as partes pretas, andar no passeio sem pisar os riscos, correr até um certo ponto antes de ser alcançada pelo carro azul. 
Dali passei directamente para o paraíso onde encontrei primeiro os meus avós, numa casa suspensa, com umas escadas que desciam para um pequeno terraço cheio de vasos com sardinheiras. A minha avó, a que me dava moletes com planta, estava sentada numa cadeira a sorrir para mim. Queria fazer-lhe tantas perguntas, mas era óbvio que não tinha respostas. Nem sequer sabia onde estava o meu pai, o filho dela, e isso não tinha importância nenhuma. Eu não entendia muito bem, mas era uma sensação boa estar ali. 
Continuei à procura do meu pai, a caminhar no ar, e quando me cruzei com uma obra em construção, enorme, também suspensa, de tubos de alumínio que se ligavam como estruturas moleculares, soube que ele estava ali. Era mesmo muito bonita, a construção, e nem questionei a utilidade de tal coisa no paraíso. Sei que estava muito ansiosa por vê-lo e quando o vi não era o meu pai, não o que eu conhecia, era outra pessoa, mas soube que era o meu pai, o mesmo pai.

Planta

4.4.25
Estou constipada, ou engripada, ou resfriada, sei lá, estou doente. E quando estou neste estado regresso sempre à infância, talvez por ser um tempo em que era cuidada e não tinha de cuidar.
Nesse tempo ia muitas vezes à casa dos meus avós paternos e a minha avó dava-me moletes com planta.
Ela tinha um forno a lenha onde cozia pão. Saíam de lá umas broas de milho incríveis. Mas a "goloseima" para os netos era pão industrial com margarina Planta.
Eu comia, claro, mas não gostava assim muito, preferia manteiga, que era o que comia em casa.
Pela broa não me interessava por aí além, mas pela bosta de vaca à volta da porta do forno, enquanto o pão cozia, sim.
Interessava-me no sentido técnico do processo, não gastronómico, óbvio.
Ficou a apetecer-me pão com manteiga, vou ter de me levantar. 

Outras plantas:






Lugar Comum

28.3.25
Se eu fosse um lugar comum seria um banco de jardim. Podia ser um daqueles de madeira com ripas arredondadas, ou um simples bloco de cimento, não interessa, mas teria de ser de um jardim. De um jardim frondoso, de preferência. Ia dizer bonito, mas é um contrassenso.

Se eu fosse um lugar-comum (vamos assumir que não sou) seria aquela mulher que acabou de passar pelo banco de jardim e pensou em sentar-se mas preferiu continuar a caminhar enquanto come flores do tojo e pensa no que vai ser o jantar.

Outros lugares:

A Gata Christie

Quinta da Cruz da Pedra

O Blog Azul Turquesa

2 Dedos de Conversa


Vizinhos

21.3.25

Poderá não parecer mas eu sou uma pessoa que se preocupa com o que os outros pensam de mim. Anos a tentar que as crianças tivessem um comportamento adequado (seja lá o que isso for) nos cafés, restaurantes e museus para não ser julgada como mãe. A arrumar a casa quando tenho visitas, ou a evitá-las quando não me apetece arrumar. 

Por isso, os vizinhos são uma grande preocupação, primeiro porque levam com a chinfrineira que as crianças, agora adolescentes, fazem e depois por causa do vidrão. Felizmente, agora podemos distribuir as garrafas vazias por diferentes vidrões, mas quando vivia em sítios com recolha porta-a-porta, na hora de deixar lá fora o caixote verde, sempre cheio, pensava duas vezes.

Tive a sorte, no entanto, de ter tido sempre boas vizinhas, no Porto a D. Teresa que fazia uns croissants maravilhosos, em Lisboa a Ana, que me levava a comer pregos no pão depois do cinema, e na Póvoa a Lara que nos dava pêssegos do pessegueiro dela. 

Mais boa vizinhança:

A Gata Christie

A Curva

Quinta da Cruz de Pedra

Gralha Dixit

O Blog Azul Turquesa

Boas Intenções

2 Dedos de Conversa



Até o diabo se ria

14.3.25

Comecei este blog em 2010 (achava que tinha sido há mais tempo, talvez por ter tido outro antes deste). Dei-lhe o nome de Panados e Arroz de Tomate, porque a minha vida, na altura, estava limitada à ''vida de casa'', à domesticidade, portanto, e este clássico da cozinha portuguesa sempre foi uma das minhas comidas de conforto de fácil confecção. Quando fui mãe, foi claro para mim que eu não conseguiria conciliar carreira com maternidade, não com a profissional que aspirava ser e a mãe que achava que tinha de ser e tendo a possiblidade de escolher, escolhi. 

Muita gente acompanhou as peripécias das minhas escolhas, umas pessoas de forma empática, outras a espalhar veneno. Mas blogger que é blogger (ainda existe este termo?) tem de ter haters, como é óbvio. 

Com este convite para fazer parte do Largo (vocês ainda não sabem, mas o nosso grupo já tem nome, só não tem sítio, ainda, porque o do Pica Pau Amarelo está tomado) pus-me a pensar no sentido de continuar a escrever num blog que tem o nome e o cabeçalho do babyblog que foi em tempos. 

Estas resmas de posts já deviam ter sido transformadas em episódios para uma série streaming. Com cinco temporadas. Tenho de pensar melhor no episódio piloto, mas as temporadas seriam divididas da seguinte forma:

Temporada 1 -  Lisboa, Campo de Ourique 

Aqui acompanhamos o dia-a-dia da mãe grávida com uma filha de 9 anos e um bebé de um ano. Um dos episódios seria baseado neste post, claro. Seria explorada a obsessão por Virgínia Woolf e o constante questionamento do seu papel. Teria de haver um episódio sobre o curso de escrita criativa. E o início da mudança para a nova casa.

Temporada 2- Lisboa, Lapa e regresso a Campo de Ourique

Esta temporada começa na nova casa. Há bastantes cenas familiares descritas (para as diferentes temporadas), que podem ser usadas. Além de continuar a alimentar o blog, onde escreve muitos mais palavrões do que deveria (digo eu, agora), costura e tricota. O filho do meio vai para a creche e a mais velha está no conservatório de música. É nesta temporada que recebe a visita de avó. O regresso a Campo de Ourique é importante, porque as viagens para a creche passam a ser feitas de eléctrico e fica muito bem na fotografia. Arranja um emprego durante uns meses, e o salário mal dá para pagar a Babysitter que vai buscar os miúdos à creche. Antes disso, temos a menção honrosa do blog. É capaz de ser importante mencionar, apesar de já não saber qual era o prémio.

Temporada 3 - Lisboa, Anjos

Começa com a mudança para a Rua Maria, mas pelo meio passaram umas semanas no Porto. Os filhos mais novos estão no infantário e ela passeia pela Graça, conversa com pessoas no Largo do Intendente e escreve reportagens para publicações online. É um período de alguma incerteza em relação ao futuro e ela e o marido tentam abrir um negócio. O episódio em que foram à televisão tem de aparecer.

Temporada 4 - Timor Leste

Não sei qual a possibilidade de fazer filmagens em Timor, mas é impossível filmar a vida desta família do outro lado do mundo em estúdio. É preciso que se filme, pelo menos, uma das muitas viagens que fizeram pela ilha, um almoço no Hotel Timor e algumas cenas na Escola Portuguesa Ruy Cinatti. 

Temporada 5 - Póvoa de Varzim

De regresso a Portugal, decidem ficar na Póvoa de Varzim e abrir uma garrafeira, em 2019. É aqui que acontece o maior drama na vida desta mãe, o afastamento da filha. Há uma pandemia pelo meio e o trabalho na garrafeira, mas é a temporada mais difícil de escrever, talvez por estar demasiado próxima. A avó morre.

Em todas as temporadas tem de haver um episódio que inclua a árvore de Natal desse ano. E uma das personagens a ler uma carta

O nome da série?  "Até o diabo se ria". O genérico seria muito bom!

As outras risadas do diabo:

A Curva

Boas Intenções

Quinta da Cruz de Pedra

A Gata Christie

Gralha Dixit

O Blog Azul Turquesa

2 Dedos de Conversa


Coração lavado

7.3.25

Tal como dizia num comentário, eu costumo pensar sobre o que me apetece escrever e depois vejo como encaixar o tema. Obviamente, desta vez vi-me sem saber muito bem o que dizer. Já tinha decidido escrever sobre a senhora idosa que vive na rua mais íngreme do morro, onde várias pessoas escorregam por dia, sobretudo com o piso molhado, enquanto ela caminha naturalmente, em chinelos de quarto, com as dificuldades normais da idade e a dar os bons dias a quem lhe é familiar. Um dia destes, a caminho do emprego, disse-lhe que com este frio está-se bem é na cama e ela, pois mas a gente tem de fazer as tarefas. 

Entretanto, hoje, a descer a Rua das Flores uma senhora sentada numa cadeira de rodas pediu-me para lhe pôr um cobertor pelas costas e depois de agradecer desejou-me bom dia de trabalho. Não faço ideia como sabia que eu ia trabalhar numa rua cheia de turistas. 

Duas idosas que se cruzam comigo, ou com quem eu me cruzo a caminho do trabalho tem de dar um post, pensei eu. Só que olhei para o telemóvel e verifiquei que ele assumiu que eu estava em Sampyeog-dong, que fica na Coreia do Sul. É verdade que todos os dias falo com sul coreanos, mas o telemóvel não ia situar-me num bairro da província de Gyeonggi, por causa disso, pois não?

Também me ocorreu que devia escrever sobre esta nova realidade que é ver grande parte das pessoas que me rodeiam, sobretudo da minha geração, a sofrer de alguma doença mental. Ele é depressões, distúrbios de personalidade, stress pós traumático, sei lá que mais. O Coração, lavado ou por lavar, está a perder importância. Esta tudo na mente, agora. E nos intestinos.

Depois fui interrompida pelo meu filho que estava a ouvir Valter Lobo e começamos os dois a cantar, no metro, "Só de te abraçar sinto que a música altera-me em tudo mais/A música altera o meu corpo, altera o mundo, altera-se/ Ai meu amor".

Entretanto, escrevi sobre carimbos, porque me tinha enganado no tema e achava que este estava pronto até me cruzar com um post da Cláudia Lucas Chéu que diz, a certa altura: "Nada me comove mais do que um coração lavado". Fiquei de boca aberta, até porque nem sigo a escritora nem nada, mas agora sinto-me na obrigação de ler um livro dela, ou ver a peça que está a dirigir.

Os outros corações lavados:

 Boas Intenções

A Curva

A Gata Christie

Gralha Dixit

2 Dedos de Conversa

O Blog Azul Turquesa

Carimbo

28.2.25

Carimbo é uma daquelas palavras que se torna mais agradável no plural do que no singular. Carimbos remete-nos para brincadeiras, trabalhos manuais, objectos bonitos. Há toda uma estética à volta dos carimbos. Carimbo é uma coisa burocrática, é sempre preciso um carimbo em documentos supostamente importantes. No singular somos remetidos para a parte aborrecida da vida. Em qualquer dos casos trata-se de deixar uma marca, que é o que significa kirimbu, a origem de carimbo (estou muito curiosa para saber se alguém vai abordar a escravatura, apostaria na Maria João).

Eu nasci com uma marca, um sinal no lado esquerdo da testa. Tal como a fantástica Phoebe Waller-Bridge e a maravilhosa Greta Gerwig, de quem já tinha falado aqui. Portanto, não será descabido assumir que quem nasceu carimbado tem fortes probabilidades de ter sucesso na sétima arte (continuo infantil q.b, como se pode ver).

Tenho ido muito pouco ao cinema, infelizmente, mas decidi ir ver o filme da Bridget Jones (é o meu Guilty Pleasure, não me consumam). É claro que gostei e fartei-me de chorar. Vai-se lá perceber!

Também ia chorando quando percebi que tinha trocado o tema desta semana, mas decidi praguejar e acabei por ver vantagens em ter o próximo tema arrumado.

Para ver os restantes carimbos é só seguir os links, onde poderão confirmar que apostei mal:

A Gata Christie 

Gralha Dixit

A curva

Boa Intenções

O Blog Azul Turquesa

Teias de aranha

20.2.25





Tinha acabado de decidir recomeçar a escrever no blog quando fui convidada para me juntar ao grupo que todas as semanas escreve sobre um mesmo tema. Pareceu-me uma sincronicidade daquelas e aqui estou. Gostava de escrever mais, sem pensar em temas, mas escrever é escrever, não vamos complicar. Além disso, todos os assuntos cabem numa vida, ou a vida cabe em todos os assuntos.

Incluindo as teias de aranha, ou sobretudo as teias de aranha. A imagem que me surgiu, não sei se é só a mim que acontece ver o que estou a pensar, foi a de uma teia de aranha linda, que fotografei num dos passeios pelo Minho, e que desapareceu do meu instagram, mas depois fui alertada para a que tinha aparecido no tecto, por cima da lareira (outra sincronicidade?), aquela ali em cima.

Não sei como aconteceu. Não sei se foi crescendo, ou se apareceu de um dia para o outro, sei é que aquele emaranhado de fios enegrecidos pelo fumo da lareira (suponho) deixou-me de boca aberta. Durante uns dias, sim deixámos ficar ali a teia, assistíamos às andanças da aranha e à não vida dos mosquitos que ficavam presos, completamente fascinados. Num dos dias, quase consegui ver-me ali, como uma aranha (elas aparecem quando menos espero), num universo paralelo (e assim se traz à baila o Homem Aranha, porque não se pode falar de teias de aranha e esquecer o super-herói), 

Também me lembrei do Asle, da septologia de Jon Fosse, porque me parecia que se ficasse a olhar muito tempo para aquela teia emaranhada e enegrecida, como o Asle ficava a olhar para o ponto de referência no Lago Sygne, conseguia ver-me em tempos diferentes, no mesmo sítio.

Talvez as teias de aranha escondam uma mensagem secreta, um caminho para o que há de mais sagrado. Talvez estes antrópodes andem a aprimorar as teias há milhares de anos e nós continuemos sem saber o que querem dizer. Sempre à procura de respostas quando estão à nossa frente.

A Rita,  Maria João e a Carla já publicaram as teias de aranha lá de casa. A Mariana e a Joana, também.