Tal como seremos no último dia

6.4.23


Às três e tal da manhã, do dia 23 de Fevereiro (sim, apontei a data), durante uma insónia que teimava em não deixar-me em paz, decidi que ia escrever um post sobre isto de fazer 50 anos. Afinal, é meio século de vida! E é muito estranho! Parece que não está a acontecer comigo, apesar de tudo indicar que sim: as insónias, as dores nas articulações, os cabelos brancos, a duração das ressacas. Ao mesmo tempo sinto muito intensamente que sim, está a acontecer comigo. 

É como se o tempo ganhasse outra dimensão, tal como explica a narradora do livro de Mercè Rodereda: ''E senti muito intensamente a passagem do tempo. Não o tempo das nuvens, do sol, da chuva e da passagem das estrelas, enfeite da noite, não o tempo das primaveras dentro do tempo das primaveras, não o tempo dos outonos dentro do tempo dos outonos, não o que deposita as folhas nos ramos ou o que as arranca, não o que frisa e desfrisa e dá cor às flores, mas sim o tempo dentro de mim, o tempo que não se vê e nos amassa. O que gira e gira dentro do coração e faz girar com ele e nos vai mudando por dentro e por fora e com paciência vai-nos fazendo tal como seremos no último dia.'' 

Estava, então, a debater-me com a insónia, a dizer a mim própria que é óbvio que não sou velha, mas definitivamente também não sou nova, apesar de ainda ter filhos para criar, e lembrei-me daquela outra insónia. Fiquei uma eternidade a pensar no que me aconteceu aos 49 anos (que na realidade é o quinquagésimo ano de vida) sem me ocorrer nada de relevante, até me arregalar com a realidade escarrapachada ali à minha frente, nas frinchas do estore projectadas no tecto da minha infância. Sim, aos 49 anos voltei para onde tudo começou. ''Sete vezes sete quarenta e nove e voltas ao princípio a ver se aprendes o que deixaste por aprender'', ouvi-me pensar.

O que aconteceu ao 48 anos e que levou a esta reviravolta, um ano depois, foi precisarmos de vender o apartamento do Porto e decidirmos comprar uma casa na Poça da Barca. Depois, como as obras necessárias nunca mais avançavam - uma das muitas consequências da guerra da Ucrânia -, demos por nós a fazer mais uma mudança, desta vez para a minha aldeia da infância. 

E aqui estou, aos 50 anos, na casa onde fui concebida (no dia 11 de Julho, como me lembra sempre a minha mãe) a pensar se haverá um propósito qualquer na série de eventos que me trouxeram até aqui, ou se a vida é só muito engraçada.

Assumindo que isto não são só casualidades da vida, é até provável que tenha vindo parar a Láundos para ver alguma coisa que me tenha escapado, mas, sinceramente, seja o que for que me empurrou tem-me em demasiada conta, está visto que eu sou péssima a ver o que está escarrapachado à minha frente.


P.S Mas a festa foi linda!