Hora do Chá

12.2.19


Foto Chá Camélia
Está a ver aqueles saquinhos que se compram no supermercado e se juntam a água quente para fazer uma bebida a que chamamos chá? Esqueça, depois de aprender mais sobre chá a sério, e prová-lo, na única plantação da Europa continental não vai querer beber outra coisa. 

Acontecem duas coisas a seguir a um workshop na Chá Camélia, a única quinta a produzir chá na Europa continental. A mais óbvia é passarmos a ver o chá de uma forma completamente diferente. Deixa de ser aquela água aquecida com um sabor mais ou menos indecifrável, para passar a ser uma bebida que impõe um certo respeito e, em alguns casos, que nos dá a conhecer um quinto sabor (além do doce, salgado, amargo e ácido), o umami – o químico japonês Kikunae Ikeda (1908) combinou o termo umai, que significa delicioso, com o mi, que quer dizer gosto. Trata-se de um paladar que pode ser encontrado em alimentos como o queijo, o peixe e o molho de soja.
Depois, acontece querer comprar uma chaleira com infusor, porque as folhas que cresceram à sombra e foram arrancadas, numa fase ainda imberbe, na Primavera, e depois vaporizadas, merecem cumprir a sua função com dignidade. Um infusor para se estenderem e libertarem todos os aromas é mínimo que podemos oferecer-lhes, ou oferecer-nos.
É fácil perceber esta espécie de corte – não é à toa que os japoneses têm a cerimónia do chá -, entre a oferta da Natureza e a nossa disponibilidade para a aceitar e saborear, na quinta Chá Camélia. Não só pela forma como Nina Gruntkowski descreve e se dirige às suas camellias sinensis (a planta do chá), mas também pela forma como fala do chá japonês e das pessoas que o produzem. 

Matcha, o rei dos chás 
Foto Chá Camélia
Desta vez, o pretexto para a visitar a quinta era o workshop sobre o Matcha, um chá raro e de altíssima qualidade e que, por isso mesmo, é servido na cerimónia do chá, no Japão. É produzido a partir das folhas mais jovens, cultivadas à sombra e depois moídas, sem as nervuras e os veios, até atingirem uma textura muito fina. Ou seja, é um chá que se dissolve na água. O sabor é intenso e diferente de tudo o que já bebemos como sendo chá, mas essa diferença começa logo na preparação. 
Obviamente pode juntar-se a quantidade de chá desejada numa taça, ou numa garrafa, e dissolver sem grandes pruridos, os efeitos deste superalimento (um matcha equivale a 10 chávenas de chá verde) fazem-se sentir da mesma forma, mas fazer da preparação deste chá um Ichi – go Ichi – o é uma experiência que vale a pena. Esta expressão japonesa é muito popular no mundo do chá e pode ser traduzida por: Um instante, um encontro. No fundo, a tomada de consciência de que aquele momento em que partilhamos o chá com alguém é único e irrepetível. 
Na Chá Camélia fez-se uma espécie de cerimónia. Usaram-se os utensílios próprios: a chawan, uma taça em porcelana, mas sem grandes luxos; a chasaku, colher de madeira, e o chasen, batedor de bambu e todo o grupo preparou o seu chá em silêncio. Mesmo estando num contexto de aprendizagem e informal não deixa de ser curioso como, de facto, se passa a sentir um certo ar cerimonial em redor. Aquele pó verde, preparado pela família Marimoto, no Japão, é definitivamente especial. 

Chá Camélia
A quinta Chá Camélia nasceu de um sonho de Nina Gruntkowski e Dirk Nierpoort, depois de Nina ter descoberto que a planta de chá era da mesma família das camélias que crescem um pouco por todo o Norte do país. Durante dois anos teve uns pés de camellia sinensis a crescer no jardim de casa, no Porto, e depois de confirmar que era mesmo possível cultivar chá avançou para a plantação numa quinta que pertencia à família de Dirk e que estava abandonada, em Fornelos, Vila do Conde. 
Passados cinco anos as plantas estão finalmente prontas para a primeira colheita de chá em grande escala e, a avaliar pela colheita experimental do ano passado, tudo leva a crer que o primeiro chá verde a nascer na Europa continental (em Portugal temos o chá dos Açores) será um sucesso.
Enquanto esperamos, podemos degustar os chás de produtores do Japão, parceiros neste projecto de Nina e Dirk, à venda na loja online e em lojas espalhadas por todo o país. 




(Este artigo faz parte da série de Brautigans. Depois de ler sobre a Biblioteca Brautigan, no ‘’Bartleby & Companhia’’ de Vila-Matas, decidi ter um sítio para os meus artigos abortados, isto é, os textos jornalísticos que não chegam a sê-lo, porque não são publicados.)

4 comentários:

  1. Matcha, finalmente alguém fala do cheiro a peixe/algas...!!!
    Yayyayyay!!!
    (quando o digo, todos acham que ensandeci :D

    ________
    (maravilhoso, com os ritais incl.)

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  2. rituais, claro, a delicadeza e os acessóros incluídos.
    a tranquilidade...

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