O mesmo dia

29.1.21

Os dias sucedem iguais. Nenhum é igual ao outro, mas todos parecem o mesmo. Estou farta disto, como a maior parte das pessoas, e sei que tenho de procurar ondas de confortabilidade para não ceder ao desalento. Encontro-as na chuva miudinha na cara, em falas de filmes - ''sabes que dizem que todos nós temos um sósia algures'' -, em artigos nos jornais - ''corpos que já foram desejados, já se reproduziram, são a humanidade que ali está'' -, nas aulas de yoga e nas bolachas que o Jaime me compra, as mesmas de 2008. Também comíamos tâmaras, agora é raro. 

Temos de comprar ketchup

25.1.21

Antes do almoço estivemos a definir as tarefas de cada um para os próximos dias e quando me apercebi que ainda não passou uma semana, foi só um fim-de-semana mais um dia, ia tendo um ataque.

Mas, bom, é preciso fazer alguma coisa, sobretudo depois destes resultados eleitorias. Por isso, comecei a conversa da divisão das tarefas com um discurso inspirador, do tipo, eu achava que nós podemos ser felizes a fazer o que gostamos, a viver de acordo com os nossos ideais sem nos preocuparmos com o que os outros fazem, ou pensam, mas enganei-me. Temos de trabalhar, de nos esforçar para sermos, pelo menos, parecidos com os outros para os impedir de chegar a estes extremos. Ou seja, não vamos conseguir mudar o mundo ficando fora dele. O Jaime riu-se, mesmo que negue, e as crianças disseram que não perceberam nada. Quer dizer, o mais velho ainda perguntou se eu pensava mudar o mundo a vender vinho, o que mostra que, além de se achar um engraçadinho, estava a perceber o que eu queria dizer.  

A divisão de tarefas correu bem, não obstante, e só houve discussão quanto à escolha das refeições, mas depois de perceberem que a comida encomendada só pode vir de restaurantes que tentam sobreviver no meio desta pandemia, um escolheu sushi e o outro hambúrgueres feitos em casa - ''Mas têm de comprar ketchup'', disse.   

Figuras tristes

22.1.21

De vez em quando, nas minhas caminhadas, tento praticar marcha atlética, não faço ideia porque razão. Como hoje não estava quase ninguém no circuito habitual, por causa da chuva (sim, tenho um bocado de medo de fazer figuras tristes), lá caminhei a bambolear, sem conseguir perceber muito bem se estava a cumprir as regras. Certo é que fiquei mais de rastos do que se estivesse a correr, o que me faz acreditar que devo ter feito alguma coisa bem, ou mais ou menos, vá. 

As crianças estão muito satisfeitas com as férias inesperadas e já montaram a tenda no quarto, mas, até ver, os ecrãs levam vantagem. Suspeito que vamos ter um problema na internet nos próximos dias. Ah, não pode ser, porque assim também não podemos trabalhar. Bem, alguma coisa se há-de arranjar. 

Dancem pessoas

21.1.21

Ora bem, hoje é dia de mais um comunicado do Primeiro-ministro e, desta vez, vamos ter de ouvir que as escolas vão fechar. Eu não sei se deviam ou não fechar, ou se já deviam ter fechado há mais tempo, não tenho dados suficientes para sustentar uma opinião, sei que o ensino à distância não funcionou no primeiro confinamento e que não foram criadas condições para funcionar agora, portanto só espero que se encontre a melhor solução possível para todos. Se for preciso repetir o ano escolar, quando tudo estiver bem (arco-íris, arco-íris, arco-íris), pois que seja. Não é o fim do mundo. 

Pronto, o comunicado está feito. As medidas apresentadas parecem-me bastante sensatas, apesar de não saber como vai ser ter dois sauvages de férias, sem poderem sair de casa.

Ontem, no segundo episódio do documentário que estou a ver, falava-se sobre o papel da música e da linguagem no desenvolvimento do cérebro. Apesar de não haver forma de se saber, os especialistas concordam que a música poderá ter surgido antes da linguagem, porque activa zonas mais antigas do nosso cérebro. Também está demonstrado que quando um grupo de pessoas ouve e mexe-se ao ritmo da mesma música existe uma maior conexão entre elas. Por isso, dancem pessoas. Ponham a música nas alturas e dancem uns com os outros. 

Boa sorte

20.1.21
Já estou na fase em que não sei muito bem em que dia da semana estamos. Os miúdos sabem, por causa da escola. Acho que não tinha noção do quanto a escola rege a nossa vida, mesmo que o início do ano, para mim, tenha sido sempre mais Setembro, do que Janeiro. Bom, talvez 2020 tenha mudado isso para sempre, ou não. É impossível saber, agora, as consequências desta pandemia, sabemos que vai ficar para História, como a primeira pandemia (esperemos que única, mas é improvável) do século XXI e que a estamos a viver. Seria muito bom que cuidássemos uns dos outros. 
Boa sorte para nós todos! 

Brócolos

19.1.21

Então, o Primeiro-ministro apresentou-nos o endurecimento das regras do confinamento e, ao contrário do que esperava, não fechou as escolas. Eu sei que esta é uma medida polémica, mas dou graças ao Governo, ou a quem de direito, por ter mantido as escolas abertas. 

Não sei se foram as dores de cabeça, com o fumo que vinha das brasas a arderem lá fora e o Nicolau a perguntar, no meio da sala com a máscara posta, se a escola ia fechar, mas por um momento fiquei sem saber onde estava, em que tempo.

A esse desfasamento ajuda termos decidido fazer um churrasco para um jantar de uma segunda-feira. A entremeada estava mesmo muito boa e para ficar de consciência tranquila o acompanhamento, além de batatas cozidas, foi brócolos. Como se sabe, só a palavra ''brócolos'' (ou "bróculos") liberta nutrientes, mas eu sou a única a comê-los. 

Agora, tenho de pensar no almoço. 

Dói-me a cabeça

18.1.21
Neste confinamento decidimos cuidar de nós, descansar, alimentarmo-nos bem e beber o menos possível. Foi fácil cumprir nos primeiros três dias (eu estou em casa desde quinta-feira), mas ontem foi o descalabro. Abrimos um branco de curtimenta para acompanhar o arroz de robalo e depois foi como na maior parte dos domingos, fomos abrindo uma garrafa atrás da outra até o vinho acabar. Não vou dizer quantas garrafas bebemos, ok? 
Portanto, hoje estou com uma dor de cabeça daquelas e ainda vou ter de ouvir o nosso Primeiro-ministro, dentro de alguns minutos. 

O covid aniquilou os piolhos

17.1.21

Ontem, estava a limpar a escova, depois de pentear o cabelo, e lembrei-me que nesta casa não há piolhos há imenso tempo. Também não tenho ouvido queixas sobre essa praga. Será que o covid deu cabo dos piolhos? O distaciamento social pode não estar a combater o vírus, mas, pelos vistos, está a ajudar a combater os piolhos. 

Voltei a jogar ping pong na mesa de jantar, desta vez com entusiasmo por ter conseguido que pelo menos um deles desviasse os olhos do ecrã.

Ao serão, vimos um episódio de uma série sugerida por uma amiga e, além de ter apreciado as cenas filmadas de uma forma muito realista, constatei que os nórdicos não parecem assim tão diferente de nós, os pobres do sul da Europa.

Rascunho em branco

15.1.21

Tinha um rascunho guardado desde o dia 17 de Dezembro. Lembro-me que atirei para aqui umas ideias soltas a propósito de qualquer coisa, mas quando abri a página vi que estava em branco. Páginas em branco, tudo bem, é normal, mas rascunhos em branco? É capaz de ser como uma folha tão, mas tão rasurada de palavras que parece vazia.  

Começa hoje mais um confinamento e pensei que devia voltar ao diário, mas desta vez vou fazer de conta que ninguém vai ler.

Querido diário, 

A minha avó morreu no dia 22 de Dezembro. Pensei que quando isso acontecesse iria desatar numa verborreia, mas apeteceu-me continuar calada. A minha avó morreu, é tudo. E o tudo é a minha mãe passar a noite agarrada ao corpo morto da minha avó, até a funerária chegar na manhã seguinte, é eu continuar a ver-lhe os olhos suplicantes, quando já não falava e mal comia, e querer lembra-me dela cheia de força e de vida e só conseguir pensar que no fim morremos tão desamparados como quando nascemos. O tudo é uma vida que durou 93 anos e acabou. Acabou em casa, de mão dada com as duas filhas e não se pode desejar melhor morte, digo eu que nunca morri. 

Aconteceram outras coisas desde que não escrevo aqui, mas parece tudo envolto numa névoa. Por exemplo, pela primeira vez desde que me lembro fizemos a árvore de Natal em Novembro, como se fosse preciso antecipar tudo a ver se o ano terminava mais rápido. As festas foram também em modo forward e o Nicolau desistiu do Oboé. Num dia estava a adorar, no dia seguinte não queria voltar à escola de música por causa de um pesadelo. 

Entretanto, hoje é o primeiro dia do segundo confinamento. Os número de infectados e de mortos por causa do corona vírus são os mais elevados de sempre, mas as pessoas não estão tão assustadas como quando tudo isto começou. Já estamos habituados a viver com o vírus, que era aliás aquilo que se pretendia. As crianças podem ir à escola e as pessoas têm de trabalhar a partir de casa, mas eu devo viver numa zona do país onde o sector terciário é menos representativo. Vai ser interessante analisar alguns gráficos da pandemia daqui a uns tempos. 

Neste primeiro dia não esteve tanto frio como tem estado, mas acendi a lareira na mesma. O Nicolau não foi à escola e passámos muito tempo no sofá, ele a ver coisas no youtube e eu o documentário Deus Cérebro na TV. Também estive a ver lábios vermelhos no telemóvel, claro, e outros casos do dia. 

É impossível fazer de conta que ninguém vai ler o que estamos a escrever publicamente.