Até já, Dili

29.8.14

Despedi-me de Dili com algumas lágrimas nos olhos. É ridículo, eu sei, mas é verdade. A caminho do aeroporto olhei para o Cristo o Rei, em cima da boca do crocodilo, e lembrei-me que não cheguei a subir até lá. Também nunca subi em Lisboa. E quando for ao Rio de Janeiro também não subo, pronto, ficou decidido naquele momento.
Quero voltar a Dili, não faço a mínima ideia porquê. Pode ser para ir a Ataúro, ou ao monte Ramelau, não interessa. Ou então, para conduzir em Maubara, outra vez. Quero voltar a Dili, porque sim.

Chegar a Bali, depois de estar um mês em Timor, deve ser muito semelhante à chegada de um  Amish a Nova York.
O clima dos dois países é igual e os paraísos naturais semelhantes, mas aqui há supermercados que vendem iogurtes (e tantas outras coisas que não existem em Timor) e lojas e mais lojas e mais lojas de tudo. Além disso, nota-se que estamos na Indonésia, pelos pequenos templos a cada esquina e pelo exotismo das decorações.
Mas Dili é muito melhor (apesar do lixo, dos regatos pestilentos, do caos, da espera dos contentores que trazem o leite, etc.), mas estou a ser injusta, ainda não conheço Bali. Mas Dili...

Bom, Dili nunca me recebeu com flores, é um facto - quem me dera que pudessem cheirar as flores das frangipani! Não há nada no mundo (que eu conheço) que cheire tão bem. E nesta escala não entra o cheiro dos bebés, porque é um cheiro à parte de todos os cheiros.
Mas também há frangipanis em Dili e buganvílias, tantas e tão bonitas. Não sei se já referi que Dili é muito melhor, apesar de não conhecer, ainda, quase nada de Bali.

As grandes questões que se levantam em Timor

25.8.14
Estas montanhas à volta de Dili estão carregadas de uma mística qualquer. É palpável e nem os mais novos passam incólumes à sua presença.
O Isaac anda obcecado com a morte, agarra-se ao irmão em prantos, que não quer que ele morra, que vai ter muitas saudades, que se morrermos todos ele fica sozinho e que não quer nada disso, mas também não quer morrer. Uma aflição que só visto!
O Nicolau, esse, chegou à conclusão que quer trocar a pila por um pipi.

Os mortos não têm inimigos

25.8.14


O Filipe esteve em Timor-Leste em 2005, quando fez a Volta ao Mundo, e explica muito bem o que significa visitar o cemitério de Santa Cruz.
Desde então, as coisas mudaram e são cada vez menos os que se lembram do massacre, aliás, não há qualquer referência no cemitério ao acontecido.
No entanto, apercebo-me que por coincidência dá-se o caso de, tal como há nove anos, o presidente indonésio estar em Timor neste momento e de se verificarem os tais retoques de embelezamento em alguns locais.
Era o que estava a acontecer no cemitério muçulmano, que fica ao lado do católico. Obviamente, não pudemos deixar de o visitar também e ficar fascinados com as diferenças. Dois cemitérios distintos, de credos diferentes. Ali, lado a lado. Os mortos não têm inimigos.
Mas Santa Cruz não foi o primeiro cemitério que visitei em Timor e de todos eles trouxe a sensação de que as crianças ocupam um lugar muito importante nesta sociedade. Eu não tenho números sobre a média de filhos por família, ou da mortalidade infantil, mas estou em crer que ambos são bastante altos. Isso explicará a razão de tantas campas com recém-nascidos, mas este culto por um filho que não chegou a viver é pouco comum nos países pobres.

Em vez de saias e vestidos

21.8.14


Comprei dois livros na livraria-papelaria "Companhia", umas das duas lojalivru-lojasasan escola que existem em Timor: O "Requiem para um navegador solitário", de Luís Cardoso e "A nona do Pinto Brás", de Luís Filipe F. R. Thomaz.
Antes das compras na livraria, já tinha comprado uns tecidos no mercado dos tais que algumas mulheres, sobretudo as mais velhas, usam como saias.
Depois soube pelo livro de Luís Filipe F. R. Thomaz que esses panos atados à cinta se chamam cambatic: "Do malaio kain batik, «pano decorado pelo processo do batik, reserva feita com cera aplicada no tecido a tingir»; designa os panos de ramagens importados de Java ou de Singapura (hoje, as mais das vezes estampados mecanicamente) que as mulheres timores de um certo nível usam enrolado à cinta, em vez do tradicional sabalu, ou tais feto timorense, espécie de saco sem fundo onde a mulher se enfia até aos seios, feito artesanalmente em teares de cana e decorado pelo processo dito ikat ou reserva no fio, que subsiste sobretudo no Leste (zonas de Baucau, Lospalos, etc.)."
Tive de confirmar com a Pascoela, uma bela timorense que trabalha nesta casa, se de facto elas usam aquilo apenas enrolado na cinta, como nós usamos as toalhas de banho, e ela disse que sim, que era assim mesmo e riu-se imenso quando lhe perguntei se não caía pelas pernas abaixo. "A minha mãe sempre usa e não cai".
Parece-me perfeito, com três, ou quatro panos e três blusas pode-se viver um ano inteiro neste país sem precisar de mais peças de roupa (bem, sem contar com a interior, mas mesmo essa...) e andar bem vestida.
É impressão minha ou o mundo global tende a imitar as piores coisas e nunca, ou raramente, as melhores?

P.S Eu ia jurar que estava mais magra desde que estou em Timor, mas provavelmente deixei foi de olhar para o espelho.

O mar, sempre o mar

19.8.14






Eu devia ter escrito o post ontem*, depois de regressarmos de Liquiça, cheios de ideias mirabolantes, como a de recuperar o Hotel Tokodede e irmos viver para lá, durante uns tempos, claro.
Hoje, já tive um daqueles dias enjoativos na praia, a olhar para o mar, a mergulhar no mar, a resmungar os “calem-se lá com isso, meninos, portem-se bem” e “parem de gritar, por favor”, a apanhar estrelas do mar, a olhar para o mar, a mergulhar no mar...
Ontem e antes de ontem e no dia anterior também houve mar, tanto mar que cheguei a enjoar como se estivesse a andar de barco. Dormimos numa tenda com as ondas quase a bater nos pés e quando acordei a meio da noite com o barulho do mar e me levantei para ver se estávamos prestes a ser levados por uma onda, estava completamente zonza, mas podia ser da sangria, ou do champanhe, ou talvez fosse do vinho.
O mar estava até bastante calmo.
Mas em Liquiça o mar tem ondas, e areia preta. Em Liquiça é tudo muito bonito e em Maubara também. Apeteceu-me ficar a viver em Liquiça, durante uns tempos, claro.
Antecipo o choque que será regressar a Lisboa. “Vamos mesmo regressar?” Atrevo-me a correr certos riscos. “Deixa-me experimentar conduzir este carro”. Olho de lado para o computador. “Amanhã escrevo”.
Há anos que não estava tão bronzeada.

*no domingo (por causa das falhas de internet não consegui publicar o post na segunda-feira)

Alguns apontamentos a meio da segunda semana

13.8.14
Sou a única pessoa nesta família a ser indecentemente atacada pelas melgas, com ou sem repelente. E sou a única com caganeira;
Um teki caiu morto, à entrada de casa, e foi devorado pelas formigas em pouco mais de uma hora;
As praias paradisíacas também enfartam;
Apesar das criadas a cozinhar, limpar e lavar a roupa, os meus filhos dão-me cabo do sistema nervoso na mesma.

Do azar e da sorte

11.8.14










Depois de um fim-de-semana e peras (nunca tinha escrito esta expressão) cheguei à conclusão que não dou para ser dondoca. Bem, falta-me experimentar a coisa com ama e motorista, mas mesmo assim não creio.
Lá fomos nós, então, rumo a Baucau, todos contentes, e mais uma vez não tínhamos onde dormir, porque chegaram uns hóspedes antes de nós. Sim, tínhamos reserva, mas chegámos depois deles, azar! Ou sorte, depende da perspectiva.
É que por causa desse pequeno percalço tivemos um grande, enorme, fantástico fim-de-semana e apesar de saber que acreditam em mim, porque eu não sou gaja de adjectivos, portanto se os estou a usar é porque a situação o exige, vou contar tudo na mesma.
Então, depois de saber que não tínhamos onde dormir em Baucau, continuámos a conduzir por ali fora, ou melhor, o Jaime continuou, eu ia sentadinha ao lado, de boca aberta com a paisagem. Parámos em Com, Los Palos e a partir daí foi uma animação.
O resort não tinha nenhum luxo (incluindo papel higiénico), mas era confortável. Além disso, tinha tudo o resto: o mar, o vento morno, as crianças a atravessá-lo para irem para a escola, o som da ventoinha no tecto.
Depois, tivemos a primeira experiência gastronómica verdadeiramente timorense (o restaurante do hotel estava fechado, por isso comemos na casa da Katy), uma delícia a sopa de peixe!
No dia seguinte decidimos ir a Jaco, a ilha deserta, e juro pela minha saúde que pensei que íamos morrer ali, o que vale é que estávamos a caminho do paraíso.
O carro aguentou-se à bronca nos oito quilómetros de estrada de cabras que nos conduz a Valu e lá dentro todos pinchávamos como loucos, para felicidade do Isaac e sofrimento do Nicolau, que chorou a maior parte da viagem.
Lá em baixo estava de facto o paraíso, de tal forma que nem nos apeteceu atravessar o pequeno canal para o outro lado, ou seja, Jaco.
Duas cervejas depois voltámos ao caminho de pedras para iniciar a subida e no fim só me apeteceu dar beijinhos ao carro e ao Jaime. É claro que meia hora depois já estava aos pontapés nas folhetas do jipe, porque o gajo decidiu avariar. Azar! Ou sorte, depende da perspectiva.
Durante o tempo em que estivemos num pára arranca, até parar definitivamente, tivemos a oportunidade de conviver de perto com o maravilhoso povo timorense.
Agora é mais uma semana de praia e passeios na cidade (boring!)  até ao próximo fim de semana em Liquiça, ou sabe-se lá onde.

O nosso dia-a-dia

7.8.14



Estamos há uma semana em Timor e ainda não subi ao Cristo Rei nem fui ao cemitério de Santa Cruz, porque a minha vida tem sido uma canseira: as manhãs são passadas na praia da areia branca, que durante a semana está praticamente deserta, e as tardes a passear a pé no centro de Dili. Pelo menos já fui ao mercado dos tais, mas tenho de lá voltar (com o Jaime, para me impedir de trazer tudo o que lá está), porque esqueci-me de levar a máquina fotográfica.
Os miúdos sentem-se em casa, passam o dia descalços, seminus e dentro de água, quando não estão no mar, estão na piscina. Acho que tanta liberdade e tanta natureza transtornou o Nicolau, ao ponto de ele ter começado a odiar sanitas e preferir fazer cocó no chão.
Os mosquitos, esses, adoram-me, por isso ando cheia de bolhas nos braços e nas pernas, como qualquer malai que se preze.
Amanhã seguimos para Baucau.

P.S Hoje a Beatriz ia tendo um chelique, e eu também, com uma formiga dentro do ouvido. Consegui sacar a gaja, felizmente.

Devagar se vai ao longe

5.8.14



Com tão poucas coisas a preocupar-me neste momento, ponho-me a pensar no que pode correr mal para este país. Os timorenses são profundamente simpáticos e parecem saber aproveitar o que a ilha deles tem de melhor. Aproveitam a praia, gostam de ficar sentados à sombra a ver quem passa e quando andam aos magotes em cima de camiões, ou de motas, olham à volta com prazer. E acenam a sorrir, claro. Acho que é por isso que não consigo evitar comprar-lhes coisas, eu que nunca compro nada. Ele é maracujás, ele é colares, ele é crocodilos em madeira, enfim, tudo o que me apresentam à frente.
Mas dizia que penso no que pode correr mal, sobretudo quando vejo o trânsito caótico na avenida principal, os resorts em construção, ou os montes de lixo espalhados pela cidade, pelas praias e pelos ribeiros.
Não será mesmo possível começar-se um país por aí? pelo saneamento básico e aterros sanitários, logo a seguir às escolas e hospitais?
Seja como for, é como diz a Miranda, uma das cozinheiras aqui de casa: "as coisas para serem bem feitas têm de ser feitas devagar" (ela misturou algum tetum pelo meio, mas o sentido era mais ou menos este).
A mim apetece-me muito ver este país crescer devagar e bem, porque é evidente que há alguma coisa de muito especial neste canto português da Ásia.

Primeiras impressões de Díli

4.8.14






Estamos em Díli há três dias e já vi mais sorrisos neste tempo do que em três meses em Lisboa. E não são só as crianças que sorriem nesta cidade (apesar de terem os sorrisos mais bonitos que alguma vez vi), quase todos os adultos sorriem como elas e acenam à nossa passagem.
Ainda assim, não se pode dizer que a capital de Timor Leste seja particularmente bonita, mesmo com todo este oceano a entrar-nos pelos olhos e que nos faz relativizar a "arquitectura". No entanto, não se pense que há prédios por aqui, nada disso, o que há é uma mistura de barracas fashion, que são os restaurantes e bares dos ricos - onde se come mesmo muito bem (sim, aqui somos ricos!) -, e há as barracas forradas a zinco, que são as casas de muitos timorenses.
Também há as vivendas dos embaixadores e empresários, como a casa em que estamos instalados, mas pelo menos há a garantia, por enquanto, de que nada disto pertence a estrangeiros. Não é permitido a nenhum não timorense comprar terrenos ou habitações nesta ilha. Espero que isso nunca mude.
Dá-se ainda o caso (completamente surreal para mim) de ter criadas para cozinhar, lavar a roupa e limpar. Criadas que me chamam "senhora" e me apresentam sorrisos como nunca vi. A sério, estou para a minha vida! Mas quero acreditar, do fundo do meu ser, que não é por isso que me sinto tão em paz com o mundo e que deixaram de me doer as partes do corpo que me doíam até aqui.
Além disso, acordo várias vezes com sons maravilhosos de pássaros e até as osgas daqui (os tekis) cantam.
Resumindo, está-se mesmo bem, apesar de estarmos todos com horários de sono diferentes e de eu continuar sem perceber muito bem qual o meu lugar nisto tudo.

A paragem de Bali

1.8.14


Bali, a paragem de avião como lhe chamou o Isaac, acolheu-nos muito mal.
Depois de 19 horas de voo e muita turbulência nas últimas três, que fez o Nicolau vomitar em cima de mim, naturalmente, aterrámos na Indonésia. Íamos entusiasmados, apesar de tudo, mas os procedimentos para entrar no País foram um pouco desmotivantes. Depois, bom, depois aconteceu o pior que podia acontecer: o hotel, que estava reservado e pago, recusou receber-nos, porque estava cheio.
Estávamos com ar de animais abandonados (sim, fomos informados na rua, não chegámos sequer a entrar na Villa), mas tanto o taxista, como o moço do staff pareciam divertidos a falar um com o outro.
Conseguimos chegar a um sítio que nos recebeu, uma espécie de hotel Marigold para turistas indonésios. Nada luxuoso, mas muito confortável. Bebemos uma garrafa de vinho Aga Red.
Talvez Bali valesse a pena, apesar de tudo.

Foi por volta das 4h30 am que tive a sensação que Denpassar se queria redimir. Os galos cantaram, cantaram uns atrás dos outros, como nunca tinha ouvido. Parecia que começavam numa ponta da cidade e acabavam na outra. Os galos queriam dizer qualquer coisa e como se calaram quando abri as cortinas, suponho que era para mim que cantavam.
E depois houve a tentativa de pequeno-almoço num terraço que ninguém diria poder existir naquele prédio. Parecia um espaço sagrado, com todas as mesas ocupadas por muçulmanos. Disseram-nos para tomar o pequeno-almoço no piso 1 e ficámos sem perceber se era por estar cheio, ou se por não pertencermos àquele sítio. Durante os breves segundos que demorei a atravessar o terraço com os meus filhos pela mão, com todos os olhos pousados em nós, senti-me na pela da mulher com burka que atravessou o aeroporto para ser identificada num sítio à parte.

Agora, instalados em Dili, espero pacientemente que os pequenos durmam tudo o que têm para dormir e que acertem o relógio biológico para podermos aproveitar Timor Leste, um país que me parece já tão familiar. A Bali voltamos no final do mês.