No fundo, eu sou a Paris Hilton

30.7.15
Tenho andado muito ocupada com as arrumações da casa, como se nota, e tenho dado por mim envolta em nostalgias estranhas, do género: "é a última vez que estendo roupa neste estendal (suspiro)", ou, "amanhã é a última vez que os meninos tomam banho nesta casa (suspiro)", e "só vou subir e descer estes três andares, que parecem seis, mais meia dúzia de vezes" (suspiro, ou melhor, yupiiiiiii!).
Enfim, esse tipo de coisas e mais as outras que nos assaltam o pensamento quando estamos a fazer actividades mecânicas e aborrecidas.
A mim, por exemplo, acontece-me pensar que preciso de perder barriga, e que tenho de comprar um dente (o pré-molar que parti na passagem de ano 2013), e que se houvesse uma forma de levantar as mamas é que era. Depois, pergunto-me a que propósito e, por mais que queira culpar a sociedade, os estereótipos, a modernidade, a frivolidade, e sei lá quantas mais coisas acabadas em "dade", a verdade é que uma parte de mim gosta de ser objecto de desejo, de cobiça. É um bocadinho parvo, eu sei, apesar de natural, no sentido em que faz parte do ser humano querer ser desejado - os bebés são adoráveis por uma questão de sobrevivência, ponto.
É um bocadinho parvo, dizia, porque eu não preciso propriamente de "arranjar marido", e não faz parte de mim precisar de atributos físicos para me sentir valorizada como pessoa, mas a verdade é que é para aí que o meu pensamento corre, quando se liberta nas tarefas mecânicas.
Acho que é por isso que os exercícios de escrita automática sempre me aterrorizaram. No fundo, no fundo eu sou a Paris Hilton.

Rose te vá bien

28.7.15

Este desenho, feito em Montmartre quando estive em Paris pela primeira vez, correu praticamente todas as casas onde vivi, ou seja oito casas (sem contar as que dividi quartos), e nunca esteve pendurado/colado numa parede. Nem sei bem porquê, talvez por toda a gente o achar feio.
Eu sei que não é lá grande retrato mas não consigo desfazer-me dele. Lembra-me o quanto fiquei fascinada com o ambiente de Montmartre e o espanto de me ver tão bonita num desenho (e parecida com a Kirstie Alley do Cheers), para logo a seguir ouvir a minha professora de Psicologia dizer que eu eu era muito mais bonita na realidade. A mesma professora do "rose te vá bien", sobre a camisola que tinha vestido nesse dia. Tenho de vestir mais vezes cor-de-rosa.
E o desenho vai voltar para o sótão da minha mãe.

Eles

25.7.15


Há muitas razões para estar encantada com esta enorme mudança que vamos fazer (e os caixotes à minha espera, dia após dia, enquanto eu invento milhares de coisas mais importantes, tipo fazer vestidos para mim e assim), mas a que mais me entusiasma é o facto de este cenário poder acontecer fora de portas. Ou seja, em vez de andarem a correr nus pela casa como se fossem índios, vão poder ser mesmo índios a correr fora de casa, no nosso jardim com frangipanis e uma papaeira.
Além disso, não terão de falar com o pai através de um computador, ele vai estar ali connosco.
Podíamos fazer o mesmo no Minho, ou no Alentejo, com buganvílias e uma figueira? Podíamos, mas não era a mesma coisa.

Acaso

23.7.15

"No ano passado, um menino de dois anos de West Chester, na Pensilvânia, morreu depois de uma cómoda de seis gavetas da gama Malm ter caído em cima dele."

"Uma menina de 12 anos morreu hoje, sexta-feira, após ter sido atingida por um raio enquanto se encontrava ao ar livre na região de Campelles, em Girona, na Catalunha."

"Uma criança com cerca de três anos morreu esta madrugada junto a um poste de alta tensão no recinto das festas de Odivelas."

Às vezes, acho que se reunisse todas as notícias deste género, e fizesse uns cálculos complicados, encontraria uma justificação para estes acontecimentos aleatórios e absurdos.

No largo

19.7.15
"Não, não tive filhos e não me arrependo, sabe porquê? porque, eu tenho um irmão mais novo do que eu 12 anos, fui eu que o criei e parece que nem existo para ele. A minha mãe era enfermeira no Estefânia e a minha avó costurava para as senhoras ricas. Tinha cinco pessoas a trabalhar com ela. Então, eu ia levar o meu irmão ao hospital para a minha mãe lhe dar de mamar e cuidava dele apesar de só ter 12 anos. Agora, passam-se meses sem que me telefone. Mas, tudo bem, é só o meu irmão, já viu se fosse um filho? Não, não conseguia viver com isso.
Do que eu me arrependo é de não ter casado com um oficial da marinha que gostava muito de mim. Mas eu andava nas danças, sabe, nas danças de salão, e não tinha interesse nenhum em namorar (está quieta boneca, não te coces, que depois fazes ferida, a dona põe-te pó talco quando chegar a casa). Sim, era bailarina, pois, e até ganhei quatro troféus. Dois na Apolo e outro dois aqui [no Sport Clube do Intendente], mas este agora está desactivado. Tenho pena de não ter ficado com ele, ele ia chorar lá para casa, com a minha avó. Agora está viúvo e tem filhos casados e netos, mas se o vir não o reconheço.
Nós as pessoas de Lisboa falamos muito, não é? Então as que têm uma costela algarvia como é o meu caso, muito mais. Não conhece muitos lisboetas? Pois, os lisboetas vivem mais nestes bairros antigos, em Alfama, na Bica, no Bairro Alto, aqui no Intendente...eu gostava muito mais deste bairro como era antigamente. Ainda no outro dia fui entrevistada para a Renascença, nem sei se "ela" [Presidente da Junta de Freguesia] ouviu, e disse isso mesmo. Sim, havia droga, mas agora também há. E a droga nunca me trouxe problemas, nem as prostituas (ui, o Luís já está tão bêbedo a esta hora!). Antigamente era melhor, eu acho.
Eu nasci aqui há 70 anos, na casa onde ainda hoje vivo e na cama onde durmo. Tenho um hóspede lá em casa, mas, coitado, a reforma dele mal dá para pagar o quarto. No outro dia foi buscar comida às carrinhas, mas depois roubaram-lhe os sacos com a comida, enquanto ele foi fazer a folga de um conhecido no estacionamento do Saldanha. E era muita comida, e boa."

Na hora do adeus

17.7.15
Aconteceu o que tanto temia. Entraram na camioneta que os leva à praia, um hesitante e o outro decidido, e sentaram-se em lugares opostos. Um de cada lado, portanto.
Ou seja, aquele ritual de dizer adeus, já de si bastante stressante, com todos os pais a procurarem os filhos numa ansiedade inexplicável, tornou-se mais angustiante e ridículo comigo a ter de atravessar a rua para dizer adeus, ora a um, ora a outro e a ver na cara de cada um deles o alívio ao perceberem que afinal não tinha fugido.
É claro que na hora de arrancar teria de decidir de que lado ia ficar para o último adeus. Teria de escolher um filho. Nem sei como consegui manter-me tão calma. É claro que isto não está ao nível d' A Escolha de Sofia, mas não deixa de ser um drama.
Escolhi o Nicolau, porque tem andado mais inseguro, sempre agarrado às minhas pernas, e fiquei ali a acenar (para ele e para as pessoas do autocarro que naquele momento se meteu à nossa frente) com o coração partido.
A camioneta foi-se embora e eu queria desatar a correr atrás para ir dizer adeus ao Isaac, para ele saber que não o abandonei, que não o preteri. Mas, na verdade, foi exactamente isso que fiz.
Contive-me e depois fui-lhe comprar a revista do Jake e os Piratas da Terra do Nunca, que traz uma pistola de água (Jaime, não te zangues).
Ainda bem que em Timor não há camionetas.

Mamas

16.7.15
A Joan Didion escreveu um artigo na Vogue, em 1961, sobre um assunto muito pertinente, e do qual não tenho qualquer opinião, porque não o li.
Então, porque raio vens para aqui falar de uma coisa que não leste, perguntam-me vocês (entretanto, já li dois parágrafos, porque o blogger deu um erro qualquer)?
Pois bem, eu respondo, porque eu gostava muito de andar sem sutiã na rua, como ela nesta fotografia que acompanha o artigo.
A maior parte das vezes eu angustio-me com questões bem mais importantes do que as minhas mamas descaídas, hoje não é um desses dias.
Hoje é o dia em que comprei um sutiã caro e que não tem nada a ver comigo, só porque sou uma dessas pessoas que se deixa levar por bons vendedores. É muito triste.

Mulher boa mulher

15.7.15
Peguei no livro, a caminho da casa de banho, e abri-o na página marcada: "Hoje em dia é difícil arranjar uma boa mulher - asseada, ilustrada, neurótica, sexualmente competente, boa mãe - mas é fácil arranjar uma mulher boa: deprimida, técnico-sexualmente avançada, vadia e sem pachorra para conversas de biberões".
E, então, lembrei-me porque tinha deixado de gostar de ler Filipe Nunes Vicente.

Eu também tenho alguma dificuldade em entender-me

13.7.15
Acho que se pode dizer que sou popular, faço amigos com alguma facilidade e as pessoas, em geral, parecem gostar da minha companhia, mas acontece-me com frequência (mais do que a que gostaria), temer encontros, mesmo com pessoas amigas.
Muitas vezes, dou por mim a inventar mil e umas desculpas para não comparecer a coisas combinadas.

A Bea deixou de me pedir abraços. Parece que levou a cabo a ameaça de o fazer para ver se os meus abraços surgiriam espontaneamente. Já não me lembro da última vez que a abracei, portanto, ela tem razão: não lhe dou abraços se ela não os pedir.
A verdade é que olho para ela e está ali uma mulher. É a minha menina, quando paro para olhar melhor, mas não faz sentido dar-lhe colo, ou afagar-lhe a cabeça, só porque está ali. É provável que eu não seja uma pessoa afectuosa.

Lixo

9.7.15
Ando um bocado preocupada com o facto de ir viver para um país que não tem como tratar o lixo. Mas depois de confirmar que nos últimos 10 meses consumimos três garrafas de óleo, parece-me que estou preparada para o desafio de produzir ainda menos resíduos.
O problema vai ser o que fazer com as garrafas de vinho.

Nem todas as pessoas que viajam são espectaculares

8.7.15
Dizia-me a mãe do nosso senhorio que a vida é assim mesmo e que os jovens têm de partir, ir atrás dos seus sonhos, de uma vida melhor, ou do que quer que os mova, que os dois filhos dela também estão longe e tal e tal.
Mais tarde, tentei reproduzir a conversa ao Jaime, emocionada com o discurso da senhora, sobretudo depois da reacção dos nossos pais - os do Jaime choraram e a minha mãe pediu-me para não levar as arcadas de ouro que herdei da minha avó paterna.
Então, estava a falar-lhe da conversa que tive, e não sei de quantos mais assuntos que me foram surgindo, todos interessantíssimos, evidentemente, e no fim o comentário que ele faz é: "que curioso ela achar que somos jovens aos 42 anos."
Eu, que tinha ouvido o discurso em primeira mão, não achei nada estranho ela referir-se a nós como jovens, mas depois de ver uma espécie de documentário que mostra a viagem de um jovem (jovem, mesmo) português pela América Latina percebi a cena. Uma das pessoas que ele encontra diz-lhe qualquer coisa sobre não fazer sentido viajar daquela forma quando for velho, porque aos 40 anos já não se tem a mesma vontade de fazer certas coisas. Nunca pensei ouvir uma coisa destas de um viajante, mas é como já disse uma vez a um amigo: nem todas as pessoas que viajam são espectaculares.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

6.7.15
Sou só eu que tenho vontade de chorar quando olho para o Governo grego e comparo-o com o nosso?

Todas as histórias têm o final que quisermos

3.7.15
Era uma vez uma rapariga que decidiu fazer o seu próprio fato de banho, porque ia viver para um país tropical e não tinha nenhum. Então, foi a uma loja que vende retalhos de tecidos muito baratos e comprou um que lhe pareceu muito bonito, apesar de pouco adequado para o uso que lhe queria dar. Pagou o 1,95€ e trouxe-o para casa.
Depois de encontrar o modelo certo no Kitschy Coo, lá começou a converter inches em centímetros e a desenhar os moldes. A certa altura pareceu-lhe evidente que aquele seria um projecto falhado, mas mesmo assim continuou.
Depois de alinhavar e experimentar o fato de banho, ainda sem a parte das mamas, confirmou que não conseguiria fazer daquele belo tecido o fato de banho que imaginara. A rapariga ficou um bocadinho triste e sentiu-se de repente cheia de fome. Decidiu comer uma banana e viveu feliz para sempre.
Vitória, vitória acabou-se a história.