Novos sabores 2

28.10.15
Curry Laksa. Tenho quase a certeza que haverá restaurantes em Lisboa a servirem este prato típico da Malasásia e Singapura, mas eu experimentei-o aqui em Díli. 
Os ingredientes base desta espécie de sopa são os noodles e os vegetais com carne, peixe, ou camarões. Depois, parece que há várias formas de a cozinhar sendo que as duas principais são o Curry Laksa (à base de leite de côco) e o Asam Laksa (à base de molho de tamarindo). 
Como sou uma fanática por côco, este prato é um consolo para as minhas papilas gustativas. 

Hoje já é amanhã

26.10.15
Um dia destes tive de fazer as contas para saber quantos anos tinha. Estava convencida que ia fazer 42 anos mas, afinal, já fiz.
Aquele pequeno instante em que procuramos alguma coisa na nossa memória e só vemos vazio é aterrador e uma pessoa não sossega enquanto não vasculha à volta, à procura de outras memórias para preenchê-lo. Não sei se não deveríamos explorar mais esses vazios. 
Quando era criança experimentava esses mesmos momentos aterradores quando conseguia ver-me velha a falar sobre mim (claro, sobre quem mais?). Ficava em pânico, por um brevíssimo momento, porque já não sabia se eu era eu, ou se uma memória daquela velha.
O Nicolau, quando acorda, pergunta muitas vezes se hoje já é amanhã, e eu sei exactamente o que ele quer dizer. 
Tenho a impressão que não estou a fazer sentido algum, mas não posso fazer nada em relação a isso. E depois uma certa dose de nonsense nunca fez mal a ninguém.

Hábitos

22.10.15
Não sei a partir de quando é que se tornou perfeitamente normal dizer que é preciso pulsa para o telemóvel, ou para a electricidade (uns códigos que se compram para fazer carregamentos), e buzinar para as galinhas e os porcos saírem do meio da estrada, quando estamos a caminho de casa, mas a verdade é que há coisas a que nos habituamos rapidamente.
De outras já não se pode dizer o mesmo, como tirar o queijo do frigorífico e vê-lo transformar-se numa pasta mole em poucos minutos, ou só precisar de meia hora para descongelar um lombo de porco.

Vivo dentro de um filme

19.10.15

Na praia deserta, desta vez em Baucau, a mais velha fez um vídeo a despedir-se das pessoas, porque temia ser devorada por um crocodilo, e onde explicava que não tinha como evitar mergulhar naquela água. Os mais novos "construíram" um barco e quase conseguiram fazer-se ao mar.
Havia uma galinha a passear e a alimentar a ninhada.
Aquilo era tudo tão cinematográfico que até pedi que me tirassem fotografias para o perfil do facebook. Fiquei mal em todas elas. Já devia saber que os estados de espírito não são fotografáveis, pelo menos os meus.
No dia seguinte teríamos Venilale, os túneis escavados pelos japoneses e um porco gigante. Tudo muito cinematográfico também, sobretudo o momento em que o rapaz timorense entra e prega-me um susto de morte. Tenho sempre tendência a achar que estes sítios são assombrados.
Enfim, mas nada disto é um filme, é a vida real, só que é a vida real a parecer um filme.
E por falar em filmes, acho deveras curioso estar a viver em Timor no momento em que estão a filmar o documentário Rosas de Ermera. Aliás, quase me cruzei com Maria das Dores quando foram filmar o parque de estacionamento do Páteo, porque era ali o salão de festas, no final dos anos 30.
Talvez nos cruzemos noutro sítio.

Sam Fritz, és os maior

16.10.15





Eu não conheço o Sam Fritz, fui espreitar a página dele no linkedIn e fiquei a saber algumas coisas sobre o que faz mas não sei se é simpático, se é tímido, se gosta de comer carne de vaca, ou se é alemão (por causa do nome e por trabalhar numa empresa alemã).
O que sei é que fez uma coisa extraordinária, o Dili Microlets, que é nada mais nada menos do que o primeiro mapa da rede de transportes públicos em Díli.
Eu continuo sem muita coragem de entrar naquelas carrinhas apinhadas de gente (por fora e por dentro), que me tentam atropelar sempre que atravesso a rua, mas aprecio sobremaneira isto que o Sam Fritz fez por nós. Em nome de todos os malai, muito obrigada!

P.S As fotos foram tiradas na paragem da Catedral, fora da hora de ponta.

Novos sabores 1

16.10.15
Couve kangkung e rebentos de papaeira. Estes rebentos são usados na culinária para combater o dengue e, misturados com aquela couve parecida com espinafres (apenas na aparência), ficam absolutamente deliciosos. O sabor que eu conheço mais parecido com estes legumes salteados é o dos nossos grelos, mas as semelhanças são ligeiras. 
Aqui em casa acompanham muitas das nossas refeições.

Justiça

13.10.15

Estamos sentados no restaurante sem paredes, como quase todos os restaurantes daqui, os miúdos brincam nas ondas, sente-se uma brisa ligeira, já não sabemos quantas garrafas de vinho vieram para a mesa e a conversa segue animada.
Todos concordam que em Portugal não conseguíamos ter a qualidade de vida que temos aqui, mesmo se as razões que nos trouxeram cá sejam diferentes.
Eu gosto de os ver livres a brincar, gosto dos sorrisos das crianças timorenses, porque nos obrigam a sorrir de volta, gosto de coisas que não são palpáveis e gosto, claro, de ter o poder de compra que me permite a tal qualidade de vida.
Mas ao fim e ao cabo dou por mim numa inquietude aflitiva, como se estivesse a chegar perto de alguma coisa mesmo, mesmo importante, sem no entanto conseguir alcançá-la. Assim como quando temos uma palavra na ponta da língua e não a conseguimos dizer.
Tenho acessos de melancolia preocupantes e deixo-me resvalar numa apatia incompreensível.
Muitas vezes, estou sentada no sofá a ler, ou a descascar uma manga, enquanto a Ana está a passar a roupa a ferro e pergunto-me porque é que as coisas são assim, porque é que uma pessoa pode estar sentada a ler, enquanto outra tem de trabalhar para essa pessoa. Será que ela se pergunta o mesmo? Eu tenho quase a certeza que me perguntaria, se estivesse no lugar dela, mesmo estando feliz por ter um trabalho e algumas regalias que outras pessoas não têm, como não precisar de trabalhar ao sábado. Mas eu não estou no lugar dela e ela talvez venha a estar no meu lugar um dia.
Não fala muito bem português mas está a ensinar o pouco que sabe ao filho, porque quer que ele vá para a escola portuguesa quando tiver três anos.
Quando lhe disse que queria aprender tétum, ela riu-se; "tétum, sinhóra, pára quê?". Quando lhe pedi para nos cozinhar qualquer coisa timorense, arregalou os olhos: "timorense só come árroz, sinhóra!". Quando lhe falei sobre as cantorias que ouço quase todas as noites, abanou com a cabeça desconsolada: "timorense não percebe, sinhóra, não tem educaçau". Eu argumentei que até apreciava esta alegria tão espontânea mas ela replicou que a "alegria é por causa do vinho".
Enfim, tinha de me calhar como empregada a única timorense sarcástica do país. É justo.

Os livros

7.10.15
Pois bem, enquanto arrumávamos as nossas coisas decidimos que deveríamos mandar para cá alguns livros, juntamente com outras coisas essenciais, como o órgão da Bea, a minha máquina de costura e a iogurteira.
Portanto, assim de repente vimo-nos perante o dilema de decidir que livros levar para uma ilha, que não sendo deserta é, pelo menos, distante. E eu, que nunca soube responder a essa pergunta dos livros e da ilha, acho que escolhi depressa e sem pensar muito. Tanto que nem me lembro ao certo que livros estão neste momento em alto mar. Lembro-me que pus de parte a biografia da Duras e alguns livros do Vila-Matas mas não tenho a certeza sobre o Diário da Virgínia Woolf. Também tenho a impressão que separei um clássico, tipo A Odisseia, que nunca li e queria aproveitar para ler, mas creio que eram demasiados volumes e desisti.
Assim sendo, no que diz respeito aos livros viemos apenas com os que estávamos a ler na altura, que é mais ou menos o equivalente a vir para cá apenas com a roupa que tínhamos no corpo. O que, em boa verdade, é o suficiente, se pensarmos bem.
Perante isto, e depois de terminar o meu "Disse-me um Adivinho", dei por mim a ler o"Apenas Miúdos", da Patti Smith e um policial da Camilla Läckberg, trazidos pela Bea. Depois, decidi comprar mais um ou dois e, perante a oferta, optei pelo "Comer, Orar, Amar", porque uma das partes do livro passa-se em Ubud, um dos sítios que mais gostámos de conhecer em Bali e "Da Cruz ao Sol Nascente", um livro de um Jesuíta que conta a sua experiência em Timor ao longo de 38 anos.
Entretanto, estou a ler um emprestado, A Batalha das Lágrimas, e sinto-me como quando tinha 11, ou 12 anos e lia tudo o que me aparecia à frente, desde aqueles romances de cordel Sabrina, até ao Dostoievski, com o mesmo entusiasmo.

Da felicidade

5.10.15

Ontem à tarde, domingo, adormeci depois de um almoço faustoso e acordei com a música dos GNR. Por breves momentos não conseguia perceber onde estava, nem que dia da semana era, apenas sentia uma ligeira tristeza que não sabia de onde vinha. Quando me situei, atribuí aquela sensação a uma certa nostalgia do meu país, talvez provocada pela música familiar. Olhei para o relógio, fiz as contas e constatei que, em Portugal, as urnas já tinha aberto. Não creio que fosse algum tipo de tristeza antecipada, mas têm-me acontecido coisas estranhas, por isso tudo é possível.
Por exemplo, um dia destes estava na sala a ler (por falar nisso tenho de falar sobre as leituras), enquanto o Jaime via qualquer coisa na TV e o nosso cão dormitava no chão, por baixo da ventoinha. Tirei os olhos do livro e aquele cenário pareceu-me irreal. Em tempos, eu tinha imaginado uma cena assim. Costumava dizer: um dia vamos ter uma casa com jardim e um cão. E agora temos. E é um bocado assustador, isto de se querer uma coisa e ela acontecer.
É claro que eu agora podia escrever aquelas coisas inspiradoras sobre o caminho que tivemos de fazer para chegar aqui, mas isso seria demasiado aborrecido e, além disso, eu não sou uma pessoa assim tão esforçada.
Portanto, para todos os efeitos, um dia dissemos que sim, que haveríamos de ter a nossa casa com jardim e um cão e cá estamos. Quer dizer, a casa é do Sr. Duarte, o ambiente à volta é muito mais denso (em vegetação e pessoas) do que eu tinha imaginado, os mosquitos mordem como vampiros - sim, no pescoço e tudo - e o tecido dos sofás pica, mas naquele momento em que levantei os olhos só vi um sonho tornado realidade e percebi, finalmente, porque é que há pessoas felizes neste mundo.

Mais vale ser turista (às vezes)

2.10.15
Uma pessoa percebe que o guias de viagem servem de pouco quando compra o da Lonely Planet sobre Timor-Leste e fica a pensar onde raio é que eles comeram camarões e peixe fresco grelhado, nas barracas da Av. de Portugal.
Ou então sou eu, já imbuída dos preconceitos estabelecidos que dizem que não se deve comer em certos sítios (partindo do princípio que é o sítio que estou a pensar), sob pena de irmos parar ao hospital. A verdade é que sempre comi na rua nas cidades que visitei, mas aqui ainda não.
E depois, é muito provável que os intrépidos viajantes da Lonely Planet sejam capazes de beber água de uma valeta em Calcutá sem que nada lhes aconteça (acho que li isto em algum sítio).
Seja como for, experiências gastronómicas cada qual tem as suas, mas um mapa é um mapa, certo? Então, porque raio não percebo o de Dili? Será porque a cidade está sempre a crescer? Talvez. Mas "Taibessi Bus Terminal"? Aqui não há autocarros, senhores!! Há umas carrinhas que andam sempre apinhadas de gente (as microlets) e nunca vi um único malai lá dentro. Já pensei entrar numa, sem ser nas horas de ponta, para ver o que acontece, mas acho que vou aprender tétum primeiro.
De resto, se alguém estiver a pensar vir cá passar férias, pode sempre circular de Táxi, é barato e seguro, apesar de se ouvirem umas histórias sobre...bom, tenho de deixar de ouvir o que diz por aí, está visto.