Depois do almoço de Páscoa, aqui em casa, a minha avó começou a insistir que queria ir embora. A certa altura começou a chorar que tinha mesmo de ir e insistia com a minha mãe que tinha de a levar ao aeroporto. Ninguém parecia muito surpreendido com esta necessidade, porque parece que é comum ela inventar destinos urgentes, mas eu quis saber por que raio queria ela ir para o aeroporto, quando nunca na vida viajou de avião e duvido mesmo que alguma vez lhe tenha apetecido.
Depois de lhe perguntar várias vezes e de ter acertado nos decibéis, fiquei a saber que estava na hora de ela ir para céu e que para isso tinha de apanhar um avião. Ou seja, a minha avó quer, naturalmente, acautelar o seu lugar no céu quando morrer e acha que se não for ela a tratar disso ninguém o fará por ela.
Gostava de saber mais sobre os mistérios que esta mulher encerra, que mentiras contou a si própria para sobreviver - porque, não nos iludamos, a única forma de sobrevivermos, ou a mais fácil, é mentirmo-nos todos os dias -, quem amou mais do que à própria vida, se é que amou alguém assim, do que mais se arrepende. Se lhe perguntasse assim tal e qual responder-me-ia com mentiras, muito provavelmente, pensado que contava a verdade.
Acho que é por isso que contamos histórias e tentamos representar o sentir humano nas mais diversas manifestações artísticas: Para espreitar o que nos escondemos.