Dia #19

31.3.20

Fui levar umas coisas a casa da minha mãe e não foi o drama que estava à espera. Sem beijos, nem aproximações desnecessárias, tudo com muita naturalidade. Na verdade, nunca fomos muito de manifestações de afecto e talvez não sejamos tão próximas como pensava, ou gostava, não sei. Não quis ir ao quarto ver a minha avó, que já não anda há um par de anos, nem fala há uns meses.
Depois do almoço estivemos a trabalhar nas burocracias da vinharia, que é a parte menos divertida do negócio. Bom, limpar os vidros daquela montra e lavar o chão também não é propriamente entusiasmante, mas é mais tolerável. Quer dizer, depende dos dias!
Como queremos evitar que as crianças passem muito tempo a olhar para ecrãs, o Jaime foi buscar a caixa de ferramentas, que é assim uma mania que me ultrapassa, este fascínio por ferramentas. Temos coisas que acho que nunca foram usadas, só porque o Jaime achava giras, ou úteis, sei lá eu. Enfim, eles também não ficam indiferentes àquela parafernália e, portanto, foi uma bela tarde de marteladas e objectos a serem lixados.
O que me valeu foi ter tido o melhor momento da quarentena, até agora: o pão com doce de kiwi da Dora e a infusão da felicidade que ela enviou pelo Jaime, aquando da entrega da encomenda de vinho.
Nunca pensei que uma infusão pudesse saber-me tão bem como um copo de vinho! E aquele doce, então, nem sei o que dizer.

P.S acabei de ter a primeira conversa online, desde que isto começou, com uma amiga de longa data e foi tão bom (isto hoje está a ser um dia em grande)!! Para muita gente pode ser estranho, mas eu não gosto particularmente de falar com pessoas no computador, ou no telefone. Mesmo nos dois anos em que vivi em Timor devo ter feito duas chamadas skype. Parece que até isso a quarentena está a mudar!

Dia #18

30.3.20
Tenho a sensação que passei o dia entre o computador e o sofá, com os miúdos a andar, ou a gritar, por aqui. Não foi inteiramente assim, mas sabemos que é mais importante a forma como interpretamos os factos, do que o factos em si.
Depois de ter tratado das encomendas, que o Jaime foi entregar ao Porto (confirma-se que foi melhor ter ficado, é unânime que não teria conseguido evitar chorar), deixei-os comer a massa com pesto no sofá, enquanto comi uma sandes de salmão fumado; joguei Ping Pong na mesa de jantar; recomecei a camisola que desfiz ontem; tratei de ferimentos e ajudei a preparar lanches.
Ainda assim parece que passei o dia entre o computador e o sofá, com os miúdos a andar, ou a gritar, por aqui.
Até quando as segunda-feiras vão ser segundas-feiras?

Dia #17

29.3.20
Por causa dos miúdos terem andado a brincar com a roupa de recém-nascidos sonhei que aquele body do Isaac estava a ser usado como pano do pó, para grande desgosto do Jaime.
Decidi plantar batatas num vaso e cebolinho noutro e apeteceu-me muito voltar a ter um jardim. Podemos sempre mudarmo-nos para o Porto, já que o nosso apartamento tem quintal, e fechar esse capítulo de uma vez por todas!
Os miúdos começam a acusar o aborrecimento de estarem fechados em casa, a minha esperança é que se fartem dos ecrãs de uma vez por todas e comecem a fazer outras coisas. Nem que seja dar banho a todos os peluches e fazer provas cegas de comidas, quando ninguém quer comer.
Amanhã temos entregas de vinho no Porto e algumas amigas aproveitaram para fazer encomendas. Fiquei encantada com a possibilidade de rever pessoas que adoro, mas depois lembrei-me da distância social e achei melhor evitar fazer figuras tristes.
Não interessa, ''vamos ficar todos bem'', como diz no desenho com um arco-íris pendurado na varanda que se vê da fila para o supermercado. E acreditar nisso é tudo o que importa, agora.

Dia #16

28.3.20
Ao sábado a vinharia está aberta e como o Jaime teve de sair para fazer entregas e recolher um frigorífico usado, eu fiquei lá.
Atendi quatro pessoas de manhã e todas cumpriram as regras de segurança, mas não pude deixar de notar que há quem tenha vontade de conversar, ou mais vontade do que habitualmente.
Soube-me bem pentear o cabelo e vestir uma roupa para ir trabalhar, apesar de sentir-me ligeiramente nervosa. Por isso, achei melhor levar comigo a Mungoche, poucas coisas relaxam-me tanto como tricotar.
O Jaime está sempre a dizer que quando isto acabar - a quarentena e suas consequências - vai estar tudo pior. Eu quero acreditar que vai estar melhor em muitos aspectos, ou nos que interessam, pelo menos. Mas, claramente, sou uma pessoa com fé.
Os rapazes ficaram sozinhos, antes e depois do almoço, e quando cheguei convenci-os a preparar um lanche no nosso pequeno pátio. Comeram rápido, discutiram a selecção musical e voltaram para os ecrãs.
O mais novo é o que se aborrece mais facilmente. Passa a vida a dar banho ao Panda. Eu percebo completamente o bem estar que um banho pode trazer (se não fossem as alterações climáticas era capaz de usar e abusar desta terapia), mas isto de dar banho a alguém (ou coisa) é outro nível, que eu ainda não atingi. Quer dizer, eu gostava de lhes dar banho quando eram bebés, porque a seguir adormeciam e eu podia desligar durante umas horas, mas não é isso que acontece neste caso.
Daqui a uma semana faço 47 anos e só me lembrei disso, porque o nosso obsessivo compulsivo dos banhos ao Panda, que faz anos daqui a um mês, não fala de outra coisa, isto é, do seu aniversário. Nesta casa (ou neste núcleo de família) fazemos anos todos no mesmo mês, menos o Isaac, e apesar de Abril ter sido um mês atípico nos últimos dois anos, este ano ultrapassa tudo.
Mas ainda estamos em Março e é preciso viver um dia de cada vez.

Dia #15

27.3.20
Nós estamos a enfrentar uma pandemia. É um facto. Temos de ficar em casa para nos protegermos e proteger os outros. Outro facto. Há quem diga, até, que estamos em guerra. Isso já é capaz de ser uma interpretação livre, apesar de haver muitos velhinhos a viver em lares em que, provavelmente, se sentem entrincheirados. E sabemos que há pessoas mais responsáveis do que outras e mais preocupadas com o colectivo do que o individual. Não é de agora.
O hashtag ''stayhome'' é muito bonito, mas quantos de nós têm de sair de casa para trabalhar? Honestamente, choca-me mais o julgamento sumário de tudo e de todos, do que ver velhinhos na rua, como se estivesse tudo normal, ou ver os homens das obras a almoçar juntos numa sombra. E quantas pessoas que se orgulham de ficar em casa utilizaram os serviços das que não ficam, porque estão a trabalhar?
Sim, já sabemos que sair para trabalhar é uma coisa, para passear é outra (espero tanto que esta crise venha reformular a organização do trabalho!). Mas não podemos achar que ficar em casa, com todas as mordomias que o nosso nível de vida e a tecnologia permitem, faça de nós melhores pessoas do que as que têm de sair (se calhar aquilo de não romantizar a quarentena era sobre isto. Eu costumava ser mais perspicaz...).
Sim, já sei, há as que têm de sair e as que saem porque sim e, muitas vezes, também fico perplexa com o número de pessoas na rua. Pior, porque raio saem tantas ao domingo? Será que há muita mais gente com a mesma rotina de trabalho do que supomos? Como não são nossas amigas no facebook, não temos como saber.

Bom, reflexões do dia à parte, tive um belo momento a observar os meus rapazes a ''brincar às bonecas'' com os seus peluches preferidos. Estiveram horas, isto é, uns 40 minutos, a vestir o panda e o cão com as roupas deles de recém-nascidos (finalmente tiveram uma utilidade!) e foi bonito de ser ver. Também comeram 1kg de laranjas, além das refeições normais, e o último dia de aulas foi adiado para segunda-feira.

Dia #14

26.3.20
Tive de ir ao supermercado outra vez, é a segunda esta semana. Não sabia que comíamos tanto! Se isto durar muito mais tempo, mais vale começar a plantar batatas nos vasos e arranjar uma galinha poedeira como animal de estimação. O Nicolau pediu para ir comigo e quando lhe disse que não podia teve um ataque de choro, que estava farto de não poder fazer nada. Depois, fez três tostas mistas na tostadeira que o Pai Natal lhe ofereceu e ficou de bem com o mundo, outra vez.
Logo a seguir ao hospital, o sítio que mais temo é o supermercado. Saio sempre de lá a achar que venho carregada de vírus em todo o lado e quando chego a casa, depois de lavar as mãos, fico a olhar para as compras no saco sem saber como pegar nelas.
Já comecei a tricotar a camisola, pelo meio do sistema solar e de numerais mistos (seja lá o que isso for), e não me lembrei que para a semana são férias da escola, por isso já não vou terminá-la. Nem sei se a termino algum dia, mas é mesmo muito bom voltar às agulhas! Como é possível ter estado tanto tempo sem fazer malha?
Por falar nisso tenho de ir. Preciso de perceber como vou encaixar o José Marías entre o tricot e o copo de vinho.

Dia #13

25.3.20

Sonhei com bolos e doces brancos de romaria e, numa das entregas de vinho, o Jaime foi comprar brownies ao Bom Miolo.
Lavei o cabelo e já não me lembrava que tinha uma juba!
Chegou a encomenda da Retrosaria. Se tiver de continuar a ajudar os rapazes nas tarefas escolares, devo ter a camisola pronta daqui a uma semana.
Improvisei um chili com os restos da carne da bolonhesa e ficou bastante bom.
É uma péssima altura para reduzir o consumo de vinho, por muito necessário que seja.
Os animais, como se vê ali pela Catrina, percebem muito de confinamento.

Dia #12

24.3.20
Olhem, a Scarlett O'Hara tinha razão, temos sempre o dia a seguir (se não morrermos durante a noite, claro) para fazer melhor. E fazer melhor é fazer diferente, para usarmos aquela máxima do ''não julgamento''.
No nosso caso é fazer as coisas à nossa maneira, sem prejudicar ninguém. Percebo tão bem os meus filhos! eles também não prejudicam ninguém quando fazem xixi no balde com água da chuva, que está lá fora para regar os vasos, mesmo que os vasos não tenham plantas, porque os caracóis comeram-nas.
Hoje, as aulas foram de tarde, porque nos dava mais jeito. As famílias são todas diferentes, com filhos em idades diferentes e estamos todos numa nova realidade, à procura da melhor forma de isto funcionar. Devíamos ter mais calma.
Depois, a caminhada seguida de uma aula de yoga virtual fez-me bem e os percebes que o marido da D. Sameiro apanhou no mar, hoje de manhã, acompanhados com um vinho branco da Quinta dos Termos fez o resto.
Ah, e chegou o biquíni. Fica-me horrivelmente mal. A parte de cima ainda se aproveita, a de baixo dá vontade de me esconder debaixo de cama e ficar lá até me esquecer da imagem que vi ao espelho!
Eu não sei se toda a gente sabia disto, mas os biquínis para gordas só ficam bem às magras, isto é, às pessoas normais. As que estão acima do peso devem comprar biquínis normais nos tamanhos maiores. De nada.

Dia #11

23.3.20
Os especialistas tinham avisado, epidemiologistas, médicos, astrólogos, 'achistas' do facebook, todos tinham dito que isto ia piorar. Eu acreditei, claro, mas preferi achar que era exagero, como no início disto tudo. Não era, afinal.
Todas as pequenas tensões, incertezas, tristezas e merdices estão a transformar-se num vírus quase tão mau como este Corona e, ainda por cima, com menos bom aspecto, que o bicho até parece engraçado nas imagens que nos mostram.
Não tive um ataque de choro por pouco, assim sem qualquer razão aparente, e apeteceu-me mandar os professores dos meus filhos para o caralho, mesmo respeitando o trabalho que fazem e sabendo que estamos todos a fazer o que podemos.
Depois, pensei que por esta altura já teria aprendido alguma coisa com o que está a acontecer, que teria descortinado coisas incríveis sobre o mundo e sobre mim, mas estou ainda mais longe de saber o que quer que seja. Passei o dia a deambular pela casa como se tivesse perdido a capacidade de pensar, como quando estamos de ressaca (espera, se calhar era isso...) e com um aperto no peito (estarei a ficar doente?).
Eu achava que estar em casa com a vida em suspenso não era nada de mais, mas é. Mesmo assim posso estar em casa, eu sei. Tenho muita sorte (revirei os olhos a dizer isto, sou muito má pessoa. Espera, afinal estou a descobrir coisas sobre mim).
Bom, amanhã será outro dia.

Dia #10

22.3.20

Acordei tarde e praticamente saí da cama para a cozinha, com o assado de domingo na cabeça. Os miúdos tomavam o pequeno-almoço no sofá, enquanto viam TV e, com a comida no forno, sentei-me no chão do nosso pequeno pátio a aproveitar o sol.
Fizemos o brinde combinado com os nossos vizinhos e o resto da tarde foi igual a outros domingos, com filmes e vinho.
O Isaac quis ir à rua dar uma corrida e perguntou se podia também pedalar. Foram 5 minutos de pura alegria.
Soubemos que havia uma multidão a passear na marginal e que a polícia actuou de imediato. Talvez nem toda a gente tenha, realmente, noção do que está a acontecer.
Não foi um dia mau. Nem bom.

Dia #9

21.3.20
Foi um sábado parecido com muitos outros, com a diferença de não podermos fazer uns intervalos para andar de skate e bicicleta. Normalmente, o Jaime vai abrir a vinharia e eu vou lá ter depois do almoço com eles. Às vezes vou antes e almoçamos todos lá.* Hoje, ficamos em casa e o Jaime foi para a vinharia sozinho fazer o que tinha de ser feito, mas veio almoçar connosco.
Fiz uma caminhada menos demorada que o costume por não me sentir confortável na rua, não sei se por causa do frio, ou da frieza circundante.
Era suposto o Nicolau adiantar os trabalhos em atraso da escola, eu fazer exercício com eles e ensiná-los a fazer tranças (eu adoro que me mexam no cabelo, é mais do que justo que os ponha a fazer alguma coisa que me relaxe). Escusado será dizer que o Nicolau não pegou nos cadernos e como se recusaram a correr na rua (onde não passam carros e, agora, quase nenhuma pessoa), cinco vezes para lá e cinco para cá, estivemos a dançar, mas por pouco tempo. Já não sei quem ganhou. Não consigo fazer nada com eles sem que tenha de dar uma nota (obrigadinha, escola!). Com as tranças não tive qualquer hipótese, recusaram e pronto.
Não li uma página do livro, nem depilei as sobrancelhas, mas fiz a massa com camarão ao almoço e a costelinha de porco no forno ao jantar, como estava programado. Podia sentir-me bem comigo própria por esta concretização, mas a verdade é que a única coisa que me tranquiliza, ou que me faz sentir normal, é cumprir o horário das refeições. Não interessa se comemos sandes, ou arroz de marisco, interessa que nos juntemos à mesma hora para comer (e beber vinho). Com, ou sem estado de emergência.
Ah, também demos banho à Catrina, coitada!

*deve ter chegado o momento de assumir que me sinto em quarentena quando vou trabalhar

Dia #8

20.3.20
Já não sei quantas vezes falei sobre ter medo aqui no blog, quer dizer, segundo a pesquisa que fiz menciono a palavra medo em 42 posts e em dois deles uso-a no título, mas estranhamente não sinto medo, agora, e ainda bem, porque em situações destas costuma ser o nosso pior inimigo. Estou preocupada e angustiada como toda a gente, claro, a incerteza do que nos espera pode ser muito desesperante, mas se pensarmos bem nós nunca sabemos o que nos espera. Arranjamos mecanismos para acreditar que temos tudo sob controle, mas não temos como controlar tudo o que nos acontece.
Percebo as pessoas que precisam de reinventar uma rotina para conseguirem trabalhar, cuidar dos filhos e tratar da casa mas se está tudo diferente porque se continua a fazer tudo igual como antes? Os mesmos horários, as mesmas tarefas, os mesmos problemas que se juntam aos novos problemas causados pelo estado de emergência.
Nós não fizemos grandes alterações à nossa rotina, tirando a hora de levantar, e estar em casa com crianças aos gritos, a cozinhar o almoço e o jantar, a ver se há alguma coisa importante para despachar no computador é um déjà vu. Também se dá o caso de me agradar não ter horas marcadas para trabalhar e de, nesta altura, não ter nada urgente para fazer. Além disso, estou a trabalhar com o Jaime há quase um ano, por isso estamos familiarizados com os problemas de um convívio intenso, quase sem vida social, e os miúdos passam a vida a dizer ''obrigada corona vírus por podermos ficar em casa''. Mesmo assim, hoje dei por mim a pensar o que podia mudar no nosso dia-a-dia para nos sentirmos melhor, mas logo a seguir achei que deixar andar e lidar com os problemas à medida que forem surgindo já está bem. Só tenho de decidir quando vou considerar um problema o tempo que eles passam a olhar para um ecrã, mesmo que seja a fazer coisas diferentes (falar e jogar com amigos, usar a escola virtual, ver TV, jogar playstation, ver youtubers...) ao longo do dia. 

Dia #7

19.3.20

Não há como estar nas redes sociais sem romantizar a vida, já se sabe. Mesmo as pessoas que, como eu, desvalorizam esse romantismo não conseguem evitar publicar fotos das suas viagens, pessoas, paisagens e animais de estimação.
Mas em relação à quarentena não me parece nada mau que se romantize, que se use e abuse de fotos bonitas e cheias de esperança. Sim, é um privilégio poder fazê-lo, mas não creio que evitá-lo sirva para alguma coisa.
Ontem à noite pedi cebolas à minha vizinha, pelo messenger, porque não gosto nada de fazer estrugido com alho e ela veio à varanda com um saco preso num pau e passou-me quatro cebolas. Comoveu-me este gesto, mesmo sabendo que faz parte das regras de boa vizinhança ceder um raminho de salsa, ou um bocadinho de sal quando somos apanhados desprevenidos.
Não faz mal querer acreditar na humanidade e que tudo se vai resolver e que mais vale tirar algum proveito deste recolhimento.
Se até o Mike Leigh conseguiu imaginar uma Poppy, nós também devemos poder ultrapassar isto com optimismo e sentido de humor.
Mas não hoje. Hoje, decidi fazer a aula de educação física que o professor do Nicolau enviou e quase morri. Das duas umas, ou as nossas crianças estão a ser torturadas na escola, ou sou oficialmente uma pessoa com muitos handicaps físicos.

Dia #6

18.3.20
Eu sei que há este nervoso miudinho no ar, em muitos casos não tão miudinho assim, mas hoje o que me está a perturbar é ter chegado à conclusão que sou uma pessoa muito mais limitada do que pensava, e olhem que eu até costumo inventar limitações que não tenho.
Primeiro foi a constatação que não sei nada sobre fracções, chego a duvidar se alguma vez aprendi tal coisa na escola. A discussão com a criança de oito de anos aqui de casa deixou-me perplexa. Depois, são os gráficos com o crescimento exponencial do vírus que toda a gente sabe analisar, no facebook, e eu fico a olhar para aquilo como um boi para um palácio.
Enfim, fico-me pelos Ensaios, mas não consigo deixar de pensar que o ensino das matérias fundamentais (matemática, filosofia, economia, linguística e física) deveria estar menos compartimentado e mais relacionado entre si.
Também fico perplexa com a adaptação das crianças a novas situações. Deixar de ir à escola, passar a ter aulas com os pais e ficar o dia todo em casa parece ser a coisa mais normal do mundo, como se tivessem vivido sempre assim.
Hoje, fui fazer uma caminhada e quando lhes disse que ia sair disseram-me naturalmente: ''Cuidado com o coronavírus. Leva uma máscara''. Muitas lojas estão  fechadas, mas há bastantes pessoas a passear na rua. As distâncias parecem ser cumpridas, no entanto vêm-se alguns grupos.
Ainda não comecei a aprender guitarra, não comprei o kit de tricot, nem tão pouco comecei a fazer ginástica em frente ao computador. A casa está como estava, quer dizer está ainda mais desarrumada.
Daqui a pouco deveremos ter mais informações sobre a declaração do estado de emergência do Presidente da República e não deixa de ser curioso ver os partidos de direita menos preocupados com a economia do que os de esquerda. É o fetiche do Estado policial, não é?

Dia #5

17.3.20
Sabem aquela cena de aproveitar a quarentena para ler, escrever, estar com a família e outras coisas assim giras? É uma falácia. Podem fazer isso tudo, é bom que façam (eu estou a planear aprender guitarra em 21 dias, mandar vir um kit da retrosaria, finalmente, e ficar tonificada com exercícios do youtube), mas não esperem fazer tudo o que planeiam, ou sentirem que isto era tudo o que esperavam e/ou precisavam, caso consigam. Quer dizer, pode acontecer, mas vai demorar, provavelmente, até recomeçarem a vida que tinham antes. Como é que sei? Porque eu, e muitas outras pessoas, já estiveram em quarentena em alguns períodos da vida, isto é, em licença de maternidade. É verdade que podemos receber visitas (mesmo que não nos apeteça), sair para um passeio (mesmo que o ar pareça demasiado rarefeito) e estar com amigos (mesmo que nos olhem desconcertados, não sabemos se pelo nosso ar, se pelos gritos da cria), mas não tenham dúvidas, os primeiros dois meses de um bebé (ou dois anos), sobretudo se for o primeiro filho, são uma quarentena. Porque a única coisa que conseguimos ver e ouvir claramente é o bebé, o resto está tudo envolto numa névoa, está como que noutra dimensão. Também pode ser que estejamos com depressão pós-parto, mas isso é outra história.
Além disso, eu sou igual ao Tyrion Lannister, sabem? ''Eu bebo vinho e sei coisas''. Portanto, vai haver muita gente a mostrar as cenas incríveis que está a fazer em casa, com filhos e sem filhos, vai haver quem se queixe (menos, porque essas pessoas estão em tele-trabalho e têm mais o que fazer), mas ninguém vai dizer toda a verdade. Portanto, façam o que vos der na real gana, sem deixar de seguir todas as recomendações, e não se preocupem.
Eu não sei como temos sido convencidos a fazer o que não gostamos para conseguir atingir os nossos objectivos, que nem sequer são os nossos, na maior parte dos casos. Mas é assim que temos vivido.
Por isso façam o que vos apetecer, dentro das vossas possibilidades, e se mesmo assim ficarem com uma depressão pós-crise, tratem-se (eu sei que não estou a ser coerente com aquilo de não estar aqui para ajudar, mas deixem-me ser neurótica, ok?).
Agora vou comer uma tosta mista, beber um copo de vinho (espero que seja só um) e ver um filme.

Dia #4

16.3.20
Acordei tarde. O Jaime tinha saído para vender vinho a um cliente que lhe telefonou. Pelo que tenho visto nos últimos dias, o vinho está na lista de bens essenciais a ter na despensa. Percebo perfeitamente e, tendo em conta que o nosso salário depende disso, agradeço.
Os comandos da TV desaparecem amiúde, os rapazes passam eternidades ligados aos telemóveis, ou computador e ainda não começamos a arrumar a casa, que parece ser o primeiro mandamento do recolhimento.
Comemos canja ao almoço e o resto da bola que o Jaime fez ontem, ou melhor que o Nicolau fez com a ajuda do Jaime. Nenhum do autoclismos funciona. Um já estava avariado há algum tempo, mas fomos adiando chamar um canalizador, depois de termos posto mãos à obra, à vez, e ter sido pior a emenda que o soneto. Agora avariou-se o outro, portanto temos de andar com baldes para cima e para baixo. Moral da história: Não se deve deixar muitas coisas para tratar quando aparecer um vírus.
O jogo de dardos que eles receberam no Natal foi finalmente pendurado. Só comecei a sentir que alguma coisa está diferente quando o Jaime me disse que a professora do Nicolau estava a marcar aulas online com os alunos. Por causa disso decidimos marcar duas horas por dia de trabalho académico para os dois, coisa que não nos tinha ocorrido antes, o que mostra a importância que damos ao percurso escolar dos nossos filhos.
Acabou há pouco a entrevista do Primeiro-ministro na SIC e não estava nada à espera de achar que António Costa esteve melhor do que Rodrigues Guedes de Carvalho, mas às tantas o pivot cumpriu um papel necessário.
Estou com as dificuldades respiratórias habituais das crises de rinite alérgica e a pensar quantos dos telefonemas recebidos pelos SNS24 são de hipocondríacos.

Corona vírus dia #3

15.3.20
A Luísa sugeriu o diário da quarentena e eu ri-me, mas pareceu-me uma ideia nada disparatada. Eu gosto de diários, mas como sempre os escrevi para serem lidos (alguém escreve só para si próprio?) pareceu-me arriscado nesta fase da minha vida. Quer dizer, eu posso apresentá-la, à minha vida, como quiser mas é verdade que precisamos de estar certos das nossas escolhas e acreditar que a nossa vida é, ou pode ser, tão boa como outra qualquer para a expor. Sim, também há gente com espírito missionário, que espera ajudar alguém com os seus desabafos e/ou exemplos. Nunca foi o meu caso, mesmo tendo já recebido emails de agradecimento e outras simpatias de alguns leitores.
Quer isto dizer que não estou a viver uma vida interessante, ou dramática o suficiente para estar na net? Pois, aparentemente assim parece. E, no entanto, sabemos que há poucas coisas mais susceptíveis de criar pathos do que as vidas normais. Sendo que neste momento, estamos todos a procurar a normalidade dentro da anormalidade provocada pelo Covid-19.
Posto isto, vamos lá ao diário.

Então, eu estou em casa com os miúdos desde sexta-feira. O Isaac foi à escola fazer o teste de matemática, porque não nos pareceu justo adiar um problema. Ele está a ter explicações a esta disciplina, esteve a semana a trabalhar para esse teste, por isso foi fazê-lo, já que as escolas estiveram abertas, apesar de se saber que tinham de fechar.
O Jaime foi abrir a vinharia e eu fui ajudá-lo em alguns momentos, enquanto os miúdos ficaram a jogar playstation em casa. No sábado foi mais ou menos a mesma coisa. Trouxe o computador para casa, não tanto para trabalhar mas para comunicar, porque parti o telemóvel. Sim, é justo eu ficar sem telemóvel numa altura destas, ninguém merece isso mais do que eu, sem qualquer ironia.
Portanto, só hoje é que estamos os quatro em casa, sem sair para almoçar, ou para um dos nossos habituais passeios domingueiros. Até agora o que posso dizer é o seguinte:

1) Os miúdos estão a ficar bons a jogar Party & Co
2) A minha mãe tentou convencer-me que não fazia mal nenhum ir lá almoçar, porque somos família
3) Várias mensagens e telefonemas depois consegui falar com a Bea, que disse estar a fazer a quarentena. Eu não lhe disse que devia vir visitar-nos, porque somos família, mas apeteceu-me
4) O Jaime esteve mal humorado, mas é possível que fosse da minha TPM
5) A Sarah Connor é, provavelmente, a melhor personagem de um filme
6) Lembrei-me que o blog fez 10 anos e decidi cozinhar para o almoço panados com arroz de tomate, mas como não tinha tomates fiz arroz branco.

Confinamento sempre combinou com blogs

14.3.20

Estava à procura de um post aqui no blog e, naturalmente, acabei a ler uns quantos. É sempre uma viagem quando isso acontece, mas pela primeira vez pareceu-me razoável compilar algumas das coisas que escrevi aqui.
Antes disso, enquanto estendia a roupa para secar, pensava como era descabido esperarmos que as pessoas lessem desabafos de mães bloggers preocupadas com os seus quotidianos de merda, quando o mundo está como se sabe.
Não quero desvalorizar esses quotidianos, que foram e são os meus, mas não me interessam mais, por isso não posso esperar que o meu interesse a alguém.
E, no entanto, aqui estamos, todos no mesmo barco, fechados em casa com as crianças, à mercê de um vírus, como em muitas outras ocasiões.
Se calhar podíamos voltar ao blogs e ver no que dava. Não seria a primeira vez. Aliás, este programa da RTP2 que nos mostrou a inigualável Helena Araújo, deve querer dizer isso mesmo, não?

A foto foi publicado no meu primeiro blog (Penso Logo Digo), em 2006

Tenho problemas

2.3.20
Gostava muito, muito de saber o que diz sobre mim o facto de ter comprado online, logo pela manhã, um biquíni. Repito, um biquíni!!!