Fora do poço

25.10.19
Algumas pessoas dizem-me que é uma pena eu não escrever no blog como escrevia, referindo-se, na maior parte dos casos, ao tipo de registo e não à frequência.
Mas eu já não sou uma dona de casa desperada (sabiam desta definição da Wikipédia?!), por isso é mais do que normal que não escreva sobre as mesmas coisas, ainda que haja toda uma enciclopédia do quotidiano que podia, e devia, ser escrita.
Há o post da cadela Catrina, que foi recolhida da rua com as mamas cheias de leite sem cachorros à vista, ou o dia em que fui substituir a minha mãe a cuidar da minha avó, e notar que cuidar é alimentar e trocar fraldas. A peça de teatro, de domingo à tarde, também dava um belo post, e as obras na minha rua davam muitos.
E depois há o poço da tristeza em que me afundo muitas vezes. Acho que não se nota muito que estou dentro de um poço, consigo funcionar quase normalmente, apesar de ser muito pouco prático andar por aí enfiada num poço*. Às vezes até consigo vir à superfície e tudo. Nessa altura faço festas no cabelo sempre despenteado do Isaac, olho para o fundo dos olhos escuros do Nicolau e vejo que guardam já preocupações, tantas preocupações nuns olhos tão pequenos! O Jaime nem sempre sei onde está, mesmo que esteja ali ao meu lado.
Também gosto de calçar as meias tricotadas por mim e olhar para os meus pés fora do poço.


*tentei desenhar a rapariga despenteada a caminhar pela cidade dentro de um poço, mas não consegui. É pena, porque dava um desenho bonito, acho eu.

Mindfulness

16.10.19
Na caminhada pela manhã cedo, a levar com o vento nas trombas, comme il faut na Póvoa, ia pensado na roupa que tinha de tirar da máquina para secar na lavandaria, na logística do almoço com o que sai da escola a essa hora (a vinharia não fecha), no que improvisar para o jantar com os itens do frigorífico e congelador, nos conteúdos que faltam para o site avançar, no que queria escrever no blog, no dentista, no sutiã que preciso de comprar (estou sempre a precisar de comprar sutiãs, eu sei, mas é porque nunca compro, ou quando o faço trago o errado. Sim, já devia ter deixado de usar), nas encomendas de Natal (eu a pensar no Natal em Outubro, quem diria!!!!). Depois, desligava e olhava para o mar, respirava e contava os passos na inspiração, seis, e na expiração, oito, e apercebia-me da sola dos pés, das canelas, dos joelhos e por aí fora e notava que a paisagem era bela, sim senhora, que o vento não tinha de ser desagradável, que é um privilégio poder fazer estas caminhadas, que se calhar não é impossível fazer o caminho até Santiago com o Isaac, como a mulher com os dois filhos que passou por mim, e por pensar no Isaac ele tem teste de Português amanhã, vai ser um problema fazê-lo perceber a importância de estudar, de ter um método de estudo, mais cedo ou mais tarde. Eu nunca gostei de estudar para os testes, nem nunca o soube fazer muito bem, era com o que ouvia nas aulas que me safava e até certa altura fui-me safando muito bem, depois já não. Agora ninguém está à espera que os miúdos se safem, têm de ser brilhantes, no mínimo.
-Não achas que as gaivotas fazem isto (planar ao vento) por puro gozo?, ouvi o Jaime perguntar.
-Não creio, todos os comportamentos animais têm como finalidade a sobrevivência, ou a procriação, respondi.
Olhei para as gaivotas, inspirei e contei seis passos, expirei e contei oito.