Perguntaram-me, durante as férias, como são os timorenses e eu, depois de um ano em Timor, estou perfeitamente à vontade para dizer que não faço ideia. É tão fácil gostar dos timorenses como é difícil defini-los. Sei, pelo pouco que vou observando, que passam da afabilidade à violência, e vice-versa, num piscar de olhos. Sei que adoram festas, sei que ainda há um grande respeito pelos mais velhos, que levam muito a sério as tradições e que a morte é vivida de uma forma muito intensa. O luto é muito mais do que a manifestação de pesar pela pessoa falecida, há uma espécie de entusiasmo à volta do funeral e do aniversário da morte dos familiares.
Enfim, identifico algumas características que na verdade dizem-me alguma coisa sobre este povo, mas não posso ter a veleidade de acreditar que sei como são os timorenses.
E dessas características, uma das que me deixa mais desconcertada é o sorriso que mostram perante o sofrimento, ou uma situação desconfortável. Não é bem um sorriso é mais um riso. Parece-me comum em alguns povos asiáticos, mas o dos timorenses é diferente. Ou talvez seja por eu saber do que se riem, quando sei, obviamente. No outro dia dizia-me o S. que o pai já não falava e eu, sem saber bem o que dizer, saí-me com a pérola "talvez tenha chegado a hora dele" (eu sabia que já estava doente há algum tempo) e o S. riu-se e disse que sim, que tinha chegado a hora dele (morreu ontem).
É desconcertante, mas admirável ao mesmo tempo. Eu gostava de me rir quando conto que vou ao google maps ver a rua onde vive a Bea.
Já que perguntaram
26.8.16
Sim, chamando-se Solange arranjou um namorado. Trabalhavam juntos, num restaurante bem frequentado, daqueles em que as pessoas vão bem vestidas e bebem sangria de frutos vermelhos. Ela na copa, ele a servir às mesas. Os horários de cada um nem sempre facilitavam o namoro, mas eles lá iam encontrando formas de beber uma caipirinha no fim do expediente, ou de dar uma rapadinha na despensa, ao lado da casa de banho, no intervalo da tarde.
Eles davam-se mesmo bem, tinham até grandes planos para o futuro.
Um dia ele faltou a um encontro, o que até nem seria de estranhar, tendo em conta as mudanças de turnos e as idas ao ginásio e os pais dele sempre doentes, mas naquele dia ela ficou muito aborrecida. Era o aniversário deles. Ela tinha comprado um vestido e uns brincos. Só não comprou os sapatos, porque não havia o número dela. Enfim, ele não apareceu e ela telefonou-lhe uma vez, duas vezes, três vezes, 24 vezes e nada. Decidiu ir ter com ele e apercebeu-se que não sabia onde é que ele morava. Perguntou, caminhou em cima dos sapatos que não eram novos mas que ainda assim mereciam melhor tratamento, voltou a perguntar e descobriu porque é que o seu grande amor a deixou pendurada. Era o dia de casamento dele.
E agora que volto a esta história já não sei se foi depois disto que ela decidiu mudar de nome.
Eles davam-se mesmo bem, tinham até grandes planos para o futuro.
Um dia ele faltou a um encontro, o que até nem seria de estranhar, tendo em conta as mudanças de turnos e as idas ao ginásio e os pais dele sempre doentes, mas naquele dia ela ficou muito aborrecida. Era o aniversário deles. Ela tinha comprado um vestido e uns brincos. Só não comprou os sapatos, porque não havia o número dela. Enfim, ele não apareceu e ela telefonou-lhe uma vez, duas vezes, três vezes, 24 vezes e nada. Decidiu ir ter com ele e apercebeu-se que não sabia onde é que ele morava. Perguntou, caminhou em cima dos sapatos que não eram novos mas que ainda assim mereciam melhor tratamento, voltou a perguntar e descobriu porque é que o seu grande amor a deixou pendurada. Era o dia de casamento dele.
E agora que volto a esta história já não sei se foi depois disto que ela decidiu mudar de nome.
Do regresso
22.8.16
Antes de sair de Timor, para passar férias em Portugal, eu espantava algumas pessoas ao dizer que não estava assim tão ansiosa por visitar ao nosso querido país. Aliás, custava-me perceber aqueles "está quase!" trocados entre conterrâneos e acompanhados de sorrisos cúmplices, como se só eles soubessem do que estavam a falar.
Agora sei. Agora sei que vai ter de passar mais um ano, ou dois, até voltar a sentir frio; até voltar a juntar toda a família à volta da mesa; até estar de novo ao vivo com as pessoas de quem gosto tanto; até sentir a angustia perante a prateleira dos iogurtes e dos shampôs, porque uma pessoa já não sabe o que é ter tanta oferta da mesma coisa; até sentir outra vez o sabor dos mexilhões, da pescada e do sarrabulho; até sentir o cheiro daquele mar; até adormecer e acordar rodeada de familiaridade...Não é que não soubesse antes de ir, mas agora sei de outra forma.
Agora sei, também, o que quer dizer o encolher de ombros e o sorriso resignado dos que regressam de férias. Quer dizer: o que eu queria era ter lá ficado.
Poderão dizer-me que isso é exactamente o que sente toda a gente quando termina as férias, e dirão muito bem, mas uma coisa é sair de casa para ir de férias, outra coisa é ir de férias para casa.
Ir de férias para casa é todo um novo conceito para mim. Ele é a Decathlon que passa a ser a loja mais importante, ele é marcar quatro consultas médicas de diferentes especialidades na mesma semana, ele é listas de coisas que precisamos de trazer (e depois apercebo-nos que não trouxemos os casquilhos, nem as tomadas eléctricas), ele é carrinhos cheio de tralha só porque é uma tralha mesmo bonita e aqui não há coisas daquelas bonitas à venda, ele é assinar papeis para resolver burocracias. Enfim todo um mundo novo de veraneio. Uma espécie de interlúdio da vida de todos os dias para viver a vida que tínhamos antes.
E no fim custa regressar. Há um pedaço arrancado de mim que ficou lá (nota: ouvir a Ópera do Malandro) e a insularidade pode ser uma cena fodida, além de que as rotinas, mesmo numa ilha tropical cheia de encantos, não deixam de ser rotinas.
Só que depois chegamos à nossa casa tropical e temos o nosso cão à espera, num contentamento louco. Vemos o pôr-do-sol, corremos os olhos pelo verde Timor, damos um mergulho no mar, bebemos água de coco e acordamos com o som dos pássaros nos ouvidos - eles estão do outro lado da janela do quarto, mas parece que piam como se nos contassem segredos.
Enfim, depois, tudo está como tem de estar.
É um pouco como diz na crónica da Alexandra Lucas Coelho, trocando o nome dos países: Morar em Timor é bom mesmo sendo uma merda.
Solange
17.8.16
Os meus filhos decidiram mudar de nome. Um quer ser chamado de Victor (com o som do "c" a ser considerado) e o outro António. Acho que foi por esta altura que a Beatriz também se virou contra o seu nome próprio, dizia que preferia chamar-se Catarina, se não estou em erro.
Se eu soubesse que ia ser assim tinhas-lhe dado o nome de "Primeiro", "Segundo" e "Terceiro", como é costume em Bali, e depois eles que decidissem o seu próprio nome.
Em Timor também é costume usar-se o nome de estima, em vez do de baptismo, mas não me estou a imaginar a chamar o Nicolau de António e o Isaac de Victor, mesmo sendo nomes que até me agradam.
Lembro-me perfeitamente de me perguntar se eles iriam gostar do nome que escolhemos para eles, porque se para nós fez todo o sentido escolher Isaac (depois do pai ter sonhado que ele ia nascer a rir - é esse o significado do nome), e Nicolau (quando soubemos que ele ia ser um rapaz, no dia de S. Nicolau), isso não significa que eles tenham de achar piada. Da Beatriz, por acaso, não me ocorreu que ela viesse a desgostar do nome escolhido por causa do livro "O Século Primeiro depois de Beatriz", do Amin Maalouf. No entanto, parece que foi o que veio a acontecer.
Seja como for, e apesar de ser um assunto sobre o qual não perdi muito tempo a pensar, parece-me que o nome que recebemos quando nascemos tem sempre uma razão de ser e o melhor que temos a fazer é viver com ele e pronto. Mas há quem não consiga.
Não sei se serão muitas as pessoas que escolhem mudar de nome, sem contarmos as transexuais, mas era engraçado saber os números e os nomes escolhidos. Tenho o pressentimento que nem sempre mudam para melhor, apesar disto não ser propriamente o mesmo que nomear personagens de uma história, já que não há bons e maus nomes, apenas nomes de que se gosta.
Por exemplo, conheço uma pessoa que mudou de nome, já adulta, porque achava que a razão de não conseguir arranjar um namorado era por se chamar Saúde. E que nome é que ela escolheu? Solange.
Se eu soubesse que ia ser assim tinhas-lhe dado o nome de "Primeiro", "Segundo" e "Terceiro", como é costume em Bali, e depois eles que decidissem o seu próprio nome.
Em Timor também é costume usar-se o nome de estima, em vez do de baptismo, mas não me estou a imaginar a chamar o Nicolau de António e o Isaac de Victor, mesmo sendo nomes que até me agradam.
Lembro-me perfeitamente de me perguntar se eles iriam gostar do nome que escolhemos para eles, porque se para nós fez todo o sentido escolher Isaac (depois do pai ter sonhado que ele ia nascer a rir - é esse o significado do nome), e Nicolau (quando soubemos que ele ia ser um rapaz, no dia de S. Nicolau), isso não significa que eles tenham de achar piada. Da Beatriz, por acaso, não me ocorreu que ela viesse a desgostar do nome escolhido por causa do livro "O Século Primeiro depois de Beatriz", do Amin Maalouf. No entanto, parece que foi o que veio a acontecer.
Seja como for, e apesar de ser um assunto sobre o qual não perdi muito tempo a pensar, parece-me que o nome que recebemos quando nascemos tem sempre uma razão de ser e o melhor que temos a fazer é viver com ele e pronto. Mas há quem não consiga.
Não sei se serão muitas as pessoas que escolhem mudar de nome, sem contarmos as transexuais, mas era engraçado saber os números e os nomes escolhidos. Tenho o pressentimento que nem sempre mudam para melhor, apesar disto não ser propriamente o mesmo que nomear personagens de uma história, já que não há bons e maus nomes, apenas nomes de que se gosta.
Por exemplo, conheço uma pessoa que mudou de nome, já adulta, porque achava que a razão de não conseguir arranjar um namorado era por se chamar Saúde. E que nome é que ela escolheu? Solange.
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