Diálogo demonstrativo do estado a que chegamos

28.2.14
- Separaste o lençol que o Isaac tem de levar para a escola por causa do Carnaval?
- Não, mas há lençóis na gaveta.
- Tens a certeza que não têm bolor?

Este pequeno diálogo é bastante demonstrativo do estado a que chegamos.
Eu trabalho em casa, uma casa habitada por três crianças, dois adultos à nora, e dois gatos. Perco o mínimo de tempo possível nas tarefas domésticas, portanto a casa é quase uma espelunca, não só por lhe dedicarmos pouco tempo, mas também porque tem problemas de infiltração de água. Passo, por isso, os meus dias num sítio que não me agrada minimamente e para a semana tenho gente aqui em casa a escavacar paredes, ou seja isto tende a piorar.
O que vale é que a Primavera vem a caminho.

Canseira

26.2.14
Já abri esta caixa de texto umas dezenas de vezes. É estranha esta relação que se cria com a escrita num blog  (a Dora deve ter algumas teorias interessantes sobre isso).
Uma pessoa vem aqui despejar coisas, arrumar ideias, etc., mas dá por si a precisar de vir aqui, porque tem de escrever ponto final e depois vê que, afinal, não tem nada para dizer.
Sim, há sempre histórias que se podem contar, apesar de eu não ser propriamente boa nisso. Por exemplo, gostava de vos falar da Tina e da Gina, duas amigas que passavam à minha porta quando eu era pequena e que andavam sempre vestidas de igual. Anos mais tarde vi-as reproduzidas na Graça e na Adosinda, outras duas amigas que estudaram na minha turma.
Duas pessoas iguais no meio da multidão pode ser uma história, sim, mas para mim é só uma imagem.
Também há sentimentos que se podem partilhar, e aí sou capaz de o fazer um pouco melhor, mas ainda não descobri como explicar que dei por mim a ter medo dos meus filhos. Se calhar devia deixar os compridos e não me importar de chorar baba e ranho e comer dois pasteis de nata mais oito macarons de uma vez (ah, espera, isso já faço) e atacar os ataques de pânico com desporto e religião, porque andar para aqui em aflições, com medo que uns fiquem tristes por não lhes levar "uma coisa" quando os vou buscar, ou desiludida, a outra, por não se mascarar no Carnaval como gostaria, é uma canseira e uma estupidez.

Ainda o campo versus cidade

20.2.14
Uma pessoa vive sempre nesta dúvida se será melhor educar os filhos na cidade, ou no campo, até ir deitar um deles e desejar-lhe sonhos cor-de-rosa. Ele pergunta: "Cor-de-rosa porquê?" e eu lá acrescento outras cores, acabando por lhe desejar sonhos cor do arco íris. É claro que não foi possível ficar por aí e lá tive de explicar que eu, por exemplo, ia sonhar com um céu azul, um sol amarelo e um campo muito verde, cheio de flores vermelhas e violeta.
"Ah", exclamou ele, como se tivesse percebido tudo de repente, "eu vou sonhar com um passeio e uma estrada e muitos carros na estrada e muitas lojas para comprar candeeiros e o japonês para comprar outra lanterna, que a minha avariou, e móveis para a cozinha que vão para um camião e depois para as casas das pessoas para serem montados"...

Uma história de amor

18.2.14

Estava tão habituada ao espanto que saía comigo da sala de cinema depois de ver um filme de Spike Jonze que desta vez quase fiquei desiludida. Digo quase, porque continua a ser um gajo capaz de surpreender, mas aquela história de amor, não sei, pareceu-me apenas uma história de amor como outra qualquer. Talvez fosse essa a ideia do realizador, já que mostrar um gajo (e que gajo!) apaixonado por um sistema operativo, que por sua vez também se apaixona, tem tudo para ser "anormal", mas a verdade é que parecem apenas dois amantes que vivem em sítios diferentes.
Depois há a solidão, claro. A tecnologia e a solidão (há também a moda estranha de os homens usarem calças de cinta subida, com um cós descido, como se as partes íntimas precisassem de mais espaço), mas há sobretudo uma essência humana captada de forma ímpar e muito presente nos diálogos entre Theodore e Amy (fizeram-me lembrar a Miranda July). E há ainda a música, essa sublime forma de arte que acompanhará o ser humano até ao fim dos tempos.

A seguir ao cinema correu tudo mal, ao ponto de me apetecer sentar a um canto a chorar como os desenhos animados japoneses. Por isso, não volto ao cinema à hora do almoço.

Para mim, planear é contranatural

17.2.14
Depois de orientar as crianças e de as ver sair porta fora olhei à minha volta, com a nossa cama, que é só um colchão, logo ali ao lado ainda quente, e disse a mim própria: "não minha menina, hoje, vais-te mexer, vais escolher uma roupa, em vez de vestires o que anda espalhado por aí, vais tomar banho e hidratar a pele. Depois, sais para um café e acabar de ler a Actual e, se a manhã de trabalho render, pode ser que ainda consigas ir ver o filme de um dos teus realizadores fetiche".
Só que, obviamente, tinha eu acabado de ensaboar o cabelo, quando toca o telefone. Era o Jaime a dizer que ia voltar para trás, porque o Nicolau tinha vomitado o carro todo. Portanto, uma parte da manhã, que poderia ter sido muito proveitosa, foi passada a limpar vomitado da cadeirinha do carro e a lavar roupa vomitada.
Se eu fosse uma dessas pessoas muito positivas tinha visto nisto um contratempo, que é uma coisa que acontece a todos, mas como sou apenas...eu, vi nisto a coisa mais normal do mundo. Os putos vomitam bastante, sobretudo quando estão com tosse, é um facto. Logo, mais vale não me andar a dar recados parvos. Hidratar a pele, ahahahahahahahahaha...

Porto

13.2.14
Foto de Carolina Mendonça

Nas últimas semanas/meses, tenho passado grande parte do meu tempo em casa. Metida em casa. Fechada em casa. Dei por mim a aquecer café, porque não me apetecia descer. Pior, dei por mim a beber iogurtes ao pequeno-almoço, porque não tinha leite e sair para comprar, nem pensar. Quem me conhece sabe o quanto isto é grave, porque o leite com café e o pão com manteiga, ao pequeno-almoço, estão para mim como as ondas para os surfistas.
Mesmo assim, só me preocupei quando me apercebi que começava a suar e a ficar com taquicardia antes de sair de casa para ir apanhar os meninos. Pensei, pronto, estás mesmo toda fodida, amiga.
Acontece que esta semana tive de vir ao Porto e aqui, no melhor destino da Europa, sabem quanto tempo passo em casa? Nenhum, se não contarmos as horas de sono. Bendita cidade! Por falar nisso, espreitem aqui os sítios preferidos do Porto de certas e determinadas pessoas.

Temos uns problemas

10.2.14
Temos cogumelos nas paredes do quarto - as infiltrações continuam, apesar das obras. Temos insónias, os dois, mas em dias diferentes, porque parece que o nosso sistema sabe que um de nós precisa de estar a funcionar. Ou seja, temos problemas. Mas não são destes que quero falar, aliás, quando muito estes são consequências de outros problemas, tais como o triplo mortal no trapézio, sem rede, que decidimos arriscar, que é o mesmo que dizer decidir ficar sem nenhum salário fixo ao fim do mês.
Tudo bem, o SNS é o nosso único sistema de saúde há algum tempo. A escola pública idem. Ficaremos sem carro, mas temos pernas e transportes públicos. Só que, mesmo assim, precisamos de um rendimento mensal, porque as demais despesas (renda, luz, água, gás...) são mensais, portanto é aqui que entra o problema. Bem, na verdade temos três problemas:
Problema 1- Estamos tremendamente insatisfeitos com a nossa vida, ambos deprimidos e um de nós a sofrer de burn out.
Problema 2- Decidimos mudar de vida de uma vez por todas, mesmo sem ter encontrado uma alternativa viável.
Problema 3- Ter de viver os próximos meses com os dois anteriores.
Mas lá diz o ditado: Se tens um problema resolve-o. Se não tem resolução não é um problema.

Notas para mim própria

8.2.14
Quando fores entrevistada pela televisão:

1-pinta-te;
2-escolhe uma roupa que não te faça parecer grávida de 42 semanas;
3-lembra-te de endireitar os óculos;
4-bebe 3,5 copos de vinho antes da entrevista;
5-e, sobretudo, continua a evitar as câmaras o máximo que puderes.

No Quarto das Brincadeiras

4.2.14
Pediram-me uma sugestão para o Quarto das Brincadeiras e eu, claro, aceitei logo, apesar de ser uma mãe bastante preguiçosa no que diz respeito a pensar em actividades para fazer com os miúdos. Normalmente o que faço é incluí-los nas actividades do dia-a-dia e depois o resto inventa-se, como explico no texto.
Vão lá espreitar o site, vale bem a pena!

Quem sabe um dia

3.2.14
É uma pena sentir-me incapaz de escrever cenas com interesse, porque, a sério, a minha vida está cheia de coisas interessantes. Eu é que não sei escrever sobre elas.
Adorava, por exemplo, ser capaz de escrever sobre a dobra do lençol, por cima da coberta, que lhes aconchega o sono.

Uma família moderna

2.2.14
Para não pensarem que a minha família é muito mais moderna do que já pensam (e aqui moderna, em princípio, tem um sentido pejorativo) escuso-me a explicar porque fui dormir para o quarto dos rapazes sozinha, mas uma vez lá juro que ouviu o vento a falar. Era tal e qual os efeitos sonoros de um filme, aquele som do vento. Levantei-me e abri os olhos para ter a certeza que não estava a sonhar e só via pequenos pontos brilhantes espalhados por todo o lado. Pensei como é que caralho tinha ido parar a um filme do Tarantino (este realizador, que está longe de ser o meu preferido, aparentemente vive no meu cérebro), até que me lembrei que os miúdos tinham andado a colar autocolantes que brilham no escuro.
Deitei-me novamente mais descansada, mas o vento não se calou.