Sustento

26.2.16
Os meus seis meses até que tudo esteja nos eixos para depois arranjar um emprego estão a chegar ao fim. Mas agora, com uma viagem marcada para Banguecoque e outra para Portugal, não sei o que parece chegar a uma entrevista e ir logo avisando que estou cheia de entusiasmo para começar a trabalhar mas, sabe como é, já tenho férias marcadas.
Além disso, tenho a certeza que as investigadoras do ISCTE vão sentir a minha falta quando já não responder a mais questionários e, provavelmente, deixarei de ter notícias das minhas amigas de Portugal, já que, tirando uma ou outra excepção, só sei delas se lhes perguntar como vão as coisas. Elas estão lá com as suas vidas e os seus problemas e eu estou cá com o meu unicórnio branco e algodão doce  e rios de tempo  para o Gmail e Game of Thrones (o final da terceira temporada deu cabo de mim).
"Ao contrário de ti não tenho um marido que me sustente", disseram-me no outro dia. Eu ri-me. E depois fui ao dicionário procurar o significado da palavra sustento. Eu gosto sempre de me sustentar nas palavras quando não tenho mais nada. 

Pode acontecer

23.2.16

Quando numa família de cinco quatro ficam doentes a solução é fazer um esquema de tratamentos. Pelo menos foi assim que a Bea, a resistente (ou a única que dorme num quarto que parece uma arca frigorífica e por isso consegue manter os mosquitos mais à distância), entendeu fazer.
É claro que os tratamentos para uma infecção viral, muito provavelmente causada pela picada de um mosquito  e com uma sintomatologia semelhante à do dengue, são simples: descanso, beber muita água e tomar paracetamol, enquanto se agoniza com dores insuportáveis.
Felizmente, passados três dias, esse número mágico, a vida volta ao corpo, uma pessoa consegue caminhar novamente e fica com a sensação de que vive num sítio onde podem acontecer coisas mesmo muito estranhas.
Pode acontecer de os cães a ganir e os porcos a guinchar já não nos afectarem. Ou pode acontecer ver uma mulher com duas cabeças,  na rua da mesquita, e achar perfeitamente natural (obviamente eram duas mulheres, mas só se via o corpo de uma e, por breves instantes, achei mesmo que se tratava de uma pessoa bicéfala). Ou pode acontecer sair da cama para ir comer ananás. Também pode acontecer cair um kulu e furar o telhado. Ou sair do banho e ser atacada pelas formigas minúsculas metidas no felpo da toalha. Tanto pode, que acaba mesmo por acontecer.

Desequilíbrios

15.2.16

Cheguei a casa, saí do carro e fui abrir o portão. O segurança dormia tão profundamente que nem acordou. Tenho uma certa admiração pelas pessoas que se deitam e adormecem em qualquer lado, sem se preocuparem que um pássaro lhes cague em cima, ou que uma cobra lhes rasteje pelo corpo.
Fui a correr para a casa de banho por causa de um distúrbio intestinal e fiquei a pensar (não levei o telemóvel para fazer scroll down no facebook) que não deixa de ser curioso que o meu corpo entre nesta espécie de falência quando mais cuido dele.
Faz parte do processo de limpeza, parece.
Pensar nisto, escrever isto, quotidianizar isto é aborrecido, mas as melhoras físicas e emocionais são evidentes. 
O segurança está a limpar o suor do rosto, neste momento. Tem um trabalho que talvez lhe permita jantar nos próximos dias, enquanto eu estou preocupada com o equilíbrio dos diferentes planos da existência. 
Comovo-me com o gesto mas volto rapidamente aos meus pensamentos sobre "O Erro de Descartes" que afinal já não me apetece ler, a distância a que estou de uma exposição de arte contemporânea, o "Revenant" que ainda não fui ver, porque só há uma sessão por dia, às 13h00. 
Eu diria que há aqui um claro desfasamento entre o plano mental e os outros. 
Vou comer seis colheres de sopa de iogurte grego com um punhado de framboesas.

Puzzle

10.2.16

Alguém dizia que aqui em Timor, quando as coisas correm bem, corre tudo bem, mas quando correm mal, correm mesmo muito mal. Poder-se-ia pensar que é igual a outros sítios, mas não é bem assim. A dor de cabeça que costuma ser lidar com um pequeno acidente, um mal entendido ou um problema de saúde, por exemplo, aqui pode virar uma grande tragédia.
Também me explicaram que não vale a pena tentar perceber os timorenses, que é como montar um puzzle e ele desfazer-se quando estamos quase a encaixar a última peça. Depois, é preciso montar tudo de novo, só que já não é esse mesmo puzzle, já é outro completamente diferente.
Pois bem, tivemos a oportunidade de o comprovar numa experiência menos boa e fiquei com a certeza de que estou a anos luz de conseguir juntar qualquer puzzle que seja. Terei de me conformar com a ideia de olhar para Timor como se houvesse uma cortina entre nós. 

Querido diário

5.2.16
É sexta-feira, quase hora de almoço. Daqui a pouco mais de meia hora os rapazes chegarão da escola, com as suas fardas de Carnaval, e sentar-nos-emos todos à mesa a comer sopa e arroz de tamboril (não imaginas a felicidade que é uma pessoa chegar à secção de congelados de um supermercado e encontrar tamboril e peixe espada e castanhas!)
Ontem consultei uma nutricionista pela primeira vez na minha vida. É verdade, tenho-me visto em situações muito inesperadas sem compreender exactamente como cheguei até elas. O reiki é um exemplo disso mesmo, mas não sei, ainda, como escrever sobre isso. 
A nutricionista fez-me um plano alimentar do qual excluiu o vinho e eu achei que ao jantar devia beber todo o vinho que conseguisse em jeito de despedida. Como vês sou uma pessoa muito equilibrada. 
Diz que o caminho para uma vida mais feliz passa por uma vida mais saudável. Eu acho difícil perceber como é que se pode ser feliz a comer salada sem temperos, para compensar a quantidade de azeite que a Ana pôs na sopa, mas o mundo está cheio de mistérios, parece. Ainda por cima a sopa também tem batata. Vou ter de arrumar o arroz e comer só o tamboril. Pronto,  já estou cheia de fome.
Enfim, devia estar a escrever sobre outra coisa qualquer.
Por exemplo, as crianças já têm actividades extra-curriculares: natação e judo. Ou seja, já somos desses pais normais que têm de andar com os miúdos de um lado para o outro. O que vale é que aqui é bastante normal ter-se um motorista.
E agora, neste exacto momento, lembrei-me de um post que escrevi no outro dia, isto é, há mais de três anos, sobre a vida que eu quero. Tu queres ver?
Entretanto, vi que os filmes "The Revenent" e "The Danish Girl" estão na salas de cinema e fiquei contente. Não tanto como no supermercado, mas ainda assim contente.