Acordo quando o sol nasce, porque a janela do quarto da casa nova está ali ao lado da cabeceira da cama.
Já não devia estranhar mais uma casa (só em Lisboa é a sexta), mas também já devia saber que o nomadismo é só uma parte de mim. A outra, a do pouso fixo com os caminhos para a escola decorados pelas crianças, com vizinhos que oferecem limões, com trajectos e números de autocarros sabidos de cor e salteado e com os amigos de sempre à mão é, em ocasiões, muito apelativa. Só que há sempre qualquer coisa, às vezes muito boa, às vezes má, que nos impele a mudar.
Desta vez foi uma circunstância inesperada e repentina (como seria de esperar das circunstâcias inesperadas) e, portanto, eis-me aqui numa outra casa nova.
As casas são o que sabemos. Paredes com circulação sanguínea, abrigos e prisões ao mesmo tempo.
Por estar nesta casa, uso muitas vezes a estação de metro de Santa Apolónia, o que me permite passar pelos comboios, apesar de a minha filha não perceber o que me leva a dar uma volta tão grande quando posso passar por baixo deles e diminuir a distância do acesso ao metro. Mas é irresistível para mim. E sempre que há algum comboio prestes a partir sinto o impulso de entrar, como Ora fazia nos autocarros, num bairro de Jerusalém.
Ora é uma pessoa inventada por David Grossman mas para mim é praticamente real. Quase tanto como Gomes Leal, que encontrei numa das minhas deambulações pela cidade.
Foi numa destas manhãs em que fui andando sem destino. Vi um cemitério e entrei. Na entrada dizia Cemitério Oriental da Cidade e quando vi a quantidade de ruas ladeadas por jazigos e toda aquela arquitectura de monumentos fúnebres fiquei bastante pasmada.
E foi nesse estado que me cruzei com o túmulo do Gomes Leal. Estava a decorrer uma visita e o guia dizia qualquer coisa sobre Fernando Pessoa e que Gomes Leal era um menino da mamã. Devia ter ficado a ouvir, mas como eram poucas pessoas e a minha intrusão seria notada, além de que estava a decorrer um funeral perto, deixei de saber como estar ali. Saí e voltei para casa.