Num daqueles raros momentos de lucidez acabei por perceber que tenho de aceitar aquilo que sou (ponto). Se até a minha médica quase se riu da "questão glúten", quer dizer, que mais posso fazer? É bem verdade que ciclicamente procuro justificações para a minha supostamente inexplicável "infelicidade", e depois? Faz parte de mim, mais vale viver com isso.
Eu sou a gaja que chora a ver um episódio do "Anatomia de Grey" e que fica fascinada com as questões da linguagem, como a que o poeta Yves Bonnefoy* descreve, ou Thomas Walgrave* revela.
Sou a gaja que tem horror ao telefone e aos supermercados e que adora conversar e ver coisas bonitas.
Que se aborrece atrozmente enquanto não é surpreendida por um campo de milho, uma exposição, um beijo na nuca, um convite inesperado.
Sou a gaja que não pára: "[06-05-2014 13:55:30] Jaime Xavier: céus Calita
[06-05-2014 13:55:36] Jaime Xavier: tu não páras
[06-05-2014 13:56:58] Jaime Xavier: IRS, blogue, banco, psiquiatra no Porto, medicação da médica de família, Lifecooler, costura e agora psicóloga, depois de compras de bicicleta no Pingo Doce. Entre vinho e aborrecimento da vida doméstica e oposição ao amante. Um furacão tu". E sou a gaja que dorme, dorme, dorme,dorme.
A que tem manias de grandeza embrulhadas no papel de celofane que é a minha baixa auto-estima.
A que bebe mais do que deveria.
Sou a gaja que nem sempre coabita harmoniosamente com a maternidade.
Sou a que nunca está bem e só quer estar bem.
É, mais vale viver com isso e conseguir estar bem mais vezes.
* O poeta francês descreveu a língua inglesa como um "espelho" e a francesa como uma "esfera".
**Numa entrevista o director artístico explicou que fez parte de uma equipa que arranjou um método para ensinar geometria a uma comunidade de índios Navajo do Arizona , Novo México. Ninguém percebia porque é que os alunos não conseguiam tirar boas notas a essa disciplina e a conclusão a que chegaram é que era a uma questão de tradução. A língua dos Navajos só tem verbos, ou seja tudo é descrito em termos de processo. Uma montanha não é um objecto é um processo em construção, ou desconstrução. Walgrave deu ainda o exemplo de que de um copo vermelho diz-se que é
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