Falta de ar

29.5.19
Nos dias de lucidez, que não são assim tantos, porque mesmo não estando sob efeito do poderoso analgésico dos assalariados tenho as mesmas preocupações da grande maioria dos seres humanos: alimentar os filhos, mantê-los saudáveis e instruídos, lavar e secar a roupa, acompanhar uma das séries do momento e salvar o planeta. Nesses dias, dizia, reparo como o mundo é simples.
Acontece-me reparar nisso em situações inusitadas, por exemplo, com a chávena de café, acabado de moer, nas mãos e o sabor e o aroma de Timor a despertarem sentidos que nem sabia que tinha, ou a olhar para as voltas da máquina de lavar com papeis, que hão-de ter saído de um dos bolsos de umas das calças, colados no vidro. 
É como se ficasse hipnotizada por instantes e visse o mundo tal como é: um magnífico acaso. O que me lembra uma das frases que sublinhei n'O Cisne Negro, e que é bastante apropriada a esta fase em que me falta o ar tantas vezes: ''Esquecemos rapidamente que o simples facto de estarmos vivos já é um extraordinário rasgo de boa sorte, um acontecimento remoto, uma ocorrência casual de proporções descomunais. Imagine um grão de pó ao lado de um planeta mil milhões de vezes maior do que a Terra. Esse grão de pó representa as probabilidades favoráveis ao seu nascimento; o enorme planeta seriam as probabilidades contra. Por isso pare de suar por coisas pequenas. Não seja como o ingrato que recebeu um castelo de presente e ficou preocupado com o bolor da casa de banho.''

Diários

14.5.19
Por falar em memória, no livro que estou a ler esbarrei nesta frase: ''A memória acredita antes que as recordações surjam. Acredita mais tempo do que as recordações, mais tempo que as lembranças, por mais espantosas que sejam'' (da edição Livros do Brasil). Não tenho a certeza do que quer dizer mas, além da coincidência, pareceu-me importante.
E por falar em coincidências, li um artigo sobre uma viagem por aquela que será a rota marítima mais perigosa do mundo, ou seja, o Estreito de Magalhães. Quando comecei a ler não associei logo o Strait of Magellan à passagem marítima descoberta pelo navegador português, mas assim que percebi fui reler algumas coisas sobre a circum-navegação de Fernão de Magalhães (nota-se muito que História sempre foi uma das minhas disciplinas preferidas?). Pouco depois entrei numa livraria para fazer tempo antes de um encontro e o primeiro livro que me saltou à vista foi qual? O Diário de Fernão de Magalhães, claro. Mesmo tendo prometido a minha mesma que não ia comprar nada, ia só ver, tive de o trazer. Não resisto a Diários. 

Finais felizes

9.5.19

Estava a ouvir a Regina Pessoa no Curtas à Quarta (dá na TVCine 2) de ontem e espantei-me por ver tão presente a conversa que tivemos há uns anos, a propósito de um trabalho para o JN.
Sei que na altura fiquei maravilhada por conhecê-la e intrigada com a timidez e a forma como tentava explicar o universo dos desenhos que fazia, mas não tinha noção que me tinha marcado tanto.
É verdade que ultimamente ando muito interessada na memória, nas informações que o nosso cérebro retém e nas que esquece, mas não foi por isso que quis rever o História Trágica com Final Feliz. Foi porque quero muito continuar a acreditar em finais felizes.

For the record

1.5.19
Aos primeiros minutos do primeiro dia de Maio de 2019, pus uma folha de alface na gaiola do grilo de estimação do Nicolau, confirmei que a gata ainda respira e afoguei as formigas que trepavam o frasco de mel.
Isto depois de ter visto o Rei dos Mortos morrer (que belo pleonasmo) no GoT.
Parece-me haver aqui uma relação de causalidade que ainda não entendi bem.

P.S. Entretanto, estive várias horas a pensar se devia mudar o título, ou escrever este post scriptum sobre não me importar mais com o uso de expressões em inglês.