Do Camboja com amor*

13.5.15
A Carla respondeu às minhas perguntas. Digam lá se não é uma gaja fácil de se gostar?

Estou na praia agora e não fiz a depilação, Calita, não me lembrei disso. Verdade que é uma praia quase deserta...
Mas não sou a pessoa certa para falar sobre estes assuntos. Não tens nada a aprender comigo. Fui uma vez à depiladora,quando tinha uns vinte anos – que raio de emprego – e saí de lá com meia perna com cera. Que deixasse, eu pagaria as duas pernas, mas arrancar aquilo à força uma segunda vez é que nem pensar. Nunca fui muito resistente à dor. Principalmente à dor gratuita que se tem que pagar.
Acho que não sou muito metrossexual como mulher. Mas às vezes, rapo com gilette de homem, que as cor de rosas são mais caras e eu nem sequer gosto da cor. Oh, eu sei, nada disto é muito glamour.

Não caguei para as fichas dos miúdos. Acho até que estou a gostar disto. Quem diria? Temos o programa e vamos fazendo exercícios que a directora da escola nos deu e inventamos outros que ligam a volta ao mundo à escola. Não estudamos todos os dias, nem a horas definidas, não temos rotinas. Mas vamos trabalhando tão regularmente quanto possível.
E gosto. E isto da-me ideias, mas não, não, para o ano vão para a escola. Os meus filhos explicaram-me que os recreios são muito importantes para eles. Estou muito longe de ainda ser a "mãe que capotou" : isso é tão 2010. :)

Viver os quatro sempre juntos 24 sobre 24 horas é pacífico. Não somos muito conflituosos. Calha às vezes estarmos a atravessar uma estrada sem semáforos, que mais parece uma autoestrada, mas com todos os sentidos possíveis, com crianças e malas e sol e calor e poeira e uma frase é mal interpretada, e gera-se ali um clima de irritação. Mas depois vamos para a sombra num passeio e esclarecemos o equívoco. Ninguém quer arranjar problemas com a polícia. Com a excepção do meu filho quando tem sono. Godammet !

Tinhas-me também perguntado pela roupa. Há sempre lavandarias em todo o lado e não são a preços exorbitantes como na Europa. O único problema foi na Índia. Uma vez pedimos numa guesthouse para nos lavarem a roupa e depois descobrimos que não tinham máquinas e que foi uma mulher que a lavou à mão. Não me sinto confortável com roupa lavada à mão por outras pessoas. Existem de resto muitos serviços pagos que não percebo, agora está ali um senhor a ser massajado por uma senhora massagista. Uma massagem doce, pediu. Não percebo. De maneira que lavávamos a roupa, quando era autorizado nos sítios em que dormíamos. Não cheirámos sempre a rosas na Índia.

Caraças tantas perguntas. :)

Tive medo na Bolívia, que é dos países mais seguros e simpáticos que visitei. Tive medo na estrada da morte, pensei mesmo durante várias horaaaas que o autocarro ia pela falésia abaixo. E tive medo (mas menos) quando viemos de barco da ilha do Sol para Copacabana. Era o dia das eleições e os barcos estavam proibidos de circular, um chico esperto disse que ia fazer o trajecto mesmo assim e outros chicos espertos disseram que era boa ideia. 5 desses espertos éramos nós. O pior é que o barco devia dar para umas 20 pessoas e havia uns 100 desses chicos. Ouvi a tripulação (3 homens) a discutir se era sensato ou não e sem entrarem em acordo um lançou o barco e fomos andando. No meio ficámos sem gasolina. Foi um momento muito bonito, como deves calcular. Mas o lago é pacifico e eu, no meio do meu filme de terror, contei com a decência das pessoas no caso de naufrágio. Iam deixar pelo menos dois coletes de salvamento para as crianças, certo ? Glup.

Nunca me apeteceu voltar para casa, mas apeteceu-me várias vezes sair de um sítio. Ou alterar o itinerário. Ou ficar no quarto a relaxar/morrer durante o dia inteiro.

Gostava de viver sempre assim, sim. Acho que sim. Fazia umas férias de vez em quando para vos visitar.

Apaixonei-me milhentas vezes. Desiludi-me poucas. A maior parte dos dias que não gostei foram dias de trânsito em que tivemos que parar entre um sítio e outro.

Nunca me embebedei a sério nesta viagem. Para dizer a verdade, a ultima vez que me embebedei a sério tinha 17 anos.

Faço muitos planos para o futuro, sou muito péssima no viver aqui e agora. Mas vou aproveitando o que estou a viver. Apenas quero assegurar-me que isto não é uma experiência pontual e que depois fica tudo na mesma. Não deixo nunca a vida acontecer como a Helena, não sou nada Zen. Eu sei que tudo o que me deu gozo fazer, tudo o que foi realmente importante, teve que ser feito um bocado à bruta, quase sempre contra muitos. Se eu me tivesse deixado levar pela vida a acontecer como ela (a vida) queria, estaria agora ainda num emprego em Lisboa, ou no desemprego, a pensar em dietas e em ficar magra (beijinhos, beijinhos), nunca teria ido viver em Paris com um namorado de Verão. Quanto a esta volta ao mundo, garanto-te que não eram esses os planos que a vida tinha para mim. Estragou-me os planos umas três vezes.The bitch !

Se tiveres mais perguntas, diz esta semana, que estamos numa de praia e descanso (e eu detesto praia e descanso - os sacrifícios que faço pelos meus filhos...).

Beijinhos

*Acho que é do Camboja, não tenho a certeza

8 comentários:

  1. Muito fácil gostar dela, sim.

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  2. Pronto, vou linkar para o meu marido. Ele ainda não percebeu as indirectas, pode ser que com este argumento do fazer as coisas à bruta ele se convença.

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  3. Protesto! A vida a acontecer é ir atrás de um namorado para Paris (ou Alemanha...)
    Aceitar os desafios de cada momento, em vez de fazer planos rígidos ou estabelecer objectivos que têm de ser cumpridos.

    Gostei imenso de saber tudo isso. Calita, pergunta mais! :)

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    1. Então percebi mal. Acho que interpretei "a vida a acontecer" como se fosse um "a vida resolve-se sozinha" que é o maior disparate que encontrei numa esquina.
      A vida é complicada e muitas vezes os desafios que nos apetecem não aparecem nunca. Gosto muito de fazer planos a longo prazo e ir procurando soluções para chegar ao objectivo final.
      E às vezes, até gosto de ser rigida e ir contra tudo e todos.
      Acho que percebo o que queres dizer com o aceitar desafios, e tenho tido muitas surpresas boas. Mas o prazer de se ver um objectivo antigo ser realizado é outra coisa.

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    2. Ah ! E encntrei algumas coisas que nunca pensaria encontrar (estou a gostar de responder a perguntas, tenho que tentar aqueles quizzs d facebook, estou a ver), mas o mais inacreditavel que vi até agora foi no sul do Chile : o ventisqueiro colgante. Se tivesse visto aquilo num filme teria dito que tinham exagerado nos efeitos especiais.

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    3. Tenho a sensação que nos perdemos pelo meio das palavras que usamos.
      Em todo o caso, não faço planos de longo prazo. Atiro-me de cabeça para coisas que no momento anterior nem sonharia fazer. Por exemplo, o filme sobre os arménios: quando o Ricardo me telefonou a perguntar se eu queria fazer o filme, disse que sim. Ele insistiu várias vezes "já estavas a contar com isso, não estavas?" e eu respondi sempre, honestamente, que não. Nem me tinha passado pela cabeça.
      Ou a educação dos filhos: tantos pais que sabem exactamente que valores lhes querem inculcar, e como. Eu limitei-me a ir sendo quem vou sendo, e a deixar-me interpelar pelos momentos como oportunidade de me questionar a mim e nos questionarmos juntos.

      (Não sei se este atirar-se de cabeça e andar aqui sem grandes planos é uma virtude. :) )

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  4. confesso que pensei que já tinham mandado as fichas ás urtigas...e também pensei que o regresso fosse um assunto que pudesse tirar sono...também já desejei que essa viagem nunca terminasse....se ainda por cima todos se entendem ( já imagino que também encontrem tempo e lugar para fazer o Amor), então , só tornas as coisas mais difíceis para mim... Pela simplicidade como estás(ão) a viver não só a viagem, como a vida. Pelos vistos a minha vida não está a acontecer...( e é isso que me está a deitar por terra) . beijos

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