Cartas da Póvoa #4

5.9.23

Querida Bea,

Acho que tens razão, não faz muito sentido estar a olhar para trás, para as cartas que ficaram sem resposta. Mais vale falarmos da nossa vida de agora, mesmo que estejemos a uma hora e pouco de distância, de metro. Olha, e é mesmo por aí que vou começar. Quando me disseste que não tens qualquer vontade de tirar a carta de condução, fiquei a pensar se terei sido um bom exemplo, já que eu não conduzo. É óbvio que é uma decisão lógica da tua parte, e o planeta dispensa mais carros a circular, mas eu vi-te logo a levar com os mesmos olhares incrédulos e trocistas que costumam dirigir-me e fiquei com aquele nó no estômago, que é como se fosse um murro, mas de dentro para fora. Há anos que ando a levar esses murros. Sempre a temer que tu e os teus irmão sejam julgados, mal julgados. O Jaime diz-me muitas vezes que eu não posso estar sempre a pôr-me no teu lugar, que é impossível, que somos pessoas diferentes. Mas que culpa tenho eu de sentir as vossas dores como se fossem minhas? É claro que só posso sentir as dores que reconheço, por isso serão sempre as minhas dores, mas acho que estou no bom caminho para mudar isso, até porque aqui na Póvoa já existe uma Nossa Senhora das Dores (a festa começa já no dia 14, é boa para comprar louça, mas não se compara a outros tempos).

Mudando de assunto, já terminei o Emily L., gostei muito, mas não consegui deixar de pensar no que terei visto na escrita da Duras, quando a li pela primeira vez, aos 16,17 anos, que me deixou tão absolutamente rendida. Acho que era por ser diferente de tudo o que tinha lido até então, não sei. E lembro-me de ler O Amante e estar sempre a dizer, ''a mãe dela é igual à minha'', ''é a minha mãe''. Estou muito curiosa para saber a tua opinião, quando fizermos a troca de livros. Em relação aos sublinhados e comentários, não tenho a certeza de ter cumprido o que pretendias, destaquei aquilo que fazia sentido para mim, logo me dirás o que te pareceu. Achas que terminas o teu antes de irmos de férias?

Só de pensar que antes disso ainda temos o início do ano lectivo...houve um tempo em que Setembro era só isso, o regresso às aulas, e era um tempo cheio de expectativa, de alegria. Agora que penso nisso, ao longo de toda a minha vida, entre os meus anos de escola e os vossos, só tive meia dúzia de anos sem horários escolares!! Fiquei varada, agora! Enfim, dizia que houve um tempo em que esta altura era vivida com um certo entusiasmo, e ansiedade, claro, mas agora é um enjôo que não tem expliação. Ou talvez tenha, mas nem me apetece pensar nisso. 

Pronto, vou ficar por aqui. Conta-me coisas, se não escreveres antes, depois de Bilbao vais ter, de certeza, muito que contar. 

Beijo grande, minha querida

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