Na camioneta

13.10.23

Há várias razões para usar os transportes públicos, desde logo este clima tropical no Outono a fazer-nos temer o que já se sabe há muito tempo, mas aquilo de que mais gosto no meu percurso habitual do último ano (sim, a casa ainda está em obras) é ouvir as conversas entre os passageiros, normalmente senhoras idosas, e o motorista. Além de achar fascinante como todos se conhecem e falam uns dos outros, acontece de assistirmos a conversas sobre assuntos na ordem do dia que funcionam, muitas vezes, como um balão de ar no meio desta turbidez. Ler a conversa não tem o mesmo efeito que ouvi-la naquele contexto, mas deixo-a aqui para memória futura.

Foi em Terroso que a senhora, que teria entre 70 e 80 anos, entrou na camioneta (diferente de autocarro, apesar de cumprir a mesma função) e sentou-se no banco da frente. A conversa começou, como não poderia deixar de ser, pelo tempo e foi por ali fora.

Passageira: Está um tempo que nem no Verão

Motorista: É, nem sequer há nortada!

P: Está mesmo muito bom!

(silêncio)

P: Parece que temos mais uma guerra

M: O quê, na Palestina? Aquilo ali esteve sempre em guerra

P: Pois, mas parece que agora está ruim. É uma pena. É tão bonito...

M:  Esteve lá?

P: Estive, há uns anos. É um povo tão feliz, sempre a cantar!

M: A cantar?

P: Sim, aqueles cânticos que se ouvem nos altifalantes, estão todo o dia naquilo. Nós fomos ver Jerusalem, as catedrais...era cada uma mais bonita! Os padres levavam os filhos...

M: Os padres lá têm filhos?

P: Têm. E mulheres

M: Aqui também deviam ter. Os homens lá usam vestidos, não é?

P: É, ou pelo menos era, agora não sei. A gente vê na televisão eles a falar e estão vestidos com fatos como os daqui, menos o que manda, o... Ramon não sei quê... não me lembro do nome... Também vimos o Mar Morto

M: O Mar Morto é para aqueles lados?

P: É. E atravessamos o deserto para ir a Telaviv. Era tanto pó!!

M: E havia estradas no deserto?

P: Não, havia um caminho por onde passavam os carros e a camioneta onde nós íamos, mas não eram estradas como esta.

M: Há quantos anos é que foi lá?

P: (depois de pensar um bom bocado) Há uns 40 anos. Foram daqui duas camionetas, uma do Porto e outra de Lisboa. Nós fomos na que saiu de Lisboa. O guia era espanhol.

M: Ah, agora deve haver estradas

P: Não sei, agora deve estar tudo destruído.