Para mim, aos nove anos*

23.6.12
Miúda, eu sei que não percebes o que sentes. Que não sabes como dizer às outras pessoas que não és daí, que parece que nasceste no sítio errado. Eu sei que não tens como dizer à tua professora que não queres segurar na mão da Guilhermina, para ela lhe dar reguadas e, acredita, a culpa não é tua, é dessa atrasada mental, com a idade da tua mãe, que devia saber que essas crianças já levam porrada suficiente fora da escola.
Não sei se te devia dizer isto, mas o irmão da Guilhermina vai espetar-lhe uma faca nas costas daqui a uns anos e ela vai sobreviver. Tu sabes que ela é uma sobrevivente e tem uma dignidade que a tua professora não tem. 
Também sei que gostavas de perceber muitas outras coisas, mas vais ter tempo para isso. A sério, não queiras compreender tudo, conhecer tudo, e, sobretudo, não desprezes o que tens. Eu sei que é pouco, comparativamente com o que toda a gente que conheces tem, mas as comparações, vais ver, são coisas ridículas de se fazer. 
E, não, não vais ser freira. Vais questionar a tua religião, um dia, vais abandoná-la, mas não vais conseguir deixar de ter fé, apesar de não saberes bem em quê. 
Acima de tudo, e isto é mesmo muito importante, abraça o teu pai. Abraça muitas, muitas vezes o teu pai. Diz-lhe que gostas muito dele e que é o melhor pai do mundo. Daqui a três anos e pouco ele vai a Fátima com algumas pessoas da família. Despede-te dele. 

Da tua sempre, 
Eu adulta

* copiadíssimo daqui

6 comentários:

  1. Já trocámos beijos na net, mesmo na boca, mas agora o que me apetece mesmo é dar um grande abraço à Calita de 9 anos (e à Guilhermina).
    E furar os pneus dessa professora.
    Os CTTs deviam fazer um serviço mais completo, muitas vidas seriam melhores.

    PS : O meu comentário, sou eu a armar-me em forte, mas apetece-me chorar depois de ler esta carta, se queres saber a verdade.

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  2. Esta carta e a "original" são comoventes e autênticas, mas quando as li lembrei-me não da minha (também) pouco recomendável professora da 2.ª e 3.ª classes, mas de quando tinha uns 11 ou 12 anos e andava a pé na Rua de Cedofeita, e num passe mágico percebi que a minha consciência-vontade era autónoma e poderosa - ela estava muito para além de todos os buracos negros que acumulara até ali. É preciso sacudir com força as pedras, porque quanto maior o buraco maior a pedra: e é realmente uma pena, além de buracos, carregar pedras.

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  3. tão bonito. não consigo dizer mais...

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  4. Raios, mas tu vais sempre saber dizer tudo assim com tiros de metralhadora e fazer-nos chorar, pelas razões pelas quais se deve efectivamente chorar.

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  5. Poça. Estás a ficar cada vez melhor... Bom mesmo.
    Andreia M.

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  6. prontoSS. Já chorei. Não se faz, pá!

    Carla

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