É simples: poupem vocês

3.11.11
Na década de 70 tomávamos banho numa bacia verde com água aquecida no fogão a lenha. O meu pai emigrou. E lá em casa: "É preciso poupar" e "Nascemos para sofrer". Na década de 80 comemos iogurtes pela primeira vez, a minha mãe abriu um mini-mercado e o meu pai morreu.  E lá em casa: "É preciso poupar" e "Nascemos para sofrer". Na década de 90 fui para a universidade, privada, porque não consegui entrar na pública, mas antes disso trabalhei durante um ano para pagar as propinas. E lá em casa: "É preciso poupar" e "Nascemos para sofrer". Na década de 10 veio o primeiro contrato de trabalho, o primeiro filho, a casa, os recibos verdes outra vez. E lá em casa: "Quem me dera poupar". Na década de 11 veio a Troika e o mundo diz  "É preciso poupar".
E eu nunca soube poupar. É verdade que sempre escrevi no verso das folhas como o sr. ministro Paulo Portas, mas nem sabia que isso era poupar. 
Nunca soube poupar, dizia, e garanto que não é agora que vou começar. Se não se importam poupem vocês, sim? os que sempre viveram à grande e à francesa (ou à alemã, que é capaz de ser mais factual) à custa dos que tiveram que poupar a vida toda.

10 comentários:

  1. Lá em casa era quase igual, só que a bacia era vermelha e a minha mãe nunca disse que tínhamos nascido para sofrer, embora tivéssemos que rezar a Salvé Rainha, o que vai dar ao mesmo. A minha família sempre poupou, era para nós algo diário e inquestionável, como comer bacalhau no Natal.

    Dora

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  2. fogo, eu era mesmo fina. nunca tomei banho de bacia. mas lá em casa o lema era mais o: não se esbanjava que tinha de dar para muitos e para muita coisa.

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  3. Eu gosto é do Cavaco a pregar que "as pessoas têm de deixar de viver acima das suas possibilidades". Como se ele, que ainda há um ano fez campanha a dizer que a sua "senhora" (SIC) trabalhou a vida toda para uma reforma de miséria (tipo 1000 e tal euros), soubesse como vivem as pessoas reais - e que há quem não viva nem acima nem abaixo, porque não tem possibilidades nenhumas.
    Mas olha, a verdade é que estou borrada de medo e comecei a (tentar) poupar.
    Inês

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  4. Bem, por onde comecar ? Nos anos 70 ate 2000 meus pais nunca pouparam mas pequenas que eramos vimos muitos sacrificios e pessoalmente sempre poupei para nao fazer passar tantos sacrificios aos meus filhos. Quando era pequenina, nunca sofri e nao me lembro ter passado fome. E verdade que comiamos pouca carne mas sempre tinhamos para encher a barriga. Falo de um tempo que meus pais emigraram em Franca pensando viver a grande e finalmente nao era tao facil. Lembro me da familia que pensava que era o caso e os meus pais que traziam rebucados e chocolates para eles, sem agredicimento e com nos ao lado sem nunca os ter em casa. Porque fizeram isso ? Penso que era com a vergonha porque muito trabalhavam e nunca poupavao, apenas para ir de ferias. E verdade que em Portugal nao tinhamos casa e comiamos em casa de ums e outros era com certeza por isso que elles tinham a sorte de comer doces. Breve, em Franca nao temos troïka ainda e poupou o que posso mas para que ao final ? Tenho casa, Carros, e dinheiro nô banco mas para que ? Da enfancia so me lembro que nao gozei e agora nao sei gozar e posso. Nao falta nada em casa mas compro bastante em casas de velhàrias, compro coisas da minha enfancia e so eu sei que valor tem. Ninguem sabe o que realmente passei durante esses a nos mas fui feliz, nao sempre mas a mayor parte fui feliz.
    Gostava. Gozar do meu dinheiro comprando uma casa em Portugal e viver a minha maneira quero dizer de viver numa aldeia, com quintal e gente boa de volta de mim, a compartir os frutos do quintal com os outros o trocar por o que nao tenho, breve como estao a viver meus pais agora. Mas nao posso olhar para atras sem esquecer que tenho sorte, muita sorte. Gostava mesmo nao ter dinheiro nô banco e ter essa vida que sonho e nao existe a qui em Franca.
    Tenho que dizer tambem que se tenho dinheiro nô banco e porque tenho a sorte de trabalhar huma empressa que me paga 2 subsidios a mais do meu ordenado, e tambem vivi, ao principio da minha vida em moveis velhos e feios, so comprava quando tenha dinheiro, nunca a credito mas sei que algums nao tem possibilidades para comprar de otra manera mas tambem vejo sem poder comprar coisas novas quando nao podem comprar e quando a tantas lojas a vender velhices. Falo disso porque a volta de mim ha gente que faz creditos sem poder com ajuda de bancos pouco inteligentes.

    Desculpa de tanto escrever (e mal) mas o tema e grande e me emeciona bastante. Nao vou ler o que escrevi porque sou capaz de nao deixar nada e espero nao ter magoado ninguem neste tema porque nao e minha vontade. Fasso parte das pessoas que querem viver bem com pouco e sempre ajudo quando posso sem esperar nada de volta, so para aliviarme da culpalibidade que tenho de poder poupar. Ajudei bastante meus pais e familiares quando precisavam e tambem precizei fazer lo para mim.

    Acabei e desculpa otra vez

    C. De Franca

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  5. Essa recordação de tomar banho numa bacia também me é familiar. E para nós era tão normal que ainda hoje não penso nesse hábito como sinal de pobreza. "Era uma coisa muita nossa" :) Eu tenho por hábito poupar, mas tambem não vou entrar em exageros e fazer contas a tudo e mais alguma coisa ... é sufocante esta conversa da crise!

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  6. C. Não precisas de pedir desculpa e muito menos de te sentir culpada por poderes poupar dinheiro que ganhaste a trabalhar. Espero que consigas um dia ter a vida que sonhas.

    É isso, Inês, são afirmações dessas, umas atrás das outras, que me deixam à beira de um ataque de nervos. E, olha, não precisas de ter medo, terás sempre uma malga de caldo e um tecto para dormir se for caso disso. É claro que o mais provável é eu vir a precisar mais do que tu :)

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  7. Tens tanta razão. Só poupa quem alguma vez teve oportunidade de o fazer antes.

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  8. Nao vou dizer como viviamos ou nao viviamos:ninguem tem nada com isso. Sou mais velha,nasci no comeco de da decada de 50 e os meus pais (ambos falecidos) eram classe trabalhadora. Dos q trabalham durante o dia para comer a noite. Enough said.

    Tive os meus filhos em Londres no principio da decada de 80. Tambem nao interessa quantos nem a diferenca de idades. Vivia num council flat em q o elevador nem sempre trabalhava mas as escadas eram frequentemente adornadas com merda de origem variada. Como nao havia computadores nessa altura, ‘tirei-me das minhas tamanquinhas’ e com outras duas fulanas, organizamos uma comissao de moradores e chateamos o council ate conseguirmos o que queriamos.
    Quando podia ia a Portugal.
    Em 1986, Portugal entrou para a EC.
    Nos anos seguintes assisti a um fenomeno curioso: a nossa rua ,onde dantes os putos jogavam a bola, a carica, etc de repente encheu-se de carros dos mais caros. Os filhos dos filhos dos pobre-diabos q la viviam, todos vestidos com roupas caras, ate os mais pequenos, olhavam de soslaio e uma certa inveja os meus que, vestidos com roupa em segunda mao podiam espojar-se no chao a vontade! quando iamos ao ‘Pao de Acucar’, eu via o pessoal a meter para dentro dos carrinhos bons bifes, marisco etc. depois voltava para Londres, ia as compras e via os velhotes a comprarem uma latinha de sopa…

    Ha muitos anos trabalhei em Portugal, numa empresa publica onde havia funcionarios q estavam de parte doente durante meses. Depois iam trabalhar duas semaninhas e voltavam para casa com os seus achaques a fazerem tempo para se reformarem a 100% do ordenado.
    A classe media em Portugal sempre viveu muito bem e nem levantava os olhos da ‘bica’ quando alguem se aproximava a pedir esmola. Os pobres sempre foram e continuam pobres. Os governos das ultimas decados tem sido invariavelmente incompetentes, verbosos, arrogantes e corruptos (mas quem os elege sao voces…)

    Acho q chega.

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  9. Isso do poupar é muito engraçado. Pelo menos para quem nunca poupou. Eu sempre poupei. Só não sabia que o fazia até quando comecei a ler as longas listas das "Dicas para poupar" e me apercebi que a maior parte das dicas eu já cumpria, mesmo sem me aperceber. E no ar ficou a pergunta: então e agora eu poupo onde? Moral da história: estou desgraçadinha pois se não tenho por onde poupar significa que nunca tive a mais. Rais ma partam!

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  10. C de França: obrigada pela franqueza. É preciso mais gente a desmistificar o El Dorado que é a emigração para se esforçarem mais deste lado da fronteira. Toda a gente está convencida que é chegar lá fora e é tudo o paraíso.

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