Ainda hei-de descobrir de onde sou ou onde estou bem

28.7.11
Aqui em casa da minha mãe uns preparam a boda, outros vivem obcecados com o que vamos comer logo, outros trepam e descascam árvores. Há os que quase racham a cabeça, as que pintam os olhos e esticam o cabelo, os que mamam sem parar. Depois há a minha mãe, que não faço a mínima ideia do que anda a fazer, e eu que faço o mesmo de sempre: desespero e exaspero.
Lá fora, há sinos a tocar a dar as horas e quartos de hora; há cães que parecem vadios; há inclinações de cabeça com bons dias e há quanto tempo; há mulheres, sem pescoço e abdomén proeminente, deformadas pelo trabalho e pela vida.
Definitivamente não sou daqui. Que pena!

E se eu inventasse outra mãe para mim?

20.7.11
Eu já vim para aqui falar das minhas hemorróidas, portanto não esperem que eu vá tomar café com as crianças bem vestidas e bem comportadas. Não esperem sequer que vá tomar café. Que tenha bons modos, que sorria feliz e coquete. É que, além de eu ser como sou, estou em casa da minha mãe, que agora decidiu que vai ser engenheira de florestas e diz que no outro dia comprou laranjas falsificadas (segundo ela alguém se deu ao trabalho de colocar uma seringa nas laranjas para lhes retirar o sumo) e que sabe como é que os hackers atacam os computadores. A sério, eu sou uma pessoa muito saudável, muito saudável.

A minha avó está mouca

18.7.11
A minha mãe já me tinha avisado que a minha avó está a ouvir muito mal: "está mouquinha minha filha, não ouve nada", disse-me várias vezes ao telefone e eu achei que estava a exagerar, como sempre, até porque lhe liguei a falar aos gritos e do outro lado ouço a minha avó: "quem é, és tu Carla? ui, porque é que está a falar como uma peixeira?"
Portanto, quando cheguei aqui esperava poder conversar com ela normalmente, mas afinal preciso de falar muito, muito alto. É claro que ela odeia pedir para repetir e muitas vezes deduz o que ouve e responde com coisas que não fazem sentido, mas é raro, porque está sempre atenta às expressões da cara.
Hoje via-a conversar com um estranho e a conversa parecia uma coisa de malucos, porque o senhor não fazia ideia que ela está mouca e foi-se embora sem perceber. Tal como há muitos anos atrás um cliente da fábrica de tapetes onde trabalhava não chegou a perceber que ela não sabia ler, porque lhe disse que se tinha esquecido dos óculos.
A minha avó tem 83 anos.

Uma questão de hierarquias, ou não

14.7.11
Já tive empregada doméstica. Foram duas entre 2000 e 2004, a Ana e a Cristina. A primeira era cartomante e a segunda tinha dois filhos e sustentava o marido que em tempos batia-lhe, mas na altura em que a conheci não. E depois, em Lisboa, durante uns meses também havia a empregada que o Jaime tinha, mas dessa não sei nada, porque nunca me cruzei com ela. É claro que ter alguém que cuide da casa por nós é uma maravilha, mas eu não sei ter empregada doméstica. Não sei ser uma senhora. Não sei dar ordens a empregadas domésticas, por isso é que tanto a Ana como a Cristina mandavam em mim. Diziam-me o que eu tinha de comprar para limpar o chão, ou a banheira. Mudavam o sítio dos sofás e decidiam que roupa passavam a ferro e a que ficava por passar por falta de tempo. Se eu podia dizer-lhes o que fazer? Podia, e às vezes fazia-o, mas sempre com um bocado de medo, como se tivesse a meter o nariz onde não era chamada. Sim, é verídico, tenho medo das empregadas domésticas. Mas, quer dizer, há todo um universo à volta da domesticidade que me desculpa. Basta ver a  peça do Jean Genet, ou ler  O Jardim da Duras e fica-se com uma ideia.

A contas com o passado

12.7.11
Já passaram 17 anos desde que o tive como professor. Foi com ele que ouvi falar, pela primeira vez, de Ravi Shankar, Egon Schiele e algumas teorias de psicanálise, entre muitas outras coisas. Punha-nos a ler romances e fazia perguntas nos exames sobre o que tínhamos lido. A mim mandou ler "As Ondas" (era um livro diferente para cada aluno). Detestava-o. Tinha medo dele. Por isso nunca li nada do que escreveu. Mas depois deste tempo todo acho que estou preparada para ler Mário Cláudio.

Fim-de-semana

11.7.11


Do fim-de-semana sobraram duas perguntas que estão a martelar na minha cabeça:
1-De que te queixas?
2-Porque é que te fartas das coisas?

Manias

8.7.11

Tenho de parar com a mania de que consigo cortar-lhe o cabelo.

Eu ainda hei-de ter dias de glória

7.7.11
Fiz uma lista, mentalmente, do que queria fazer hoje e como estou cada vez mais realista a dita incluía apenas três coisas: mungir-me para poder ir ao cinema antes que me passe definitivamente dos carretos; costurar para chegar ao fim do dia com alguma coisa concreta realizada; e fazer uma tarde de dióspiros, porque estou sempre capaz de devorar este mundo e o outro e mais vale fazê-lo com ingredientes saudáveis. A última foi logo posta de parte, porque não estamos em época de dióspiros e a fruteira estava miseravelmente descomposta (ainda hei-de encontrar alguma coisa para fazer com ameixas); a costura foi para o galheiro porque o mais velho dormiu metade da sesta e o leite, bom, o leite deixou-se estar lá onde costuma estar antes do bebé o sugar, ou sair por livre e espontânea vontade. *suspiro* Eu sei, uma miséria!

É oficial: sou uma mulher madura

5.7.11
Confirma-se que vou passar uma semana de férias ao Algarve...em Agosto. Depois disto (e de me ouvir dizer à médica que preferia o DIU à pílula) acho que posso dizer com toda a segurança que atingi uma certa maturidade. No mau sentido.

Puericultura

4.7.11
Durante a gravidez e em algumas consultas de pediatria no hospital, sempre que eu respondia à pergunta "Primeiro filho?" obtinha as mais variadas reacções. A minha preferida foi a de um pediatra: "ah, bom, então já pode escrever um livro de pediatria".
A mim já me ocorreu escrever vários livros, incluindo de banda desenhada mesmo sem saber desenhar, mas nunca me tinha ocorrido escrever sobre pediatria. Se o fizesse (coisa que não vai acontecer, descansai) começaria por desmistificar alguns mitos.

1- Se a mãe estiver feliz o filho também está.
Este mito até pode resolver muitos problemas de consciência e manter um certo equilíbrio da sociedade, mas toda a gente sabe que quanto pior estiver a mãe, melhor está o bebé, porque mama à hora que quer, é embalado a qualquer hora do dia, independentemente da mãe ter de comer, dormir, ou ir ao quarto-de-banho, etc.

2- Criar rotinas é muito importante para o bebé se sentir seguro.
O bebé sente-se seguro no colo da mãe e do pai. Sente-se seguro a mamar. A ouvir vozes familiares e ver espaços que reconhece. Portanto, se estiver sempre com as mesmas pessoas e for mimado e acarinhado por elas sente-se seguro. As rotinas são para nós, os adultos, não nos baralharmos demasiado.

3 - O bebé precisa de aprender a dormir, como aprende tudo o resto.
Há pais que sofrem horrores com os sonos dos seus bebés. Em relação a isso não há nada a fazer. Chega uma altura, por volta dos dois, três anos, em que eles começam a atinar com coisa, mas alguns continuam a não saber dormir pela vida fora. Isso não representa problema nenhum a não ser o facto de os pais precisarem de dormir.

....
Podia continuar mas tenho de ir tratar dos filhos. Isto dos livros é para quem não os tem, ou tem quem cuide deles.

Cenas da vida familiar

2.7.11
Cena 3

Personagens: As mesmas mais o pai.
Cenário: Sala de jantar

A mãe, o pai e a filha mais velha estão à mesa a jantar. O bebé mais pequeno está na espreguiçadeira, no chão, a lado do pai. 

Pai: queres vinho?
Mãe: sim, por favor. Aponta com o dedo para o copo. O pai enche-lhe meio copo.
Filha: o que estamos a comer.
Mãe: bacalhau à bráz.

Ouve-se o choro de uma criança. Chama pelo pai. Ele levanta-se e sai. A criança cala-se. O pai regressa à mesa. 

Pai: Está cheio de calor, deixei a janela do quarto aberta.
Mãe: Pois, é capaz de ser melhor.
Filha: Já acabei, posso sair?

Toca um telefone.

Filha: deve ser o papá. Sai da mesa, pega no telemóvel e afasta-se.

Os pais ficam à mesa. O bebé começa a gemer. O pai abana a espreguiçadeira com o pé. Começam a discutir.

Mãe: ksdjhfskjdfsljfslkjfsdlkjgsdkfjsdlkdfsldfskdjlKJFFÇSGÇASD
Pai: hwekjhfewhfwiuhdasoidsaljdsafksdhfdhffkldfhgkdfhglkadhga
Mãe: fhnashfkasdfsdfldsflsdfsdfsdASJDKSHFLASHFLJSADFsfgsdfsdflsdakf
Pai: skldjfhsdfhldsfsdfsdhfsdlfsdfsdf
Mãe: safsdlkjhfkhsdfkjshfljksdfkjshdfksjlçdfhsdçjk
Pai: LKSJDKJSDAHFLSKJAD
Mãe: KSAJDSDFHSDFHSDHFSDJFSDFLASDFDSAJGLDFSFA
Filha (que acabou de chegar à sala): Vocês estão a discutir?
Mãe: Não.
Filha: Não? Eu da cozinha ouvia-vos falar num tom que parecia mesmo de discussão.
Mãe: impressão tua.

O pai ao pegar no copo de vinho entorna-o sem querer e o vinho cai em cima do bebé, que começa a chorar. O pai aflito pega no bebé e sai a correr com ele. A filha mais velha corre atrás. A mãe fica a olhar para a parede com riscos de giz azul e manchas de vinho.