Não há como ser mãe sem ser louca

25.9.18

Passou mais algum tempo (tem passado cada vez mais entre um post e outro) e eu continuo sem nada de muito relevante para dizer. A partir de que momento comecei a traçar a fronteira entre o relevante para partilhar e o não relevante? Não faço ideia.
Mas continuo a escrever, mesmo quando não escrevo. Como quando estou a comer bolachas recheadas de chocolate, que não me sabem bem, a olhar para a televisão e a escrever. Ou quando estou sentada no chão do quarto a olhar para a capa do livro, na foto ali em cima, e a escrever. Curiosamente, a ouvir a cantoria esganiçada do casal na esplanada do café, para entreter a criança sentada no carrinho, não me dá vontade de escrever. Faz-me pensar nas "pessoas a dormir com a cabeça em cima da mesa, crianças a brincar, homens a cantar, mulheres a falar alto, a fazer-nos rir" do Miguel Esteves Cardoso, lembra-me de mim própria a entoar o Olha a Bola Manel, quando as crianças eram mais pequenas, pensar  que o rapaz não deve ser o pai da menina no carrinho, mas não escrevo. 
Seja como for, acabei de ver o Tully e não estava nada à espera deste filme. Tinha visto a apresentação, decidido que queria vê-lo e pouco mais. Pois bem, vi-o e achei que precisava de deixar de escrever só na minha cabeça, que a certa altura é capaz de ser preciso ver as palavras escritas. Estava a ver o filme e a pensar que a minha ideia da maternidade estava ali muitíssimo bem retratada. Não há como ser mãe sem ser louca. 
"Os pais são todos loucos", disse-me uma vez um pediatra e eu, no auge da minha loucura de mãe de  primeira filha, achei o comentário completamente despropositado. Até porque só lhe tinha perguntado quantos dias é que um bebé podia aguentar sem dormir. Ora, se eu não dormia por causa do bebé, logicamente era porque o bebé não dormia, logo poderia morrer por privação do sono. Juro que não percebi a cara de espanto do médico, quando eu estava a fazer tanto sentido.
Enfim, não sei se a loucura pelos filhos (diferente da loucura por causa dos filhos mas com pontos comuns) beneficia alguém que não os profissionais de saúde mental mas, para mim, é claro: Não há como ser mãe sem ser louca.

Tenho dificuldade em entender a poesia

11.9.18

O almoço de sábado ilustra bem o que anda a acontecer (parece que as pessoas que arrotam postas de pescada na net sabem tudo sobre tudo mas não é o meu caso, eu só bebo vinho e sei de coisas, como o Tyrion Lannister). Então, fomos almoçar ao Malcriado, um restaurante em Matosinhos que ficou com este nome depois de Burmester (suponho que o Gerardo) ter sido mal tratado pelo dono, o ex. jogador do Boavista Arménio Duarte. Éramos os únicos clientes, como já tinha acontecido da primeira vez que lá comemos.
A D. Linda, que ficou a tomar conta do restaurante e da grelha, depois da mãe morrer, deve ter percebido o nosso desconcerto e contou-nos que desde que foi obrigada a retirar a grelha da frente do restaurante as pessoas não entram. "Tenho os meus clientes habituais", disse ela, acrescentado os nomes e as respectivas profissões, dos menos conhecidos, e um ou outro detalhe dos gostos gastronómicos dos mesmos, "mas os turistas que passam não entram", concluiu com um encolher de ombros pouco convicto.
Eu acho estranho alguém preferir ficar à espera de mesa, e do peixe que sairá do grelhador de um daqueles senhores exaustos e suados, a sentar-se num restaurante sossegado e comer um robalo saído da grelha (agora nas traseiras do restaurante) de uma senhora loira que parece levitar - e levar tudo à frente dela ao mesmo tempo.
Por exemplo, duvido que algum dos homens da grelha dos restaurantes mais procurados em Matosinhos viesse levantar o prato da mesa e dissesse entre dentes, mas alto o suficiente para se ouvir: "tssss tssss, esta juventude não sabe comer peixe, é sempre a mesma coisa".
Esta juventude é mesmo um bocado difícil de perceber, às vezes, como quando se vai ao piquenique dançante da Casa das Artes e começa-se a abanar o corpo com um certo entusiasmo, talvez exagerado, concedo, ao som do Johnny Hooker e a nossa filha nos olha com um certo desprezo e diz: "vê-se mesmo que nunca foram a uma Pride Parade".
Seja como for, estávamos lá por causa do Valter Lobo. O Valter Lobo é aquilo que eu imagino que seja a poesia (é, eu tenho dificuldade em entender a poesia). Vão lá ouvir, se não conhecem, "Quem me dera", ou todo o album Mediterrâneo.
O jardim da Casa das Artes não estava vazio, como o Malcriado, mas surpreendeu-me não haver muito mais gente, nem que fosse pelo Hooker, que esgotou na Music Box, no dia anterior. Surpreendeu-me mas agradou-me muito. Estava, provavelmente, o número certo de pessoas para criar o ambiente certo para nós, ali sentados na manta, e para as crianças a correr com as outras crianças e até para a jovem que não sabe comer peixe e começou a stressar com o check sound (mas eu é que fiquei de trombas no desenho).