Desconstruir a maternidade*

30.9.14
Primeira reunião na escola nova. É tudo o que se pode esperar de uma escola: boa educadora; espaço simpático, com recreio ao ar livre; refeições confeccionadas na escola; pessoal atento e descontraído; projecto pedagógico centrado na autonomia das crianças e uma participação exemplar dos pais na vida escolar. Esta última parte é que era escusada. É que é tão exemplar que saí de lá a sentir-me uma nódoa.
Só por causa disso amanhã vou a uma manifestação, pronto.
Ainda por cima, de regresso a casa, é só mães com os seus bebés nos slings a cantar no meio da rua, a perguntarem aos meus filhos como se chamam, a conversarem alegremente comigo - "adeus, adeus vamos comprar salada para o jantar" -, a exibirem toda a sua magnificência maternal às mães aliviadas por finalmente poderem deixar os filhos na escola, mas que ainda não perderam aquele ar desgrenhado de quem não aprendeu (nem nunca vai aprender) essa técnica, essa forma de arte, que é o funambulismo.
Não há volta a dar, para uns isto é como tentar o equilíbrio em cima de uma corda, para outros é um simpático passeio à beira mar, onde não falta o sol, nem a brisa amena. Não quer dizer que estes últimos sejam melhores mães e pais. São é mães e pais mais felizes (ui, no que me fui meter, agora terei de falar na parentalidade positiva).
Eu sei que pais mais felizes têm filhos mais felizes, claro, mas e se a minha felicidade depender de esquecer que eles existem durante uns tempos (horas, dias, meses, não sei...), isso é melhor para eles? Provavelmente nem notariam grandes diferenças, uma vez que está tudo na minha cabeça (quantas vezes procuro esquecer que existem quando estou no sofá a ler, enquanto eles pintam a manta e as paredes e os sofás...) e depois, quem sabe, até podia envolver-me mais na vida escolar.

*Falo em maternidade, porque sou mãe, mas podia falar em paternidade. Quando inventarem um nome para as duas coisas que não comece com "P" (parentalidade, pais... ) avisem.

O meu pequeno grande

29.9.14
Eu podia dizer tantas coisas sobre o quinto aniversário do meu filho - do meu primeiro filho rapaz, do meu primeiro filho com o Jaime - mas não consigo deixar de pensar nas preocupações escondidas naqueles olhos.
O Isaac, aos cinco anos, está preocupado com o facto de envelhecer significar morrer. No entanto, o que mais o atormenta no dia do aniversário são os dentes. Lembrou-se que um dia destes lhe vão cair os dentes e ele, pelos vistos, não quer nada disso.
Quer os nossos beijos e os nosso braços à volta dele e isso, no fundo, é quase tudo. O resto é o que é.

Estranho

28.9.14
Quando venho escrever um post (e a maior parte das vezes nem sei bem sobre o quê), releio os três, ou quatro anteriores, não vá eu repetir um assunto, como se não estivesse aqui a falar sempre da mesma coisa. Quase sempre encontro gralhas, ou um erro de conjugação qualquer. Hoje encontrei a repetição do mesmo adjectivo três vezes neste post: "(...) que elas [as cobras] andam estranhas"; "Há um silêncio quase estranho" e "É um lugar estranho, este onde cresci." Isto num post com cinco frases.
E como "Palavrar" é o vinho que estou a beber neste momento e a linguagem, ou a importância da palavra é um dos temas focado no absolutamente maravilhoso livro que estou a ler (Inês, se não o compraste, ainda, eu empresto-te), parece-me que isto anda tudo ligado.
Só ainda não consegui encontrar justificação para o regresso das hemorróides, a não ser que papos atrás das orelhas que desaparecem para dar lugar a papos no cu tenha uma explicação transcendente que me ultrapasse.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

26.9.14
Durante quanto tempo vai apetecer-me brincar às casinhas?

Instalada

24.9.14

Mudei de casa (olha que novidade!), mas não deixei de comer figos. Comi figos numa consistência muito diferente, mas o sabor, o sabor é igual. Juro. Vão lá ver.
Desde que me lembro, queria sair da aldeia onde cresci para experimentar, precisamente, este tipo de coisas: Novas consistências, novos sabores, novas experiências. Conhecer pessoas, conhecer outros costumes, outras vidas.
Há tanto para conhecer em Lisboa, ou melhor, para conhecer em Portugal. No mundo, então, nem se fala! E Timor, tão longe e tão maravilhoso! Tenho ao menos o meu porta-chaves de lá e, aqui ao lado, a Rua Timor. Não é que sejam precisos objectos, ou toponímias para recordar onde se foi feliz, mas gosto destes pequenos símbolos.
Os meninos estão a gostar da escola nova e a menina gosta assim assim da escola velha.
Eu gosto muito desta casa. Só me falta gostar de mais qualquer coisa, além dos gelados, claro, e da miscelânea de línguas que se ouvem nas ruas, e do kebab ali de baixo e do largo e de levar os meninos a pé até à escola.

Enquanto o nosso ano lectivo não começa

17.9.14
Aqui, quando vou fazer caminhadas apanho amoras, figos e uvas. Também vamos apanhar pinhas para o inverno. Dizem-me para ter cuidado com as cobras, que elas andam estranhas, porque não "trovoou" nas tocas. Há um silêncio quase estranho na rua e muitas vezes sinto dificuldade em respirar, porque me sobra o ar. É um lugar estranho, este onde cresci, mas também não sei o que se podia esperar de um sítio que um dia me mostrou uma coisa verdadeiramente extravagante: um casal de franceses que veio passar férias a casa dos meus tios e que tinha o hábito de tomar banho todos os dias.

Brindemos

14.9.14
Vamos fazer de conta que eu sou uma pessoa que telefona aos amigos quando precisa de conversar. Que pede um abraço. Que diz o que a desassossega com facilidade. 
Pegava no telefone, ou sentava-me numa mesa de café e dizia o quê? que tenho uma bolha atrás da orelha que me dói muito; que me fui pesar e efectivamente engordei - três quilogramas num mês, disse a balança -; que tenho um bocado de dente, que ficou perdido na última extracção, a sair e a ferir-me indecentemente a gengiva; que tenho de me convencer, de uma vez por todas, que não fiz nada para merecer a penitência que é aturar a minha mãe; que cheiro muito mal dos sovacos, um fedor que não reconheço como meu; que fui ao hospital e que a médica me disse que achava que estava tudo bem, mas era melhor fazer uma ecografia "lá fora", porque com o aparelho que tinha não conseguia encontrar o DIU; que me cansam os filhos; que o amor não assiste; que me doem as mamas e a unha do dedo mindinho; que já não sei se sei sonhar; que tenho medo; que quero rir-me muito e muitas vezes?
São merdices que não contam para nada no somatório de todas as coisas. São merdices que merecem pouco mais que um brinde. Talvez uns três, ou quatro. Ou cinco, pronto.

Flashbacks

9.9.14
Flashback: Começou tudo no incêndio.  O prédio da rua Maria para onde a família de cinco ia viver sofreu um incêndio e a mudança, que ia acontecer em Julho, teve de ser adiada. Como Agosto, esse mês interminável, estava à porta e as exigências profissionais do pai da família exigiam nova deslocação a Timor, decidiram que seria uma boa altura para irem todos.

Actualidade: O pai está em Lisboa. A mãe e as crianças numa aldeia do Norte, à espera. Tratarão da mudança para a casa da rua Maria, ou aproveitarão o facto de terem tudo embalado e guardado para seguir para outro sítio?

Flashback: A família está em Timor, os pais e a mais velha sentados num sofá em frente ao mar, os dois mais novos a brincar na água com meninos timorenses. "E se viéssemos viver para cá?", perguntou a filha.

Flashback: Começou tudo na água que escorria pelas paredes. A partir de certa altura ficou claro que aquela casa, na rua Sampaio Bruno, não servia. Deitava água por todos os lados. Fizeram-se obras. A água continuou. A mãe da família estava cansada de tantas mudanças. Decidiram que se fosse para sair dali, teria de ser uma situação mais definitiva. Iam voltar ao Porto.
Fizeram-se mais obras na casa, enquanto os dois adultos procuravam emprego mais a Norte. 
As obras ficaram prontas. Os empregos nunca aconteceram, mas a mudança impunha-se na mesma.
Encontraram a casa, procuraram escolas, fizeram todos os preparativos.
Aconteceu o incêndio.



Bali

5.9.14




Agora que estou em casa da minha mãe, sem saber ao certo onde será a nossa próxima casa, e com as alergias todas de volta, parece-me quase estranho voltar a Bali.
Apetecia-me mesmo era voltar a Timor, ainda por cima não cheguei a escrever o post dos bichos que se atravessam constantemente na estrada, porque a estrada em Timor é de todos, dos porcos, dos cães, dos galos, dos caraus, das pessoas e também dos automóveis.
Em Bali é essencialmente dos automóveis e das vespas, mas chega de tentar comparar o que não tem comparação.
Acho que Bali é capaz de ser muito bonito, mas está demasiado cheio de turistas.
É claro que se não fossem os turistas não teria visitado a fabulosa plantação de café Pulina e provado o famoso café que os Luwac fazem o favor de digerir e cagá-lo para nós.
Também é provável que as centenas de hotéis e restaurantes em cima da praia não existissem e que fosse tudo muito mais bonito para quem está de passagem, mas os balineses vivem do turismo, por isso é justo que assim seja. Até porque eles não parecem nada incomodados com a imensidão de gente que entope todas as artérias principais da ilha, de manhã à noite.
É bastante fascinante, aliás, que além de parecerem nada incomodados mantenham os seus rituais de oferendas aos deuses em todo o lado, indiferentes a quem passa (aquele da primeira foto estava à entrada da "nossa" casa). E quem passa precisa de ter algum cuidado para não andar aos chutos às flores, aos biscoitos, ao arroz e a um ou outro cigarro.
Fascinantes são também os "rice terrace", como lhe chamam, e os templos no meio do mar, como o Tanah Lot (na última foto), onde, dizem, se pode ver o pôr-do-sol mais bonito do mundo. Como da primeira vez não chegámos a tempo e da segunda optámos por ir à hora do almoço, para não estar três horas na fila, não posso confirmar e, portanto, o pôr-do-sol mais bonito, para mim, continua a ser o da Areia Branca.

Antes do Jet Lag

4.9.14

Tenho novas de Bali, evidentemente, mas por enquanto fiquem com o texto do lifecooler e deixem-me recuperar do jet lag e habituar-me a usar calçado novamente.

Quando há dois, ou três meses escolhi os temas sobre os quais ia falar no lifecooler estava longe de imaginar que na semana do Japão estaria precisamente na Ásia.
Na altura achei que podia ter alguma coisa a dizer sobre sushi, mais precisamente sobre um jantar muito especial no Porto, ou sobre um filme que vi há uns 10 anos  – Uma História Japonesa de Amor  - e que, por qualquer razão, me marcou.
É claro que se me pusesse a escrever sobre filmes, duvido que não fosse parar ao Myasaki e ao maravilhoso Castelo Andante, mas passemos à frente, que já se percebeu que o rumo deste texto é outro.
Portanto, dizia,  na altura lembrei-me que podia escrever sobre tudo e mais alguma coisa relacionada com o Japão, menos com a que me ocorre neste momento, quando estou em Bali, depois de ter passado um mês em Timor Leste:  sanitas.
Alguns amigos meus, que visitaram o Japão, já tinham feito referência às sanitas de lá e aos respectivos esguichos de água  para lavar as partes e hoje pude, finalmente, saber do que falavam.
Tanto em Timor Leste, como em Bali, o que se encontra nas casas de banho são umas mangueiras (ou em substituição destas, um balde de água com um cabaço) que, supostamente, substituem o papel higiénico.  Ora, como me parecia muito estranho usar uma mangueira na sanita fui evitando o novo elemento, até um dia decidir experimentar. A sério, fiquei fã desta coisa de sair da casa de banho lavadinha*!
Mas hoje aconteceu ter de mudar de quarto no hotel onde estamos instalados e, pela primeira vez,  ter-me sentado numa dessas sanitas modernas (nesta parte da Ásia) com os esguichos direccionados para os devidos sítios e, bom, percebo a modernice, mas as mangueiras, apesar de pouco elegantes, parecem-me bem mais eficazes.
Espero, sinceramente, que neste momento não estejam a visualizar-me sentada numa sanita com uma mangueira na mão a regar certas partes do corpo mas, efectivamente, ninguém me mandou falar disto em vez das magníficas frangipanis deste lado do mundo (não sei se é muito óbvio que esta pequena referência serve apenas para justificar a foto).

*ajuda muito o facto de estar sempre calor e de a roupa secar em três tempos.