Cenas da vida familiar

30.12.15
Cena 9

Personagens: mãe, pai e duas crianças pequenas em segundo plano
Cenário: Sala de jantar, à mesa.

Mãe, bastante enfadada: Não achas que devíamos procurar um atelier de tempos livres, ou inscrevê-los na natação, karaté, ballet, ou música?

Pai: Tu é que dizias que querias que eles tivessem tempo para fazer o que bem entendessem.

Mãe: Pois eu sei, e acho que isso é mesmo muito bom, mas ao fim e ao cabo não os vejo a fazer nada de interessante e acabam a ver mais televisão do que deveriam.

Pai: eles quase nunca param a olhar para a televisão. Põem o mesmo filme todos os dias e brincam um com o outro.

Mãe: Sim, mas quando éramos pequenos brincávamos mais ao faz de conta, acho que éramos muito mais criativos.

Pai: Eles andam agora mesmo a correr com capas de super-heróis, isso não é brincar ao faz de conta?

Mãe chama os filhos

Mãe: Vocês estão a salvar quem?

Filho mais velho: Ninguém, nós não conseguimos voar a sério.

Mãe olha para o pai: Percebes? Nós éramos mais criativos.

Pai, a sorrir: O Nicolau está sempre a fazer recortes; muitas vezes fazem de conta que são o pai e o filho; molham o chão lá de fora e fingem que estão numa piscina. A mim parece-me que não lhes falta imaginação.

Mãe: Pois, se calhar falta-me é a mim.

Filho, a correr pela casa: Corre, Nicolau, corre há um incêndio ali à frente...

Falhanço

28.12.15
De todas aquelas coisas que não fomos capazes de fazer, por esta ou aquela razão (tocar piano, dançar ballet, competir no jogos olímpicos, falar correctamente mais de três línguas), a única que me deixa profundamente triste, isto é, a sofrer da mais pura inveja, é a de não ter sido a melhor aluna a qualquer coisa, depois da escola primária. Assim como ela.
Eu sei que isso vale o que vale, mas era uma coisa que eu gostava muito de ter na gaveta lá de casa, da mesma forma que os anti-heróis guardam medalhas. 
As minhas notas excelentes do secundário, ou da universidade, seriam a prova de que eu sou muito inteligente, excepcional até, e que o falhanço da minha carreira profissional é opcional. 

Natal nos trópicos

27.12.15


Foi um Natal muito diferente e foi bom e triste ao mesmo tempo. Não tão triste como o primeiro Natal que passei depois do meu pai morrer, mas a morte tem esse carácter definitivo difícil de lidar.
Já tive outros Natais diferentes, portanto. Até mesmo antes do meu pai morrer, como aquele em que os meus pais se zangaram e decidiram comprar-nos prendas em separado, quando supostamente ainda acreditávamos no Pai Natal. Nesse ano ele trouxe-nos, além dos brinquedos que tínhamos pedido, cerejas cristalizadas, e apeteceu-me muito abraçar o meu pai natal. Não sei se ele percebeu que eu percebi.
Uma pessoa vai tendo diferentes Natais ao longo da vida, porque se casa e depois divorcia-se e depois casa-se outra vez e depois emigra. Este foi o meu primeiro Natal de emigrante que não vai a casa passar a quadra festiva e que se despede da filha no aeroporto: Boa viagem, filha, Bom Natal, até já minha querida.

Foi um Natal diferente, por estarmos longe e por sermos só quatro à mesa, com o computador por perto, mas mesmo assim fizemos questão de manter algumas referências. Comemos bacalhau cozido (que não soube ao mesmo sem couves), comprámos bolo rei num supermercado português, que por acaso é gerido por um rapaz bastante jeitoso, e eu fiz sonhos pela primeira vez na minha vida. Ficaram mais parecidos com pesadelos mas, apesar de tudo, bastante saborosos.
Depois, como os pequenos se deitaram cedo (o Pai Natal despachou-nos primeiro) pudemos ir para a rua assistir aos vários fogos de artifício, cumprimentar quem passava e ver a grande animação que é o Natal em Díli. Aliás, temos dormido bastante mal este mês, por causa da construção do presépio aqui ao lado de casa, mas podemos dizer que, depois de tantas noites de banda sonora de gosto duvidoso, valeu a pena o esforço: Está ali um presépio em tamanho real que é uma categoria!

Há presépios destes espalhados por toda a cidade. Não sei se serão tão animados (neste momento estão todos em grandes cantorias à volta do menino espalmado), mas dos que vi poucos serão tão fieis à realidade do país. Este presépio tem figuras mais escuras e não inclui pais natais, ou bonecos de neve, como alguns que vimos. O Pai Natal ainda estou como o outro, o marketing pode ser muito poderoso, mas bonecos de neve, em Díli?

É como dizia o anúncio, a tradição já não é o que era e está bem, mas a ser diferente, que seja melhor, digo eu. 

Na caixa de correio 6

23.12.15
Chegou, quase um mês depois de o ter comprado. E comprei-o para ter este prazer de abrir um embrulho de um livro que, além de me interessar, veio de longe, enviado pela ennui. Assim até já parece Natal.

Balanço: conclusões 2

21.12.15
Os trópicos alteraram-me o ciclo menstrual. Eu gostava muito de dizer isto com outras palavras (assim tipo o sangue azul na publicidade aos pensos higiénicos), porque odeio verdadeiramente a palavra menstruação e todas as derivadas, mas de facto não me ocorrem outras.
Parece que aconteceu o mesmo a várias pessoas do sexo feminino que vieram para cá viver, mas ninguém sabe qual a justificação.
Ora, como se sabe, associado ao ciclo coiso estão as hormonas e às hormonas o humor. Portanto, num dia estou feliz e contente da vida e no dia seguinte sou a criatura mais infeliz do mundo. Uma pessoa fica sem saber se ainda está na adolescência, ou a entrar na fase madura da vida (socorro!!!!!)
Sendo mais provável o segundo caso, em termos fisiológicos pelo menos, há aqui um desacerto entre entre a idade física e a emocional, mas nos tempos que correm não poderia ser de outra forma. Os 40 são os novos trinta, temos bebés quando os nossos filhos deviam estar a terminar o liceu, ou temos filhos a terminar o liceu e bebés, estamos em grande forma, somos o máximo. É uma pena as nossas células não o saberem. Ainda, pelo menos, já que estarão a guardar todas estas informações para passá-las às gerações seguintes.
Enfim, esta conversa toda serve basicamente para dizer que não sei bem o que ando a fazer com o meu tempo no meio deste trampolim emocional e entre as sessões de reiki e depilações de sobrancelhas com linha.

Balanço: Conclusões 1

19.12.15
Fui almoçar com um grupo de amigas. É um facto que nenhuma daquelas 11 pessoas é verdadeiramente minha amiga, até porque até àquele almoço só conhecia superficialmente duas delas, incluindo a que me convidou, mas mesmo assim posso dizer que fui almoçar com um grupo de amigas. Chamemos-lhe pressentimento.
Nesse almoço senti-me estranhamente tímida e ligeiramente deslocada, sem saber ao certo por que razão. Acontece a toda a gente mas naquele almoço não fazia sentido algum sentir-me assim. Era como se estivesse a mais, isto é, era como se eu já lá estivesse antes de chegar.
Explico: a rapariga* que organizou o almoço sou eu há uns anos atrás, pelo menos nos aspectos que me são dados a conhecer: gargalhadas sonoras como já não me lembro de dar; rir de si própria como sempre gostei de fazer, sobretudo em relação à forma de vestir e às desgraças da vida (como estar desempregada); questionar-se sobre a maternidade/paternidade; falar das questões transcendentes/esotéricas de uma forma tão apaixonada que faz as outras pessoas quererem acreditar no mesmo que ela.
Toda a gente saiu daquele almoço feliz. Eu saí cheia de saudades de mim.

*Pode ser interessante saberem que antes de vir para Timor levei a minha mãe a uma psiquiatra, à mesma que me ajudou em tempos. Quando ela soube que eu vinha para cá deu-me o número de telefone de uma amiga e sugeriu-me que lhe ligasse (coisa que nunca fiz, obviamente). Essa amiga é esta rapariga.

Balanço

19.12.15

Nesta altura do ano é costume fazerem-se balanços e coisas que tal. Eu ando a fazer o mesmo, mas dos últimos oito anos, ou seja, desde que a minha vida levou uma volta até esta nova reviravolta.
As árvores de Natal nas seis casas onde vivemos até agora (falta a de 2009, que foi foi igual à primeira) fazem um bom resumo das nossas voltas.
Feliz Natal.

O jantar

11.12.15

Sino improvisado na igreja de Laclúbar

Não sei se foi sempre assim comigo. Estou convencida que sim. É certo que quando recuo no tempo vejo-me sempre a subir a rua íngreme da minha infância com um guarda-chuva na mão, como se fosse um amuleto, e toda a gente sabe que não chove todos os dias.
Não sei se foi sempre assim, dizia, mas eu não tenho grandes dificuldades em tomar decisões que podem mudar radicalmente o rumo da minha vida. As grandes reviravoltas entusiasmam-me mais do que me assustam.
O que me custa mesmo são a pequenas reviravoltas do dia a dia, como a bicicleta que afinal não tenho, porque a pessoa que ia vendê-la já não se vai embora. As tardes de praia que não faço com os pequenos, porque ora está demasiado calor, ora aparecem crocodilos na costa. A quantidade de mangas, papaias e maracujás que iam passar a fazer parte da nossa alimentação e que acabam no congelador para não apodrecerem. O quilos a mais que iam desaparecer e que afinal estão todos cá e mais alguns. As refeições no pátio que nunca acontecem.
Enfim, é com as pequenas coisas que nem sempre me entendo. O que não me impede de pegar numa cana de bambu e fazer seis pauzinhos, descascar tamarindos e inventar um molho para temperar o peru, e fazer espetadas para o jantar.

Uma vida simples

9.12.15
 Alguns dos envelopes que já saíram do calendário do advento, pendurado na parede da sala



Casas típicas timorenses, a caminho de Same, depois de Laclúber

Fizemos o calendário. Optei por uma coisa simples mas entre recortar e colar 24 envelopes e depois fazer uns quantos de novo, porque se enganavam a escrever os números, a coisa revelou-se bastante trabalhosa.
Além disso, nem sempre sei o que pôr lá dentro. Supostamente estaria um papelinho com a prenda do dia (um passeio, um chocolate, uma história sobre o Natal, etc.), mas já houve dias em que foram corridos a uma nota de um dólar, moedas de 25 cêntimos e figuras recortadas.
No fim de semana que passou (que só terminou ontem, porque na segunda-feira também foi feriado aqui) estivemos fora e, portanto, hoje foi preciso inventar uns quantos papelinhos para encher os envelopes, e também foi preciso inventar uma desculpa esfarrapada para o facto de alguns deles estarem vazios.
Resumindo, o calendário do advento só não é um flop, porque eles ficam todos satisfeitos com coisas tão simples como um coração de papel.

As coisas simples, ou uma vida mais simples foi o que mais nos motivou a vir viver para aqui, mas a verdade é que temos esta tendência incrível em complicar, com calendários de advento, por exemplo.
Depois das viagens que fizemos por Timor*, disse aqui em casa que gostava de saber, na pele, como é viver numa daquelas casas típicas timorenses que vimos um pouco por todo o país. Gostava de saber como é viver sem quase nada. Suspeito que desistiria assim que estivesse com o período. Parecendo que não, a casa de banho moderna é uma belíssima invenção. Deveríamos saber quem se lembrou disso.

Seja como for, olho para aquelas casas e imagino que poderia arranjar uma forma de viver confortavelmente. Talvez com uns paneis solares para ter electricidade e uma casa de banho aceitável. O amor e uma cabana é isto, certo?
Enfim, depois desta conversa fiquei a saber que a minha família acha muito bem desde que eu vá sozinha. Talvez vá. Temporariamente.

*Os meus passeios por Timor deram um artigo na FUGAS.

Choveu

1.12.15

Choveu, finalmente, mas não tenho a certeza que tenha sido o início da época das chuvas. Deu para limpar um bocadinho o ar, pelo menos, e regar o jardim sem correr o risco de ficar sem água. Há falta de água em alguns sítio de Díli. Tivemos de cavar mais fundo no poço para conseguir encher o depósito.
Quando era pequena tinha pesadelos com poços. Agora tenho um poço. Talvez seja verdade aquilo das nossas merdas virem sempre ter connosco mais cedo, ou mais tarde e de uma forma, ou de outra. Mais vale enfrentá-las e pronto.
Espreitei para o fundo do poço e não senti nada. Não é uma metáfora, foi mesmo o que aconteceu. Se calhar é por não ser assim tão fundo quanto isso.

Ontem fomos ouvir o Tito Paris, que veio para as comemorações dos 40 anos da Declaração da Independência de Timor-Leste. O Tito Paris tem uma banda espectacular e é muito bom ouvi-lo cantar. Além disso, parece um miúdo. Deve ser o que acontece quando se vive do que se gosta. Eu ando à procura disso, mas não sei se não me prefiro assim, ligeiramente neurótica, potencialmente alcoólica, desagradavelmente cínica.

Quando ninguém acorda a horas decentes, isto é, até às 6h00 da manhã, o Douro vem lamber-me os braços para lhe ir abrir a porta.
Tornou-se um cão bastante asseado, portanto.

Estou a pensar fazer um calendário do advento, pela primeira vez na minha vida.

Ando sempre ao contrário

25.11.15
Não sei o que pensar sobre o facto de vir viver para Timor-Leste no ano mais quente e seco desde há muito tempo, segundo me disseram, (parece que por causa do El Niño), enquanto no meu país se faz história com uma coligação de esquerda a subir ao poder. E com a primeira mulher negra a chegar a ministra.
Parece que ando sempre ao contrário.

Novos sabores 3

22.11.15
Tamarindo. É um fruto muito usado em molhos, como o sassate, e para temperar carnes em vez de limão. Também se usa fazer uma espécie de rebuçado juntando à polpa outros ingredientes, como açúcar e malagueta. Nós apanhámos uns quantos, quando estivemos a acampar em Valu, e fiquei bastante surpreendida com o sabor agridoce deste fruto.

Tudo normal, portanto

20.11.15
Visto assim de relance parece que a minha vida é só passeios e aventuras. E às tantas é mesmo. Se calhar as rotinas, o trabalho, as coisinhas de todos os dias são, agora, os intervalos do resto. Ou, se não são, pelo menos, parecem.
Mas nessas rotinas, na vida de todos os dias, têm acontecido coisas que merecem referência (céus, o que é que me aconteceu? a vida de todos os dias era o que alimentava faustosamente este blog e agora estou a dizer que isso merece uma referência! O que vale é que amanhã já volta tudo ao normal, ah, não, amanhã vou para Ataúro, pronto mais dia menos dia, quando já tiver dado a volta toda à ilha).
A primeira de todas elas é que o meu filho do meio é, como é que hei-de dizer, um bocadinho lento na escola e, além de lento, um trapalhão a escrever que mete medo. Eu, que sou toda deixem lá os miúdos serem como são, até tremo quando abro o caderno.
É claro que não faço disto nenhum drama, até porque tem vindo a melhorar, mas preocupa-me que não saiba juntar as palavras para ler, em vez disso decora-as. Não sei se é do método, ou se é dele, sei que fico muito baralhada quando "está a ler" e a olhar para mim ao mesmo tempo.
Enfim, a professora diz que ele não tem nenhum problema de aprendizagem, simplesmente prefere brincar. Tudo normal, portanto.
Enquanto isso, a mais velha está no pico da adolescência, ninguém percebe o que ela quer. Passa o tempo enfiada no quarto a tocar guitarra, ou a falar com as amigas ao telefone e é capaz de ser a garota mais efusiva num momento (no meio dos amigos) e no minuto a seguir a mais trombuda e infeliz (quando está connosco). Tudo normal, portanto.
O mais pequeno, bom, o mais pequeno continua com as pequenas manias que lhe são características. Durante muito tempo foi um problema conseguir que vestisse a farda da escola, porque queria ir todos os dias com a t.shirt que é suposto usar só quando tem ginástica. Entretanto, decidiu fazer umas transformações: usa a bata por dentro dos calções com duas dobras nas mangas. Não pode ser uma dobra, têm de ser duas. E é assim que ele vai para a escola todos os dias. Nada de muito anormal, portanto.
Já eu acho muita piada vê-los crescer, mas continuo a ter bastantes problemas com esta coisa de ir envelhecendo à medida que eles crescem. Tudo normal, portanto.

Provavelmente o meu cérebro está a morrer*

16.11.15
A Bea a boiar no mar, em Jaco

Fui ao paraíso e voltei. No paraíso, no ilhéu de Jaco, vi um mar que nunca tinha visto; vi golfinhos ao longe; vi os meus filhos de mãos dadas, no pequeno barco dos pescadores, a tremer de emoção e apeteceu-me chorar; vi corais de muitas cores; nadei com um cardume e, suponho, com o peixe que comi ao jantar. No paraíso também se morre e também se caga atrás dos arbustos (depois de pedir muitas desculpas aos espíritos).
Depois, voltei e vi-me num documentário da vida selvagem, entre Loré e Iliomar. Foram quilómetros a atravessar a selva por uma estrada, que deve ter existido em alguma altura difícil de descortinar, em que as únicas aldeias com que nos cruzámos pareciam da pré-história.
Até a bela da cobra amarela (pronto, arrepiei-me toda outra vez) fez questão de me aparecer pela frente! Só a mim, obviamente, a pessoa com mais medo de cobras do grupo.
E a seguir, já no hotel cheio de tokés gigantes, lá dentro, assim tipo, na sala (a sério, nunca me vou habituar a viver com lagartos, por muito que digam que não fazem mal e que dão sorte e blábáblá. Esta gente nunca viu a série "V a batalha final"?) fico a saber do atentado em Paris e acho que é mentira. Acho mesmo que não me diz respeito, até o Jaime me lembrar que estão lá a Carla e a Helena. Fico tão desconcertada que lhe pergunto o que é que a Helena, que vive em Berlim, está a fazer em Paris?
Ele fica agarrado ao telefone a tentar perceber o que aconteceu e eu fico sem saber o que pensar, apesar de me questionar como é que ele sabia que a Helena estava em Paris e eu não.
Pareceu-me tudo demasiado bizarro. Eu tinha acabado de me cruzar com uma população fantasma que vive no meio da selva. Tinha ido ao paraíso e voltado e a Europa pareceu-me uma coisa do passado, ou do futuro. Não do presente. Esta Europa não é a nossa.

* Usei esta frase, numa conversa, por causa da rapidez com que a minha memória está a desaparecer e pareceu-me um bom título. E os bons títulos nunca fizeram mal a ninguém, acho eu.

E depois fomos à montanha

9.11.15



Andava eu encantada com o mar e as praias timorenses que tenho visto e frequentado, desde Batugadé até Tutuala (toda a costa Norte, portanto) até que fui à montanha.
A montanha é todo um outro mundo. Eu sabia que estar no meio de um elemento tão preponderante, não só na paisagem, como nos próprios timorenses - que lá se refugiam em todos os feriados e festas de guarda - seria impactante. Tanto mais quando se sabe que estas montanhas foram, em muitas épocas diferentes da história de Timor, um aliado como nenhum outro, mas mesmo assim não estava preparada para o que ia encontrar.
Eu até podia tentar descrever com muitos detalhes tudo o que fomos vendo, mas parece-me que é mais uma coisa que se sente, estando lá.
Lá em Balibó, a conversar na esplanada da pousada do forte e a sentir a presença daquele silêncio. Depois, a caminho de Maliana rodeados de montes e vales, montes e vales e mais montes e vales; a passar pela capital de distrito, e ficar admirada com a organização (não vimos porcos, nem galinhas nas estradas, por exemplo) e seguir para Bobonaro e depois para Marobo, à procura da fonte de água quente. Inacreditável o que é preciso descer até lá! Não percebo como é que os timorenses que estavam a tomar banho, chegaram ali, porque os únicos veículos estacionados eram motas. Aliás, nem percebo como é que conseguiam tomar banho, já quea água estava a escaldar. E cheirava muito mal, diziam os meus filhos, coisa que, vim a saber depois, não se deve dizer ali, perto da água sagrada.
Lá pelo meio da montanha, atravessando a cordilheira de Tatamailau, por Ermera. Um percurso que corresponde a cerca de 150 km e que demorou umas sete horas, num carro todo o terreno.
Fizemos uma paragem para mergulhar nas cascatas de Atsabe, mas foi mesmo só um mergulho, porque a quantidade de crianças e jovens timorenses que se juntaram para nos observar intimidou-nos, e outra para comer pão com salsichas no momento em que começou a chover, claro.
Tirando isso, andámos perdidos uns cinco quilómetros, e se não fosse a biscota que faz Suai-Maliana (tipo microlet mas para viagens de longa distância) provavelmente teríamos ido parar ao outro lado da ilha.
Enfim, resumindo, o percurso é duro, que é, mas é absolutamente incrível.
E os miúdos, perguntam vocês? os miúdos adoraram passar dentro de uma nuvem, na zona de Merique, a 2100 metros de altitude (nenhum de nós tinha estado num ponto tão alto acima do mar), da paisagem parecida com a Terra do Nunca e divertiram-se com os saltos dentro do carro (a miúda nem tanto). Além disso, estiveram impressionantemente calmos a maior parte do tempo.

A ilha

6.11.15

No mesmo dia em que a terra tremeu, não com um, nem dois, mas cinco sismos, levando algumas pessoas a entrar em pânico, foi visto um crocodilo na praia do Cristo Rei. Uma praia, ao lado da Areia Branca, onde já mergulhámos algumas vezes.
Eu só me dei conta de um dos sismos, que nem foi o maior, mas nem me apercebi que era um sismo. Só ouvi um barulho no telhado e pensei que eram animais a correr lá por cima, o que significa que ao nível do chão esta casa está bem montada.
Quanto ao crocodilo, bom, só vi fotos e estou arrepiada até ao osso da espinha. Acho que vou demorar algum tempo a tomar banhos de mar descansada.

Talvez eu seja demasiado imaginativa

4.11.15

Já tenho a bicicleta. Quer dizer, só vai ser minha quando a dona dela se for embora de Timor, no final deste mês, mas já me vejo a ir buscar a fruta a Lecidere, a pedalar na marginal até ao café Letefoho e seguir para comprar katupa (ai, tenho de fotografar este arroz) nas barracas montadas na praia.
Parece-me que sou muito mais feliz a imaginar as coisas que posso fazer do que a fazê-las. Isto tem jeitos de ser uma doença, ou uma condição, vá, mas a realidade tem certas nuances que tornam tudo muito mais...real.
Eu não tenho nada contra a realidade, aliás, é muito mais a minha praia, como acho que se consegue perceber mas é mais fácil ser feliz a imaginar estas voltas de bicicleta por Díli sem incluir o calor abrasador, a quantidade de motoristas que não cumpre qualquer regra de condução e os cães que correm atrás a ladrar.
É como ter filhos, lá está, a malta imagina a maternidade/paternidade de uma forma e depois não dorme, passa a vida a limpar merda, com as mamas a pingar leite e a chorar por tudo e por nada. Eles são lindos, claro, e o que sentimos por eles não se parece com nada que tenhamos sentido antes, mas a realidade é bem diferente da imagem que tínhamos criado.
Isto, enquanto são bebés, porque depois eles começam a crescer e nós deixamos de querer imaginar o que quer que seja, porque a única coisa que interessa é o bem estar deles. O que só prova que o melhor é mesmo viver.

P.S Juro que não percebo porque é que comecei um post a falar da bicicleta e acabei a escrever sobre filhos.

Novos sabores 2

28.10.15
Curry Laksa. Tenho quase a certeza que haverá restaurantes em Lisboa a servirem este prato típico da Malasásia e Singapura, mas eu experimentei-o aqui em Díli. 
Os ingredientes base desta espécie de sopa são os noodles e os vegetais com carne, peixe, ou camarões. Depois, parece que há várias formas de a cozinhar sendo que as duas principais são o Curry Laksa (à base de leite de côco) e o Asam Laksa (à base de molho de tamarindo). 
Como sou uma fanática por côco, este prato é um consolo para as minhas papilas gustativas. 

Hoje já é amanhã

26.10.15
Um dia destes tive de fazer as contas para saber quantos anos tinha. Estava convencida que ia fazer 42 anos mas, afinal, já fiz.
Aquele pequeno instante em que procuramos alguma coisa na nossa memória e só vemos vazio é aterrador e uma pessoa não sossega enquanto não vasculha à volta, à procura de outras memórias para preenchê-lo. Não sei se não deveríamos explorar mais esses vazios. 
Quando era criança experimentava esses mesmos momentos aterradores quando conseguia ver-me velha a falar sobre mim (claro, sobre quem mais?). Ficava em pânico, por um brevíssimo momento, porque já não sabia se eu era eu, ou se uma memória daquela velha.
O Nicolau, quando acorda, pergunta muitas vezes se hoje já é amanhã, e eu sei exactamente o que ele quer dizer. 
Tenho a impressão que não estou a fazer sentido algum, mas não posso fazer nada em relação a isso. E depois uma certa dose de nonsense nunca fez mal a ninguém.

Hábitos

22.10.15
Não sei a partir de quando é que se tornou perfeitamente normal dizer que é preciso pulsa para o telemóvel, ou para a electricidade (uns códigos que se compram para fazer carregamentos), e buzinar para as galinhas e os porcos saírem do meio da estrada, quando estamos a caminho de casa, mas a verdade é que há coisas a que nos habituamos rapidamente.
De outras já não se pode dizer o mesmo, como tirar o queijo do frigorífico e vê-lo transformar-se numa pasta mole em poucos minutos, ou só precisar de meia hora para descongelar um lombo de porco.

Vivo dentro de um filme

19.10.15

Na praia deserta, desta vez em Baucau, a mais velha fez um vídeo a despedir-se das pessoas, porque temia ser devorada por um crocodilo, e onde explicava que não tinha como evitar mergulhar naquela água. Os mais novos "construíram" um barco e quase conseguiram fazer-se ao mar.
Havia uma galinha a passear e a alimentar a ninhada.
Aquilo era tudo tão cinematográfico que até pedi que me tirassem fotografias para o perfil do facebook. Fiquei mal em todas elas. Já devia saber que os estados de espírito não são fotografáveis, pelo menos os meus.
No dia seguinte teríamos Venilale, os túneis escavados pelos japoneses e um porco gigante. Tudo muito cinematográfico também, sobretudo o momento em que o rapaz timorense entra e prega-me um susto de morte. Tenho sempre tendência a achar que estes sítios são assombrados.
Enfim, mas nada disto é um filme, é a vida real, só que é a vida real a parecer um filme.
E por falar em filmes, acho deveras curioso estar a viver em Timor no momento em que estão a filmar o documentário Rosas de Ermera. Aliás, quase me cruzei com Maria das Dores quando foram filmar o parque de estacionamento do Páteo, porque era ali o salão de festas, no final dos anos 30.
Talvez nos cruzemos noutro sítio.

Sam Fritz, és os maior

16.10.15





Eu não conheço o Sam Fritz, fui espreitar a página dele no linkedIn e fiquei a saber algumas coisas sobre o que faz mas não sei se é simpático, se é tímido, se gosta de comer carne de vaca, ou se é alemão (por causa do nome e por trabalhar numa empresa alemã).
O que sei é que fez uma coisa extraordinária, o Dili Microlets, que é nada mais nada menos do que o primeiro mapa da rede de transportes públicos em Díli.
Eu continuo sem muita coragem de entrar naquelas carrinhas apinhadas de gente (por fora e por dentro), que me tentam atropelar sempre que atravesso a rua, mas aprecio sobremaneira isto que o Sam Fritz fez por nós. Em nome de todos os malai, muito obrigada!

P.S As fotos foram tiradas na paragem da Catedral, fora da hora de ponta.

Novos sabores 1

16.10.15
Couve kangkung e rebentos de papaeira. Estes rebentos são usados na culinária para combater o dengue e, misturados com aquela couve parecida com espinafres (apenas na aparência), ficam absolutamente deliciosos. O sabor que eu conheço mais parecido com estes legumes salteados é o dos nossos grelos, mas as semelhanças são ligeiras. 
Aqui em casa acompanham muitas das nossas refeições.

Justiça

13.10.15

Estamos sentados no restaurante sem paredes, como quase todos os restaurantes daqui, os miúdos brincam nas ondas, sente-se uma brisa ligeira, já não sabemos quantas garrafas de vinho vieram para a mesa e a conversa segue animada.
Todos concordam que em Portugal não conseguíamos ter a qualidade de vida que temos aqui, mesmo se as razões que nos trouxeram cá sejam diferentes.
Eu gosto de os ver livres a brincar, gosto dos sorrisos das crianças timorenses, porque nos obrigam a sorrir de volta, gosto de coisas que não são palpáveis e gosto, claro, de ter o poder de compra que me permite a tal qualidade de vida.
Mas ao fim e ao cabo dou por mim numa inquietude aflitiva, como se estivesse a chegar perto de alguma coisa mesmo, mesmo importante, sem no entanto conseguir alcançá-la. Assim como quando temos uma palavra na ponta da língua e não a conseguimos dizer.
Tenho acessos de melancolia preocupantes e deixo-me resvalar numa apatia incompreensível.
Muitas vezes, estou sentada no sofá a ler, ou a descascar uma manga, enquanto a Ana está a passar a roupa a ferro e pergunto-me porque é que as coisas são assim, porque é que uma pessoa pode estar sentada a ler, enquanto outra tem de trabalhar para essa pessoa. Será que ela se pergunta o mesmo? Eu tenho quase a certeza que me perguntaria, se estivesse no lugar dela, mesmo estando feliz por ter um trabalho e algumas regalias que outras pessoas não têm, como não precisar de trabalhar ao sábado. Mas eu não estou no lugar dela e ela talvez venha a estar no meu lugar um dia.
Não fala muito bem português mas está a ensinar o pouco que sabe ao filho, porque quer que ele vá para a escola portuguesa quando tiver três anos.
Quando lhe disse que queria aprender tétum, ela riu-se; "tétum, sinhóra, pára quê?". Quando lhe pedi para nos cozinhar qualquer coisa timorense, arregalou os olhos: "timorense só come árroz, sinhóra!". Quando lhe falei sobre as cantorias que ouço quase todas as noites, abanou com a cabeça desconsolada: "timorense não percebe, sinhóra, não tem educaçau". Eu argumentei que até apreciava esta alegria tão espontânea mas ela replicou que a "alegria é por causa do vinho".
Enfim, tinha de me calhar como empregada a única timorense sarcástica do país. É justo.

Os livros

7.10.15
Pois bem, enquanto arrumávamos as nossas coisas decidimos que deveríamos mandar para cá alguns livros, juntamente com outras coisas essenciais, como o órgão da Bea, a minha máquina de costura e a iogurteira.
Portanto, assim de repente vimo-nos perante o dilema de decidir que livros levar para uma ilha, que não sendo deserta é, pelo menos, distante. E eu, que nunca soube responder a essa pergunta dos livros e da ilha, acho que escolhi depressa e sem pensar muito. Tanto que nem me lembro ao certo que livros estão neste momento em alto mar. Lembro-me que pus de parte a biografia da Duras e alguns livros do Vila-Matas mas não tenho a certeza sobre o Diário da Virgínia Woolf. Também tenho a impressão que separei um clássico, tipo A Odisseia, que nunca li e queria aproveitar para ler, mas creio que eram demasiados volumes e desisti.
Assim sendo, no que diz respeito aos livros viemos apenas com os que estávamos a ler na altura, que é mais ou menos o equivalente a vir para cá apenas com a roupa que tínhamos no corpo. O que, em boa verdade, é o suficiente, se pensarmos bem.
Perante isto, e depois de terminar o meu "Disse-me um Adivinho", dei por mim a ler o"Apenas Miúdos", da Patti Smith e um policial da Camilla Läckberg, trazidos pela Bea. Depois, decidi comprar mais um ou dois e, perante a oferta, optei pelo "Comer, Orar, Amar", porque uma das partes do livro passa-se em Ubud, um dos sítios que mais gostámos de conhecer em Bali e "Da Cruz ao Sol Nascente", um livro de um Jesuíta que conta a sua experiência em Timor ao longo de 38 anos.
Entretanto, estou a ler um emprestado, A Batalha das Lágrimas, e sinto-me como quando tinha 11, ou 12 anos e lia tudo o que me aparecia à frente, desde aqueles romances de cordel Sabrina, até ao Dostoievski, com o mesmo entusiasmo.

Da felicidade

5.10.15

Ontem à tarde, domingo, adormeci depois de um almoço faustoso e acordei com a música dos GNR. Por breves momentos não conseguia perceber onde estava, nem que dia da semana era, apenas sentia uma ligeira tristeza que não sabia de onde vinha. Quando me situei, atribuí aquela sensação a uma certa nostalgia do meu país, talvez provocada pela música familiar. Olhei para o relógio, fiz as contas e constatei que, em Portugal, as urnas já tinha aberto. Não creio que fosse algum tipo de tristeza antecipada, mas têm-me acontecido coisas estranhas, por isso tudo é possível.
Por exemplo, um dia destes estava na sala a ler (por falar nisso tenho de falar sobre as leituras), enquanto o Jaime via qualquer coisa na TV e o nosso cão dormitava no chão, por baixo da ventoinha. Tirei os olhos do livro e aquele cenário pareceu-me irreal. Em tempos, eu tinha imaginado uma cena assim. Costumava dizer: um dia vamos ter uma casa com jardim e um cão. E agora temos. E é um bocado assustador, isto de se querer uma coisa e ela acontecer.
É claro que eu agora podia escrever aquelas coisas inspiradoras sobre o caminho que tivemos de fazer para chegar aqui, mas isso seria demasiado aborrecido e, além disso, eu não sou uma pessoa assim tão esforçada.
Portanto, para todos os efeitos, um dia dissemos que sim, que haveríamos de ter a nossa casa com jardim e um cão e cá estamos. Quer dizer, a casa é do Sr. Duarte, o ambiente à volta é muito mais denso (em vegetação e pessoas) do que eu tinha imaginado, os mosquitos mordem como vampiros - sim, no pescoço e tudo - e o tecido dos sofás pica, mas naquele momento em que levantei os olhos só vi um sonho tornado realidade e percebi, finalmente, porque é que há pessoas felizes neste mundo.

Mais vale ser turista (às vezes)

2.10.15
Uma pessoa percebe que o guias de viagem servem de pouco quando compra o da Lonely Planet sobre Timor-Leste e fica a pensar onde raio é que eles comeram camarões e peixe fresco grelhado, nas barracas da Av. de Portugal.
Ou então sou eu, já imbuída dos preconceitos estabelecidos que dizem que não se deve comer em certos sítios (partindo do princípio que é o sítio que estou a pensar), sob pena de irmos parar ao hospital. A verdade é que sempre comi na rua nas cidades que visitei, mas aqui ainda não.
E depois, é muito provável que os intrépidos viajantes da Lonely Planet sejam capazes de beber água de uma valeta em Calcutá sem que nada lhes aconteça (acho que li isto em algum sítio).
Seja como for, experiências gastronómicas cada qual tem as suas, mas um mapa é um mapa, certo? Então, porque raio não percebo o de Dili? Será porque a cidade está sempre a crescer? Talvez. Mas "Taibessi Bus Terminal"? Aqui não há autocarros, senhores!! Há umas carrinhas que andam sempre apinhadas de gente (as microlets) e nunca vi um único malai lá dentro. Já pensei entrar numa, sem ser nas horas de ponta, para ver o que acontece, mas acho que vou aprender tétum primeiro.
De resto, se alguém estiver a pensar vir cá passar férias, pode sempre circular de Táxi, é barato e seguro, apesar de se ouvirem umas histórias sobre...bom, tenho de deixar de ouvir o que diz por aí, está visto.

Fazer seis anos num país tropical

29.9.15
é poder ir mergulhar na praia e lançar o papagaio novo.

Aos poucos a vida acontece

28.9.15

Já passou um mês desde a nossa chegada e não posso dizer que saiba muito sobre Dili. Para já sei que as melancias são do tamanho das toranjas e que debaixo dos braços do Cristo Rei existem ninhos de pássaros. Muitos ninhos mesmo.
Sei que há famílias timorenses que comem carne de cão e outras não. E que quando alguém morre os familiares levam comida (tipo uma vaca, um porco, uma galinha e por aí fora, conforme as possibilidades) e "festejam" ao longo de vários dias. É comum, por isso, os timorenses pedirem adiantamentos do salário para os funerais. A Ana já nos pediu o primeiro adiantamento e foi quase metade do que ganha para o funeral do tio do marido. Espero que não lhes morra muita gente nos próximos tempos.
Os miúdos da escola do outro lado da rua metem conversa comigo em inglês, perguntam-me com uma pronúncia perfeita: "What's your name?" Eu digo-lhes o meu nome e pergunto-lhes se sabem português (a língua oficial do país deles, juntamente com o tétum), dizem que não.
Em Timor não há vinho, o que existe é importado, mas há uma bebida alcoólica feita a partir da folha de palmeira, ou do milho, que é absolutamente intragável. Eu não consegui provar, porque só o cheiro ia-me matando.
Descobri que há várias formas de fazer ai-manas, um molho picante que deve ser provado com batata doce. E que há sempre um camada fina de pó (bem, a espessura depende do número de vezes que é limpo) em tudo.
Apesar de Dili ser uma cidade pequena é difícil andar a pé, por causa do calor e do pó. Estou a pensar comprar uma bicicleta, apesar de temer pela minha vida no meio deste trânsito caótico.
Gosto muito da Escola Portuguesa e os miúdos começam a gostar também. O Isaac, que faz seis anos amanhã, está a aprender a ler pelo método das 28 palavras.
Gostava de saber mais sobre os timorenses que vivem à nossa volta, mas os expatriados despertam-me a mesma curiosidade. Pelo menos com estes últimos posso conversar.
Deve haver poucos países onde uma pessoa vá ter com o Presidente da República, a meio de um jantar, para o apresentar aos nossos filhos, depois de estes terem demonstrado um interesse desmesurado por Matan Ruak. E deve haver ainda menos países em que um Presidente da República se mostre verdadeiramente entusiasmado por cumprimentar duas pequenas criaturas.
E depois, há sempre mais uma praia paradisíaca para descobrir.

Respirar debaixo de água

22.9.15

Apesar da aparente felicidade dos fotografados (bom, menos da Bea, que odeia o uniforme) isto aqui está a ser um episódio do Marco com um a gritar "Mamaaaaaaaaaaaaaaaaaaã, não quero ficar aqui" e o outro a berrar "PAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIII", como se o estivessem a levar para o matadouro. Eu a sair da escola a tentar disfarçar as lágrimas, o Jaime a engolir em seco.
No primeiro intervalo da manhã a Bea liga a dizer que estão os dois no recreio a chorar pelo pai. Eu estava à espera de algum drama quando os deixasse, mas nos intervalos?!?!
Assim que os vamos buscar o Isaac diz que quer voltar para Lisboa. Não serve de nada argumentar que em Lisboa também iria para uma escola nova.
É muito aflitivo vê-los tão nervosos.

A escola é só de manhã, das 8h00 às 13h00, mas parece que nunca mais termina. Eu ia aproveitar as manhãs para passear por Dili, caminhar à beira mar, explorar alguns mercados, mas fico a olhar para o relógio, ou para o meu pé deformado pela picada de um mosquito, ou de outro bicho qualquer. Às vezes adormeço, outras olho para o espelho, à procura de me encontrar, mas não tenho a certeza de reconhecer aquela mulher.

No fim-de-semana fizemos um churrasco na One Dollar Beach e alguém levou o equipamento de snorkeling. Experimentei durante alguns minutos e fiquei fascinada ao ouvir-me respirar debaixo de água. Sim, não havia ali peixes à vista, nem grandes corais, por isso podia virar-me para mim sem sentir que estava a falhar o alvo.
Saí do mar com a sensação de que é isso que preciso de fazer aqui, reaprender a respirar, descobrir quem sou e do que sou capaz. Mas antes (durante?) preciso de ajudar os meus rapazes.

Eu disse: Nem pensem que vamos ter outro cão

15.9.15
E, como podem ver, fui completamente levada a sério. Pelos menos consegui, mais ou menos, que não lhe chamassem Haku, uma vez que usar o nome de um personagem do Miyazaki correu mal da primeira vez. Quase me convenceram que talvez o Haku encontrasse a Chihiro, como no filme, mas achei melhor não arriscar.
Assim sendo, apresento-vos o Douro (para alguns aqui de casa Haku Douro).

De resto os dias têm passado lentamente. Parece que aqui tudo demora mais tempo a acontecer. Deve ser impressão, porque já vou no segundo cão; já conheci pessoas novas, incluindo o embaixador de um país que quero visitar; já tive um belo fim-de-semana em Liquiça; já apanhei um daqueles sustos com o Nicolau a gritar no meio do mar porque um bicho o estava a morder (saiu de lá com uma belíssima alergia, que passou pouco tempo depois); já estou demasiado morena e demasiado mordida pelos mosquitos; já temos os uniformes da escola que começa na sexta-feira e já terminei dois livros.

Deve ser impressão, dizia, até porque o tempo é uma coisa muito relativa como se sabe, e como se tem vindo a confirmar em estudos cada vez mais exaustivos, mas o facto de não ter sempre internet disponível é capaz de justificar muita dessa sensação.

O que não deixa de ser curioso é que a coisa que acontece mais depressa neste país é o nascer e o pôr-do-sol. O dia começa e acaba com uma rapidez estonteante e é muito desconcertante este desfasamento entre a lentidão que acontece no meio.

Enquanto não me encaixo

10.9.15
Ao contrário do que eu esperaria não sou melhor mãe por ter alguém a ajudar (leia-se a fazer praticamente tudo) em casa.  E apetecia-me muito desculpar-me com o calor, com as coceiras e inchaços que os mosquitos me provocam e com o não fazer ideia do que o futuro me reserva, mas olhando para mim, como se estivesse de fora, vejo uma enjoadinha de merda. É certo que dois meses em casa com eles, e em tantos contextos diferentes, não é, como se costuma dizer, pêra doce. Mesmo assim, enjoadinha de merda.
Depois, a vida em Timor não se tem revelado o “sonho” que imaginei. Primeiro, porque estou completamente entediada e a odiar-me por estar completamente entediada num país novo. A seguir, porque nos roubaram a chihiro, uma cadela timorense bebé que desapareceu no mesmo dia em que chegou aqui a casa.
Eu sempre a dizer que ter um cão é como ter um filho e fui logo ceder a deixá-la sozinha por alguns instantes no  jardim. Quem é que sai de casa e deixa um bebé sozinho? Sim, sim é um cão, já sei, e não me interessa. Passei a noite toda a chorar e a maldizer os timorenses  que se riram quando lhes fui perguntar com gestos e várias línguas misturadas se tinham visto um  cão pequeno (devia ter dito “asu ki’ik”); a maldizer Timor e as baratas do tamanho de ratos que subiam pelas valetas que eu iluminava à procura da chihiro.
É uma questão de tempo. Acabarei por encontrar o meu lugar neste sítio com tantas coisas boas e outras menos boas, até lá espero encontrar a cadela à venda numa esquina e reconhecê-la.

Somos todos um (ou estou a dar em mística)

7.9.15
Tentativa falhada de mostrar a animação na nossa rua, ao final da tarde, por oposição à calma que reina quando anoitece

Estamos aqui há pouco mais de uma semana e a Bea já tem amigos que a convidam para eventos sociais. Uma noite destas, quando ela estava em casa de uma amiga e o Jaime num jantar institucional dei por mim a pensar que não devia ter chamado "sardão medonho" ao toké que vive no jardim, já que a partir desse dia nunca mais o ouvi cantar. É claro que ele não poderia saber que lhe chamei nomes, mas um bicho tão considerado aqui em Timor é bem capaz de saber ler pensamentos, ou assim. 
Depois cheguei à conclusão que só podia estar a sofrer com a insularidade. É claro que uma semana não chega para sentir os efeitos do isolamento, mas toda a gente sabe que eu gosto de sofrer de alguma coisa. E estava nisto, e a sentir-me um bocado ourada por causa da cerveja (o que só prova que eu não sou mais eu) quando o gajo começa a cantar. Até me arrepiei. Nessa noite, aliás, fartou-se de cantar, sempre em número par, sinal de boa sorte, dizem. 
Se há uns tempos me tivessem dito que um dia viveria em Timor-Leste e que passaria serões a ouvir e a contar tokés teria achado muita piada. Agora que aqui estou acho mais piada acordar a meio da noite e perceber o absoluto silêncio que reina entre as cantorias dos galos, o ladrar dos cães e a música das muitas festas que estão sempre a acontecer. 
Quando Dili dorme ouve-se um som completamente novo para mim. É como se todos nós, animais incluídos, dormíssemos o mesmo sono. 

Nunca me tinha sentido assim

3.9.15
Não compreendo o que se passa na Europa, e não é só por causa da imagem do menino morto que deu à costa, há já algum tempo que não percebo o que se passa nesse continente (é estranho sentir-me já tão distante). Também não faço a mais pequena ideia do que se passa na Ásia, ou nos outros continentes.
Podia até ter uma opinião sobre determinados assuntos, porque já se sabe que não é preciso ter muitos conhecimentos sobre as coisas para se opinar sobre elas, mas nem isso. Bem, talvez tenha sobre o batom da Ana, a nossa empregada, mas nem acerca desse detalhe, muitíssimo interessante, saberia discorrer, creio eu.
Não sei o que me aconteceu. Estou numa espécie de hibernação mental. Nem o livro do Terzani, que terminei hoje, me tirou desta letargia.
E isto seria muito bom se eu estivesse a usufruir desta falta do que fazer, ou se esta apatia fosse a capa natural do frenesim que costuma revolver-me as entranhas perante um novo desafio, mas não é nada disso. Não se passa nada. E isso é muito estranho, quando se passa tanto.

Estamos bem

1.9.15



Estava a aterrar em Timor-Leste, depois de uma escala em Singapura desafiante (juntem jetlag + crianças pequenas com jetlag + quarto alugado no airbnb, numa casa com mais dois quartos alugados com várias camas +  apanhar um taxi, onde o taxista quase não conta, já que tudo é controlado por um "sistema"), e pensei que devia sentir alguma coisa especial ao avistar a ilha dali de cima. Pensei que era gaja para me emocionar, mas depois olhei para o Isaac, o mais entusiasta nestas coisas das descolagens e aterragens dos aviões, e vi que tinha adormecido a 30 segundos de aterrar em Timor. Era esse o sentimento certo - um certo sossego. Emocionei-me na mesma, nunca vou ser capaz de controlar sentimentos.

Depois cheguei à minha casa timorense, vi as papaias, as frangipanis, os detalhes curiosos (chamemos-lhes assim) espalhados pela casa, os timorenses que vivem à nossa volta, com as suas bancas de legumes e as campas dos mortos enterrados ao lado. Ouvi o toké que vive no jardim e os galos dos vizinhos e lembrei-me da Helena. Não deve faltar muito para o bicho que canta tão bem começar a irritar-me (conseguiram-no fotografar e aquilo é um sardão medonho), para deixar de me rir quando a água acaba e tenho de sair do banho para ligar o motor que puxa a água do poço, para abrir guerra contra a Natureza que insiste em entrar pela casa dentro, para me chatear com este mar de gente que vive à nossa volta e que acorda quando o dia nasce.

Mas, para já, estou só a stressar com a novidade de ter uma empregada em casa todos os dias. Além do lixo é o meu maior stress. Podem odiar-me à vontade.

Às 4h da madrugada

27.8.15
A insónia não é novidade a esta hora da madrugada. Tem sido assim nos últimos dias deste longo mês de Agosto.
Agosto foi sempre o mês mais longo do ano, também isso não é novidade.
O hotel, sim, é novo. Novo para mim, porque o chão gasto e o cheiro a desodorizante deixam claro que de novo tem pouco.
Daqui a umas horas começa a longa viagem que nos levará para a casa nova. Não gosto muito da ideia de passar tanto tempo dentro de um avião, ou melhor, de três aviões, mas todos parecem calmos (e não é só porque estão a dormir) e isso tranquiliza-me.
Lisboa não parece a mesma, sem uma casa a que chamemos nossa, mas soube-me bem o caril de camarão com quiabos e o chacuti de frango, no meu restaurante preferido.
Não sei se já tinha dito que daqui a umas horas começa a longa viagem que nos levará para a casa nova. Não é bem uma mudança de casa como todas as outras, sobretudo com tantas lágrimas misturadas, mas no fundo é isso: vamos mudar de casa.

“Boa noite, não se preocupe. Boa sorte!”

19.8.15
Isto não está fácil. A minha mãe complicou, como sempre, a minha vida. Entrou num processo tal, nas últimas semanas, que se tornou incapaz de cuidar da minha avó (ela culpa a minha avó da vida miserável que tem, eu culpo a minha mãe de complicar a minha vida. Isto é tudo um ciclo, como se sabe).
Depois de arrumar a minha casa em Lisboa, no sentido literal, tenho estado a arrumar a casa da minha mãe nos dois sentidos – literal e figurado. Limpo a merda dos gatos, dos meus e não só, que vivem aqui; limpo a merda das galinhas; limpo a merda das sanitas. Procuro um Centro de Dia para a minha avó e vejo-a pedir à minha mãe, em desespero, que não a abandone.
Desespero com o desespero das duas.
Decido não me deixar abater, já que não é novidade para mim que esta casa tem a capacidade de deitar abaixo todos os filhos da minha mãe, menos (aparentemente) o meu irmão mais novo, que é o que vive mais distante, por enquanto.
Decido não me abater, dizia, e mantenho a ideia de marcar um jantar para me despedir dos meus amigos. No processo das mensagens, via telemóvel novo, isto é, smartfone usado, engano-me num receptor e, depois de corrigir o erro, recebo a seguinte resposta: “Boa noite, não se preocupe. Boa sorte!".
Choro compulsivamente. Não sou de ferro, foda-se!

Sabedoria popular

12.8.15
Visto isso o problema da minha mãe está relacionado com o momento da concepção, e eu não vou entrar em detalhes, porque a minha avó contou-me o sucedido muito envergonhada, acrescentando que nunca tinha falado do assunto a ninguém.
Mas nem tudo está perdido, porque se o médico da cabeça que eu sugeri for bom e ela tomar os remédios pode ser que as coisas se componham.

Cuidar

11.8.15
Andamos uma vida inteira a correr atrás do Amor, esse mesmo com maiúsculas, o verdadeiro e único. Acreditamos, mesmo quando não acreditamos, que existe a pessoa certa para nós. Ou talvez até mais do que uma. Não sei se porque está escrito em todo o lado, em palavras e não só, ou se os nossos átmos estão programados para isso.
Seja como for, é bonito quando acontece, mesmo quando não acontece e nós achamos que sim. Uma pessoa fica feliz. Uma pessoa encontra sentido nesta confusão toda. Uma pessoa brilha e sorri muito mais. Se calhar brilha, porque sorri.
E isso é tudo muito bonito. Muito bonito mesmo. Mas, aqui entre nós que ninguém nos ouve, o verdadeiro achado, a verdadeira felicidade é juntarem-se pessoas que gostam de ser cuidadas a pessoas que gostam de cuidar.
Ou então ser como Elisabeth de York.

Do que eu gosto é de vinho, mas há execpções

6.8.15
Acordei, na segunda-feira, completamente em pânico, porque me tinha esquecido de enviar o texto para a semana da cerveja do Lifecooler. Nunca me tinha acontecido tal coisa na vida e até saltei da cama (coisa rara, sobretudo àquela hora da manhã).
Depois de trocados alguns SMS, percebi que estava no timing, que era esta semana que deveria enviar o texto, e abracei o meu superego. Acho que o achei espectacular e tudo.
É claro que esta alegria e auto-valorização duraram pouco tempo, por não ter conseguido escrever o texto que gostaria, e ainda por cima cheio de gralhas (obrigada Nelson, pela edição), mas acho que, mesmo assim, vou continuar a ter em boa conta este meu nível de consciência.
E nem sequer quero saber se é completamente ultrapassado citar Freud, sei é que o meu superego, ou o referente mais actual, tem feito algumas coisas por mim bastante interessantes, como mostrar-me erros ortográficos em sonhos, que me passaram despercebidos quando os escrevi acordada, corrigidos pela minha professora de História do 11.º ano.
Sim, já me aconteceu acordar uma manhã completamente em pânico, depois de ver num sonho uma antiga professora escrever no quadro preto, com a sua letra magnífica de professora primária, uma palavra que eu tinha escrito mal num e-mail, e que na altura nem sequer me tinha apercebido.

No fundo, eu sou a Paris Hilton

30.7.15
Tenho andado muito ocupada com as arrumações da casa, como se nota, e tenho dado por mim envolta em nostalgias estranhas, do género: "é a última vez que estendo roupa neste estendal (suspiro)", ou, "amanhã é a última vez que os meninos tomam banho nesta casa (suspiro)", e "só vou subir e descer estes três andares, que parecem seis, mais meia dúzia de vezes" (suspiro, ou melhor, yupiiiiiii!).
Enfim, esse tipo de coisas e mais as outras que nos assaltam o pensamento quando estamos a fazer actividades mecânicas e aborrecidas.
A mim, por exemplo, acontece-me pensar que preciso de perder barriga, e que tenho de comprar um dente (o pré-molar que parti na passagem de ano 2013), e que se houvesse uma forma de levantar as mamas é que era. Depois, pergunto-me a que propósito e, por mais que queira culpar a sociedade, os estereótipos, a modernidade, a frivolidade, e sei lá quantas mais coisas acabadas em "dade", a verdade é que uma parte de mim gosta de ser objecto de desejo, de cobiça. É um bocadinho parvo, eu sei, apesar de natural, no sentido em que faz parte do ser humano querer ser desejado - os bebés são adoráveis por uma questão de sobrevivência, ponto.
É um bocadinho parvo, dizia, porque eu não preciso propriamente de "arranjar marido", e não faz parte de mim precisar de atributos físicos para me sentir valorizada como pessoa, mas a verdade é que é para aí que o meu pensamento corre, quando se liberta nas tarefas mecânicas.
Acho que é por isso que os exercícios de escrita automática sempre me aterrorizaram. No fundo, no fundo eu sou a Paris Hilton.

Rose te vá bien

28.7.15

Este desenho, feito em Montmartre quando estive em Paris pela primeira vez, correu praticamente todas as casas onde vivi, ou seja oito casas (sem contar as que dividi quartos), e nunca esteve pendurado/colado numa parede. Nem sei bem porquê, talvez por toda a gente o achar feio.
Eu sei que não é lá grande retrato mas não consigo desfazer-me dele. Lembra-me o quanto fiquei fascinada com o ambiente de Montmartre e o espanto de me ver tão bonita num desenho (e parecida com a Kirstie Alley do Cheers), para logo a seguir ouvir a minha professora de Psicologia dizer que eu eu era muito mais bonita na realidade. A mesma professora do "rose te vá bien", sobre a camisola que tinha vestido nesse dia. Tenho de vestir mais vezes cor-de-rosa.
E o desenho vai voltar para o sótão da minha mãe.

Eles

25.7.15


Há muitas razões para estar encantada com esta enorme mudança que vamos fazer (e os caixotes à minha espera, dia após dia, enquanto eu invento milhares de coisas mais importantes, tipo fazer vestidos para mim e assim), mas a que mais me entusiasma é o facto de este cenário poder acontecer fora de portas. Ou seja, em vez de andarem a correr nus pela casa como se fossem índios, vão poder ser mesmo índios a correr fora de casa, no nosso jardim com frangipanis e uma papaeira.
Além disso, não terão de falar com o pai através de um computador, ele vai estar ali connosco.
Podíamos fazer o mesmo no Minho, ou no Alentejo, com buganvílias e uma figueira? Podíamos, mas não era a mesma coisa.

Acaso

23.7.15

"No ano passado, um menino de dois anos de West Chester, na Pensilvânia, morreu depois de uma cómoda de seis gavetas da gama Malm ter caído em cima dele."

"Uma menina de 12 anos morreu hoje, sexta-feira, após ter sido atingida por um raio enquanto se encontrava ao ar livre na região de Campelles, em Girona, na Catalunha."

"Uma criança com cerca de três anos morreu esta madrugada junto a um poste de alta tensão no recinto das festas de Odivelas."

Às vezes, acho que se reunisse todas as notícias deste género, e fizesse uns cálculos complicados, encontraria uma justificação para estes acontecimentos aleatórios e absurdos.

No largo

19.7.15
"Não, não tive filhos e não me arrependo, sabe porquê? porque, eu tenho um irmão mais novo do que eu 12 anos, fui eu que o criei e parece que nem existo para ele. A minha mãe era enfermeira no Estefânia e a minha avó costurava para as senhoras ricas. Tinha cinco pessoas a trabalhar com ela. Então, eu ia levar o meu irmão ao hospital para a minha mãe lhe dar de mamar e cuidava dele apesar de só ter 12 anos. Agora, passam-se meses sem que me telefone. Mas, tudo bem, é só o meu irmão, já viu se fosse um filho? Não, não conseguia viver com isso.
Do que eu me arrependo é de não ter casado com um oficial da marinha que gostava muito de mim. Mas eu andava nas danças, sabe, nas danças de salão, e não tinha interesse nenhum em namorar (está quieta boneca, não te coces, que depois fazes ferida, a dona põe-te pó talco quando chegar a casa). Sim, era bailarina, pois, e até ganhei quatro troféus. Dois na Apolo e outro dois aqui [no Sport Clube do Intendente], mas este agora está desactivado. Tenho pena de não ter ficado com ele, ele ia chorar lá para casa, com a minha avó. Agora está viúvo e tem filhos casados e netos, mas se o vir não o reconheço.
Nós as pessoas de Lisboa falamos muito, não é? Então as que têm uma costela algarvia como é o meu caso, muito mais. Não conhece muitos lisboetas? Pois, os lisboetas vivem mais nestes bairros antigos, em Alfama, na Bica, no Bairro Alto, aqui no Intendente...eu gostava muito mais deste bairro como era antigamente. Ainda no outro dia fui entrevistada para a Renascença, nem sei se "ela" [Presidente da Junta de Freguesia] ouviu, e disse isso mesmo. Sim, havia droga, mas agora também há. E a droga nunca me trouxe problemas, nem as prostituas (ui, o Luís já está tão bêbedo a esta hora!). Antigamente era melhor, eu acho.
Eu nasci aqui há 70 anos, na casa onde ainda hoje vivo e na cama onde durmo. Tenho um hóspede lá em casa, mas, coitado, a reforma dele mal dá para pagar o quarto. No outro dia foi buscar comida às carrinhas, mas depois roubaram-lhe os sacos com a comida, enquanto ele foi fazer a folga de um conhecido no estacionamento do Saldanha. E era muita comida, e boa."

Na hora do adeus

17.7.15
Aconteceu o que tanto temia. Entraram na camioneta que os leva à praia, um hesitante e o outro decidido, e sentaram-se em lugares opostos. Um de cada lado, portanto.
Ou seja, aquele ritual de dizer adeus, já de si bastante stressante, com todos os pais a procurarem os filhos numa ansiedade inexplicável, tornou-se mais angustiante e ridículo comigo a ter de atravessar a rua para dizer adeus, ora a um, ora a outro e a ver na cara de cada um deles o alívio ao perceberem que afinal não tinha fugido.
É claro que na hora de arrancar teria de decidir de que lado ia ficar para o último adeus. Teria de escolher um filho. Nem sei como consegui manter-me tão calma. É claro que isto não está ao nível d' A Escolha de Sofia, mas não deixa de ser um drama.
Escolhi o Nicolau, porque tem andado mais inseguro, sempre agarrado às minhas pernas, e fiquei ali a acenar (para ele e para as pessoas do autocarro que naquele momento se meteu à nossa frente) com o coração partido.
A camioneta foi-se embora e eu queria desatar a correr atrás para ir dizer adeus ao Isaac, para ele saber que não o abandonei, que não o preteri. Mas, na verdade, foi exactamente isso que fiz.
Contive-me e depois fui-lhe comprar a revista do Jake e os Piratas da Terra do Nunca, que traz uma pistola de água (Jaime, não te zangues).
Ainda bem que em Timor não há camionetas.

Mamas

16.7.15
A Joan Didion escreveu um artigo na Vogue, em 1961, sobre um assunto muito pertinente, e do qual não tenho qualquer opinião, porque não o li.
Então, porque raio vens para aqui falar de uma coisa que não leste, perguntam-me vocês (entretanto, já li dois parágrafos, porque o blogger deu um erro qualquer)?
Pois bem, eu respondo, porque eu gostava muito de andar sem sutiã na rua, como ela nesta fotografia que acompanha o artigo.
A maior parte das vezes eu angustio-me com questões bem mais importantes do que as minhas mamas descaídas, hoje não é um desses dias.
Hoje é o dia em que comprei um sutiã caro e que não tem nada a ver comigo, só porque sou uma dessas pessoas que se deixa levar por bons vendedores. É muito triste.

Mulher boa mulher

15.7.15
Peguei no livro, a caminho da casa de banho, e abri-o na página marcada: "Hoje em dia é difícil arranjar uma boa mulher - asseada, ilustrada, neurótica, sexualmente competente, boa mãe - mas é fácil arranjar uma mulher boa: deprimida, técnico-sexualmente avançada, vadia e sem pachorra para conversas de biberões".
E, então, lembrei-me porque tinha deixado de gostar de ler Filipe Nunes Vicente.

Eu também tenho alguma dificuldade em entender-me

13.7.15
Acho que se pode dizer que sou popular, faço amigos com alguma facilidade e as pessoas, em geral, parecem gostar da minha companhia, mas acontece-me com frequência (mais do que a que gostaria), temer encontros, mesmo com pessoas amigas.
Muitas vezes, dou por mim a inventar mil e umas desculpas para não comparecer a coisas combinadas.

A Bea deixou de me pedir abraços. Parece que levou a cabo a ameaça de o fazer para ver se os meus abraços surgiriam espontaneamente. Já não me lembro da última vez que a abracei, portanto, ela tem razão: não lhe dou abraços se ela não os pedir.
A verdade é que olho para ela e está ali uma mulher. É a minha menina, quando paro para olhar melhor, mas não faz sentido dar-lhe colo, ou afagar-lhe a cabeça, só porque está ali. É provável que eu não seja uma pessoa afectuosa.

Lixo

9.7.15
Ando um bocado preocupada com o facto de ir viver para um país que não tem como tratar o lixo. Mas depois de confirmar que nos últimos 10 meses consumimos três garrafas de óleo, parece-me que estou preparada para o desafio de produzir ainda menos resíduos.
O problema vai ser o que fazer com as garrafas de vinho.

Nem todas as pessoas que viajam são espectaculares

8.7.15
Dizia-me a mãe do nosso senhorio que a vida é assim mesmo e que os jovens têm de partir, ir atrás dos seus sonhos, de uma vida melhor, ou do que quer que os mova, que os dois filhos dela também estão longe e tal e tal.
Mais tarde, tentei reproduzir a conversa ao Jaime, emocionada com o discurso da senhora, sobretudo depois da reacção dos nossos pais - os do Jaime choraram e a minha mãe pediu-me para não levar as arcadas de ouro que herdei da minha avó paterna.
Então, estava a falar-lhe da conversa que tive, e não sei de quantos mais assuntos que me foram surgindo, todos interessantíssimos, evidentemente, e no fim o comentário que ele faz é: "que curioso ela achar que somos jovens aos 42 anos."
Eu, que tinha ouvido o discurso em primeira mão, não achei nada estranho ela referir-se a nós como jovens, mas depois de ver uma espécie de documentário que mostra a viagem de um jovem (jovem, mesmo) português pela América Latina percebi a cena. Uma das pessoas que ele encontra diz-lhe qualquer coisa sobre não fazer sentido viajar daquela forma quando for velho, porque aos 40 anos já não se tem a mesma vontade de fazer certas coisas. Nunca pensei ouvir uma coisa destas de um viajante, mas é como já disse uma vez a um amigo: nem todas as pessoas que viajam são espectaculares.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

6.7.15
Sou só eu que tenho vontade de chorar quando olho para o Governo grego e comparo-o com o nosso?

Todas as histórias têm o final que quisermos

3.7.15
Era uma vez uma rapariga que decidiu fazer o seu próprio fato de banho, porque ia viver para um país tropical e não tinha nenhum. Então, foi a uma loja que vende retalhos de tecidos muito baratos e comprou um que lhe pareceu muito bonito, apesar de pouco adequado para o uso que lhe queria dar. Pagou o 1,95€ e trouxe-o para casa.
Depois de encontrar o modelo certo no Kitschy Coo, lá começou a converter inches em centímetros e a desenhar os moldes. A certa altura pareceu-lhe evidente que aquele seria um projecto falhado, mas mesmo assim continuou.
Depois de alinhavar e experimentar o fato de banho, ainda sem a parte das mamas, confirmou que não conseguiria fazer daquele belo tecido o fato de banho que imaginara. A rapariga ficou um bocadinho triste e sentiu-se de repente cheia de fome. Decidiu comer uma banana e viveu feliz para sempre.
Vitória, vitória acabou-se a história.

Sítio mágico

30.6.15
Os meus vizinhos das sonatas de Mozart (acho eu) deram uma festa de aniversário no maravilhoso quintal deles. Estava na cozinha a ouvir a banda sonora da festa, que incluía o "Anel de Rubi", do Rui Veloso, e senti-me tentada a abrir a janela para espreitar, mais uma vez, as traseiras da minha casa.
Estas são as melhores vistas que alguma vez tive, e já vivi numa casa com vista para o Tejo.
Não se via nada para o quintal dos vizinhos, claro, mas via-se uma lua que não era quarto crescente, nem meia lua, nem cheia e que parecia mesmo a cara de uma pessoa que nasceu com lábio leporino. Era igual à cara da prostituta  que costuma estar em frente à sapataria e que me faz lembrar a miúda (linda de morrer) que frequentava o 207, no Porto.
Também se viam coisas estranhas no céu, tipo um balão de S. João a passar mesmo à frente dos meus olhos, e luzes que pareciam estrelas, ou vice-versa, mas sobre isso nem vale a pena falar que eu tenho fama de ver coisas que não existem.
Mas o casal na janela iluminada não foi uma visão. Estavam os dois na cozinha, ele em tronco nu, ela em t.shirt e cuecas. Parecia que havia qualquer coisa de sensual sempre que se cruzavam a arrumar coisas no armários, mas deve ter sido impressão. A certa altura acho que discutiram, depois sentaram-se e ela bebeu uma cerveja.
A cidade, às vezes, parece-me um sítio mágico.

P.S Como devem ter reparado o blog está diferente, a Sílvia pôs isto assim bem mais bonito e a funcionar como deve ser, mas infelizmente perderam-se os últimos comentários. As minhas desculpas.

Sozinha

25.6.15
De todas as coisas difíceis de ser (temporariamente) mãe solteira, a pior é aquele momento em que eles perguntam se podem sair da mesa, depois de jantar, e eu fico a ouvir a Radar sem ninguém com quem conversar,ou discutir, enquanto eles pintam a manta. Literalmente.

Despedida

23.6.15
Ando, aos poucos, a despedir-me de Lisboa. Acho que há sete anos não me despedi assim do Porto, porque com o Porto foi sempre um até já.
É verdade que aqui nunca me senti verdadeiramente em casa, mas de alguma forma Lisboa também é minha. Sinto-a, já, incrustada na pele.
Vou ter saudades desta cidade. Sei disso sempre que subo ao Miradouro da Senhora do Monte, sempre que ouço as sonatas de Mozart que os meus vizinhos tocam, sempre que vou a um restaurante paquistanês que me deixa beber cerveja da loja do lado, sempre que compro fruta portuguesa numa frutaria chinesa, sempre que tenho de fechar os olhos por causa da luz do sol na calçada, sempre que passo na fábrica do gelado, sempre que ouço música num dos jardins, sempre que passo a mão no tronco rugoso da oliveira, junto à Casa dos Bicos...
Ando a despedir-me aos poucos e, de repente, essa parece-me uma forma de vida como outra qualquer.

Rumo a Oeste

19.6.15

Comprei o Caminhada, de Henry David Thoreau, na Feira do Livro, porque os rapazes decidiram sentar-se a pintar desenhos entre a Orfeu Mini e a Antígona. Quando vi onde estava percebi que não ia ser fácil sair dali sem um livro, mas também, quer dizer, nem sei o que parecia vir para casa só com dois livros da Bruxa Mimi.
Ali estava eu, portanto, com a Eudora Welty a chamar por mim, o Bukowski a piscar-me o olho e o Thoreau a acotovelar-me. Na verdade o livro estava destacado e com um preço de saldo muito jeitoso, mas eu andava há que tempos para ler este senhor, por causa do que o Vila-Matas disse sobre ele, não sei se n' O Mal de Montano, ou outro qualquer, porque todos os livros do escritor catalão me parecem um só. Acho que é uma coisa que os grandes escritores têm em comum, aliás.
Bom, comecei a ler o livro e fiquei logo fascinada com a teoria de que um subtil magnetismo da natureza faz com que as pessoas tendam a caminhar para Oeste, e que é também nesse sentido que a evolução da humanidade se faz.
Ora, estando eu prestes a iniciar uma caminhada para Este fiquei a pensar que, então, estou a andar ao contrário e deu-me aquele nervoso miudinho como se isto fosse um aviso. Mas depois ocorreu-me que estando na América, seguindo sempre para Oeste vamos ter à Ásia, o rumo certo, portanto. Aliás, logo a seguir o próprio do autor diz isso mesmo.
"É rumo a oeste que compreendemos a história e que nos debruçamos sobre as obras de arte e da literatura, refazendo o percurso da  raça; e é rumo a oeste que caminhamos para o futuro, com espírito aventureiro e empreendedor.O Atlântico é como o rio Letes: na sua travessia tivemos oportunidade de esquecer o Velho Mundo e as suas instituições. Se não formos bem-sucedidos desta vez, talvez reste à raça outra oportunidade de alcançar as margens do Estige; refiro-me a esse outro Letes que é o Pacífico, e que é três vezes mais largo."
Um visionário, este Thoreau (quer dizer, o homem achava que se devia trabalhar um dia por semana e descansar seis), e muito à frente do seu tempo, já que em meados do século XIX foi viver para o meio da floresta, praticando a auto-suficiência, durante dois anos. Uma experiência que ele relatou em Walden ou a Vida nos Bosques, porque na altura não tinha um blog. 

Desenquadrada

18.6.15
Uma pessoa sabe que vive completamente desenquadrada do mundo que a rodeia quando:
1) Relaxa com um fino fresquinho e uns amendoins, depois de ir buscar os miúdos à escola;
2) Percebe que o momento stressante do dia foi encontrar o balão e a corneta que prometeu aos filhos antes de irem para a escola, ou seja, naquele momento do dia em que ainda não se raciocina.

Pêssegos

18.6.15
O Isaac não compreende porque demoro tanto tempo a acordar. Uma destas manhãs, farto de esperar, foi perguntar-me se queria que ele me penteasse. Fiquei comovida com aquela tentativa de me fazer sair da cama mais depressa.
Hoje, entrou no quarto muito preocupado, porque tinha acontecido alguma coisa aos pêssegos. "Como assim?", quis saber e ele: "Juro, nem imaginas, os pêssegos estão assim (fazia gestos com as mãos) todos achatados!". Ri-me e saí da cama.
Comprei uma variedade nova de pêssegos (nova cá em casa) e, por causa disso, acordei mais depressa. Quem diria.


Manias

15.6.15

Eu costumava achar estranhos certos hábitos que algumas crianças têm para adormecer, tipo enrolar o cabelo das mães, ou enfiar as mãos dentro da camisola, até ter um filho que quer dormir com um prato de azeitonas na mesinha de cabeceira para poder comê-las mal acorde.
Sim, comeu-as todas ao pequeno-almoço.

À procura da felicidade (num sábado à noite)

14.6.15
Ontem à noite aluguei um filme bastante parvo. Até certa altura estava com esperança que fosse nonsense mas não, era mesmo só mau. De qualquer forma, achei que devia tomar nota das descobertas sobre o que é a felicidade, que o psiquiatra foi fazendo ao longo da sua viagem.

1- Fazer comparações pode comprometer a felicidade.
2- Muitos pensam que a felicidade é ser mais rico, ou mais importante.
3- Muitos só vêem a felicidade como uma coisa futura.
4- Felicidade pode ser a liberdade de amar mais do que uma mulher ao mesmo tempo.
5- Às vezes, a felicidade é não saber a verdade toda.
6- Evitar a infelicidade não conduz à felicidade.
7- Essa pessoa fá-lo sentir-se predominantemente a) Bem ou b) Mal?
8- Felicidade é seguir a nossa vocação.
9- Felicidade é ser-se amado pelo que somos.
10- Guisado de bata-doce.
11- O medo é um entrave à felicidade.
12- Felicidade é sentirmo-nos completamente vivos.
13- Felicidade é saber como festejar.
14- Ouvir é amar.
15- A nostalgia já não é o que era.

Fim de um ciclo

12.6.15





Ontem, fomos ao São Jorge assistir ao último concerto da Bea enquanto aluna da Escola de Música do Conservatório Nacional. Escusado será dizer que chorei baba e ranho, sobretudo na Chamateia, enquanto visualizava mentalmente os últimos seis anos.
É uma escola muito especial e tenho muito pena que ela tenha de a deixar. Ela também, claro, sobretudo por causa dos amigos, mas não chora baba e ranho, nem coisa que se pareça.
Sendo tão pouco sedentária, não percebo porque me custa tanto abandonar os sítios e as pessoas.

P.S E depois, é incrível andar à procura de fotos dela no conservatório e perceber que não tenho. As duas de cima foram tiradas pela escola.

Jornalista de viagens, mas pouco

9.6.15
Para quem ficou curioso sobre o que andei a fazer em França e no Fundão, pode ir espreitar o Alma de Viajante, está lá tudo, ou quase. 
Agora que eu ia ser jornalista de viagens vou-me enfiar numa ilha. Ironias.

Cicatrizes

9.6.15
A nossa impressão de que o Nicolau dificilmente atravessaria a infância sem cicatrizes confirmou-se. Ontem, caiu do beliche para cima do triciclo e esfarelou a bochecha. Por momentos pensei que ia desmaiar (eu, não ele) mas depois lá os vesti rapidamente, chamei um taxi e fui para o Estefânia.
A Bea não estava em casa e o Isaac, sempre tão complicado em algumas situações, portou-se como um senhor. O Nicolau esteve sempre como se nada fosse, pelo menos até começarem a coser-lhe a cara.
Eu revi várias vezes, na minha cabeça, o que deveria ter feito para evitar o acidente, bastava ter espreitado uns segundos antes para ver ao que estavam a brincar e nada daquilo teria acontecido.
Depois, talvez para me martirizar, voltei para casa a pé com ele ao colo. O Isaac, sempre tão complicado em algumas situações, portou-se como um senhor, a caminhar ao meu lado a avisar-me quando os semáforos ficavam verdes.

Tínhamos almoçado, os três, no Martim Moniz, eles tinham-se divertido imenso nas fontes, e depois um acidente estúpido, como todos os acidentes.
Revi outros acidentes que não aconteceram, como aquele em que o Isaac, quando tinha pouco mais de três anos, descobre nos armários da cozinha um queimador de leite creme que nunca usei na minha vida (e que já não tenho) e decide ligá-lo numa tomada. E eu estava ali, ao lado dele, ocupada com qualquer coisa, convencida que ele estava a brincar com tupperwares, porque era a única coisa que estava ao alcance deles, nunca me lembrando daquela caixa com um queimador de leite creme dentro.
Ou o do armário que devia estar preso à parede e cai em cima do Nicolau sem lhe tocar, porque bate primeiro na mesa.

Hoje não foram à escola, claro, porque poderia muito bem acontecer de o mais novo sair de lá com os pontos rebentados e, por isso, passei o dia a obrigá-los a estar sentados, a não jogar à bola, a não correr, assim tipo histérica mesmo. Obviamente, não é suposto viver-se desta forma, ainda que seja verdadeiramente stressante uma pessoa desviar os olhos para pagar a conta do supermercado e quando olha para eles já estão de cabeça para baixo naquelas grades das caixas, sendo que um deles tem pontos na cara que podem infectar, rebentar e sei lá mais o quê.
A minha mãe acha que se levassem no focinho não eram assim. E muitas outras pessoas acham outras coisas. Eu gosto que eles sejam como são, desde que tenham noção que é preciso respeitar os outros, a começar pelos pais, que é onde tudo começa. E acho que faz parte eles irem experimentando até onde podem ir.
Escusavam era de querer ir sempre mais além. Mas quem sou eu para os censurar?

Acreditem ou não

5.6.15
Vamos mudar de casa outra vez.
Agora que tínhamos encontrado o bairro certo, um apartamento que nos agrada e uma boa escola, decidimos que uma casa térrea com vista para o mar e, talvez, com uma frangipani à entrada poderia ser melhor. Fica do outro lado do mundo mas, como se costuma dizer, o mundo é muito pequeno. São só dois dias de distância, em linha recta pelo céu. E lá, do outro lado do mundo, há outros mundos a descobrir.
Ainda não contei à minha avó.

A TV tem as suas vantagens*

3.6.15
A grande mais valia da TV, além de tornar a tarefa de dobrar roupa menos penosa, é poder assistir a séries como a "Mistérios de Laura" (sim, nas minhas fases descompensadas como pacotes de bolachas, bebo vinho e vejo séries), em que se vê dois irmãos pequenos a mijarem para cima um do outro.
É tão bom saber que não somos as únicas pessoas no mundo com filhos que fazem coisas assim!

* Eu sei que se pode ver séries no computador mas não é a mesma merda. Uma pessoa precisa de rituais.

Como proporcionar o melhor fim de tarde aos seus filhos em 2 passos

3.6.15
1- Esquecer as chaves dentro de casa.
2- Ligar para os bombeiros

A sério, um carro de bombeiros à porta, mais o da polícia, e três homens fardados a subir as escadas connosco foi a loucura total. 
Quando vier a conta não vou achar tanta graça, mas assim como assim acho que não gastaria muito menos numa tarde de cinema e pipocas. 

Tempo inútil

2.6.15
Andei a mexer nas definições do blog e por isso os últimos comentários não estão visíveis. Perdi que tempos a tentar resolver e nada, portanto parti para a violência e apaguei a minha conta do google+, assim tipo a chamar-lhe nomes e tudo.
Vou mas é fazer alguma coisa que se veja. Vou fazer sopa e coser remendos nuns quantos pares de calças.

P.S Isto acabará por ficar bem, eventualmente. 

Telefonema de longa distância

1.6.15
- E o que vais fazer hoje?
- Bifes de peru grelhados.
- (risos) Tenho saudades tuas.
- Não tenhas, estou insuportável.

Ficção versus realidade

31.5.15

Depois do cinema, com um saco de plástico cheio de pipocas na mão, uma criança com sono às cavalitas, porque se recusou a caminhar, e outra tipo ovelha tresmalhada à solta numa estação de metro, só conseguia pensar que esta coisa de acharmos piada a um grupo de resistentes à civilização só mesmo na ficção.

A dor

28.5.15
Tenho muito calor. Detesto a combinação muito calor+pensos higiénicos+dores de garganta+sozinha com as crianças. Se pudesse retirar só uma coisa desta combinação, retirava a "dor de garganta".
Era muito melhor retirar o "sozinha com as crianças", já que isso significaria ter o Jaime em casa em vez de a milhares de quilómetros, mas eu sei que se tivesse essa opção escolheria livrar-me destas anginas. A dor apaga, quase sempre, tudo o resto.