O meu trialto

30.12.14



Assumo, pensei que vinha aqui dizer que saio destas férias com mais um livro e menos um quilo. Isto por causa de andar a aproveitar o campo para me exercitar mas, na verdade, levo comigo todos os quilos que trouxe, o que em boa verdade até nem é mau, tendo em conta os rojões, o bolo-rei, o sarrabulho, as francesinhas e etc. (e, juro, acho que nunca gostei tanto de um Et cetera).
Portanto, não venho aqui falar do quilo a menos que (ainda) não aconteceu, nem do livro a mais que fez destas férias um sítio melhor, mas sim do meu exercício, mais ou menos, matinal.
Todos os dias escalo 348 degraus. É o caminho mais curto, e mais duro, até ao monte de São Félix (que o diga o desgraçado, com que me cruzei, que o sobe e desce a correr) mas é também a representação da via sacra dos crentes católicos, apostólicos romanos. Por isso, todos os dias preciso de uma pequena paragem na estação IX e X - Jesus cai pela terceira vez e Jesus é despojado de suas vestes, respectivamente.
Depois dos degraus, segue-se a corrida por um caminho asfaltado que atravessa uma REN (Reserva Ecológica Nacional). Não sei se é por causa da oxigenação do cérebro, depois da subida, ou se pelo reencontro com um prazer antigo, sei é que ouvir as sapatilhas contra o asfalto e o chiar dos eucaliptos me enche de uma felicidade inexplicável.
Por fim, a caminhada a descer o monte. Os "bom dia Carla" (sou eu e não sou eu mas, definitivamente, sou eu, a Carla), o mar lá ao fundo, as curvas e contra-curvas, o pinheiro manso, quase a chegar a casa, cujas raízes desenham cicatrizes na estrada de paralelos.
Sim, não perdi um único quilo mas ganhei um livro e uma quase reconciliação comigo.
Parece-me uma excelente forma de começar um novo ano. Melhor do que aquela em que estava com a pássara a arder.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

26.12.14
Quantas pessoas receberam neste Natal "O meu Amante de Domingo" e o leu todo de seguida?

(Foda-se, que livro do caralho!)
(Aqui no campo uma pessoa parece que se questiona mais vezes)

Breve interrupção para uma pergunta muito pertinente

23.12.14
Ok, admito, as chamadas "paz podres" não são para mim mas, foda-se, a minha vida tem mesmo de ser uma peça do Tracy Letts?

Feminismo

19.12.14
Antes de entrar no carro falta ainda dizer uma palavrinha sobre a Maria Capaz, que tem um texto meu sobre o Boyhood. E para isso vou transcrever um pequeno diálogo com a Helena Ferreira, que diz quase tudo.

Helena Ferreira - Não tenho Maria no nome, sou Capaz do que quiser ou conseguir, já me chamaram tantas vezes feminista que não é possível lembrar e sou completamente contra este tipo de guetização das mulheres que as próprias mulheres promovem.
Não vivemos no tempo das sufragistas, os direitos já foram adquiridos, agora temos de os fazer valer, taco a taco no mundo que tem de ser dos homens e das mulheres.

Calita Fonseca - Concordo com quase tudo o que dizes. Só não tenho a certeza se este tipo de projectos são uma guetização. Faço parte de um grupo de pessoas, sobretudo mulheres, infelizmente, que querem flexibilizar o trabalho para terem mais tempo para a família. Eu fiz a minha opção, que foi deixar de ter um emprego por conta de outrem, mas acredito que criar grupos de discussão, grupos de pressão possam pôr as pessoas a pensar nos assuntos e a mudar mentalidades. Este pode ser um desses casos. Eu sou feminista, como tu, mas há tantas mulheres machistas, há tanta mentalidade para mudar! Não sei se é desta forma, provavelmente não, mas merece uma oportunidade.

Helena Ferreira - Os nossos objectivos só são atingidos se incluirmos os homens nos nossos propósitos. Mulheres reunidas a falar do mal que a sociedade ainda nos faz a mim só me causa desinteresse e não acredito na sua eficiência.

Calita Fonseca - Sim, isso é verdade.

Helena Ferreira - Há dias um amigo HOMEM partilhou isto: «Muita gente defende o feminismo e não leu Judith Butler ou Simone de Beauvoir. Sempre que se vir um pai a lavar a loiça ou a brincar com a filha ou um avô a ensinar o neto a partilhar os brinquedos, há mais transformação social nisso do que em todas as bandeiras vermelhas que vocês possam levar para uma manifestação. E se não percebermos que isso pode servir para unificar, eles hão-de continuar a rir de nós.»
Diz tudo aquilo em que acredito. A mulher que sou hoje sou-o por causa da educação que o meu pai me transmitiu, não foi a minha mãe.

Vou à terra

18.12.14
Aqui em Lisboa ouço muitas pessoas dizer que vão à terra. Vão passar o fim-de-semana à terra. Vão passar o Natal à terra e por aí fora.
Fico a olhar para elas com muita vontade de dizer "eu também gostava muito de morar no espaço" mas, quase sempre, sorrio e aceno com cabeça.
Também sorrio quando conheço pessoas que dizem que lêem o meu blog mas o que me apetece é fugir, desatar a correr como uma maluquinha.
Estou a ficar uma pessoa muito civilizada é o que vos digo.
Feliz Natal e até qualquer dia.

Presentes

17.12.14




Eu sou das que gostam de oferecer presentes que gostaria de receber. Quando a pessoa que os recebe gosta tanto como eu, então, há assim uma espécie de chuva de estrelas.
O melhor destes presentes é serem artesanais (feitos por mim e pela Patrícia) e comprados no comércio tradicional (o frasco e o sabonete).

É assim

16.12.14
Basicamente, as minhas limitações não permitem muito mais do que isto. Pretender a grandeza é apenas mais uma belíssima forma de imitar a vida. Nem todas temos corações de pássaro. É assim.

De tempos a tempos

15.12.14
Estava aqui a ver um antigo episódio do House, aquele em que ele começa a cozinhar para não consumir vicodin, e senti algumas saudades das minhas obsessões. De quando podia ser teimosa, irracional e egoísta - três características muito pouco simpáticas, admito, mas que me permitiram saltar uma quantas barreiras na prova dos 400 metros que foi o meu percurso de tempos a tempos.
É bom, por ser também um desafio olímpico, tentar manter uma certa estabilidade e fazer de conta que o fazemos pelo bem estar das nossas pessoas (e, pelo caminho, inventar algumas doenças), quando na verdade não fazemos a mínima ideia do que estamos a fazer mas, caramba, quantos projectos mirabolantes perdeu o (meu) mundo, entretanto.
Por exemplo: a adaptação para o cinema do livro de Amin Maalouf; a casa no campo com galinhas, cabras, um burro e um tear; as voltas pelo(s) mundo(s); as aulas de música; o curso de sociologia e medicina e por aí fora.

Eis que o impensável acontece

13.12.14
Jovenzinho dirige-me a mim, num bar, com uma conversa enrolada qualquer, digo-lhe que tenho idade para ser mãe dele e mando-o ir brincar para um canto. Ele vai mas antes faz questão de referir que a mãe dele tem 74 anos.

Querer desabafar dá nisto

12.12.14
- Sabes quando é que uma pessoa percebe que bateu no fundo?
- Diz lá.
- Quando faz a invertida no Yoga e a barriga nos bate na cara.
- Mas primeiro batem as mamas, certo?

Dentro de nós

12.12.14
Uma senhora muito simpática meteu-se com o Nicolau no supermercado por causa da chupeta que ele estava a usar. Depois, virou-se para mim e contou-me que uma vez um cão arrancou a chupeta da boca da filha, quando ela tinha três anos. "Já viu?", riu-se e acrescentou que "felizmente o cão não a magoou. Era uma daquelas chupetas de borracha, deve ter achado que era um brinquedo".
Continuou a falar sem parar, sobre técnicas para os miúdos deixarem as chupetas, sobre as quatro filhas e a pena que tem por ter só um neto.
Foi só quando ela disse que a filha mais velha tem 50 anos que parei o que estava a fazer para olhar para ela. Sim, a senhora muito simpática não aparentava a idade que tinha (79 anos) mas o que me impressionou foi ter percebido que eu ainda não tinha nascido quando a filha dela teve o tal incidente com o cão e, no entanto, ali estava ela a falar daquilo como se tivesse acontecido ontem.
Deve haver um sítio, dentro de nós, onde se guardam os filhos pequenos para sempre.

Prisão domiciliária

11.12.14
O Nicolau está há alguns dias em casa. No princípio foi espectacular e ele, apesar de doente, estava a adorar ser filho único. Agora, deve estar farto de ser negligenciado, pobrezinho.  
Como é que eu consegui passar tanto tempo em casa com eles é uma coisa que me transcende. E às vezes ainda digo que se fosse mais nova, provavelmente, teria mais filhos. Pobrezinha.

Quando a minha mãe tinha a minha idade

9.12.14
A propósito do Boyhood e do final de mais um ano do calendário gregoriano e dos 40 bem presentes e dos putos tão grandes ponho-me a pensar na passagem do tempo. Bem, na verdade, raramente preciso de qualquer pretexto para pensar nisso. Basta deitar-me e entro logo naquele redemoinho que nunca sei onde vai parar.
Ontem fui ter com a minha mãe de 41 anos, a idade que tenho agora. Não me lembro especificamente da minha mãe com 41 anos, lembro-me apenas das circunstâncias à volta dessa idade, ela com 41, eu com 20. Percebo porque trabalhava tanto, para além da óbvia necessidade de sustentar quatro filhos sozinha. Bem, nessa altura já trabalhavam três filhos mas o dinheiro nunca chegava para nada. O trabalho, aquela demência pelo trabalho (que ela também criticava na mãe dela) era o único escape daquela mulher. A única forma de não enlouquecer.
No filme, a certa altura, o filho pergunta ao pai qual é afinal o sentido disto tudo. O pai diz que não faz a mais pequena ideia, que ninguém faz, que toda a gente vive o melhor que pode, que o que interessa é sentir as coisas.
Eu nunca perguntei à minha mãe, porque não era preciso. Ela fazia questão de nos explicar vezes sem conta que viemos ao mundo para sofrer. Que é esse o objectivo de viver: sofrer. E depois na outra vida ter a recompensa. 
Quando a minha mãe tinha 41 anos acho que a odiava um bocado menos.

Não sabia que ia ser fim-de-semana prolongado

8.12.14


Árvore de Natal - check.
Boyhood - check (é único mesmo, uma pena não desfrutar em pleno por estar cheia de calor e de gases).
Sapatos para tocar órgão - falta check (quase sinto falta do tempo em que o material escolar eram cartolinas e guaches).

Declaração

7.12.14
As olheiras, a camisola do avesso para esconder o borboto, os sapatos gastos, as respostas tortas, os silêncios, as camisas por passar a ferro, a hostilidade latente, a apatia, a evidência do cansaço, a relativamente evidente falta de sexo, as óbvias horas massacrantes no escritório, o quase desespero diário, a falta de paciência para algumas coisas dos miúdos (sim, só algumas), a idade a notar-se, ligeiramente, no abdómen e, talvez, nos cabelos brancos, os cada vez mais raros "fazes-me falta", os gestos impulsivos praticamente mortos e enterrados, as baterias já quase gastas de tanto uso.
Ser pai é tão fodido como ser mãe, não sei já o tinha dito alguma vez. Mesmo para um pai que acha a paternidade a coisa mais espectacular do mundo.
Eu sei que não parece mas isto é uma espécie de declaração de amor. Tu sabes.

Perguntas que eu gostava mesmo de saber a resposta

5.12.14
Quantas vezes por semana é normal uma pessoa sentir-se um cagalhoto a boiar no mar?

Santa is coming to town*

5.12.14

















Parece que está aí o Natal.

(*em inglês fica tudo mais fashion coiso)

Factos são factos (ou fatos)

5.12.14
Cingindo-se unicamente aos factos uma pessoa até tem razões para se sentir bem consigo própria. Vejamos os últimos dois anos:
- Arranjei um emprego como terceira escriturária numa escola profissional, durante pouco mais de quatro meses (o tempo de uma licença de maternidade);
- Abri uma empresa e dei entrevistas na televisão (o horror, nem quero que me lembrem, as entrevistas, não a empresa!);
- Trouxe a minha avó para Lisboa para cuidar dela durante um mês;
- Editei e organizei o lançamento de um livro do Manuel Jorge Marmelo (ia vomitando de nervos);
- Fechei a empresa (quase tão complicado como abrir);
- Fiz alguns passeios em família, como o de Évora, o do acampamento em Mira, o de Montemor-o-Novo, o de Alcobaça (e este nem sequer teve direito de antena no blog), outro(s) que posso ter esquecido e ainda o fim-de-semana épico no Porto com a Helena e a Carla;
- Planeie viver no Porto;
- Mudei de casa (só uma vez em dois anos, nada mal!);
- Fiz uma grande e maravilhosa viagem a Timor Leste;
- Confeccionei 14 bolos de aniversário;
- Regressei ao jornalismo;
- Vivi momentos irrepetíveis com amigos de longa data e outros que mal conheço mas que parecem amigos na mesma.

P.S A maior parte deste "factos" foram feitos na primeira pessoa do plural mas isso é um outro post sobre o amor e outras paneleirices.

CAE 08111*

4.12.14

Há uns dias andava à procura de um código CAE (classificação das actividades económicas) e dei imediatamente de frente com o 08111 (extracção de mármore e outras rochas carbonatadas). "Isto anda tudo ligado", pensei.
Lembrei-me de uma amiga da adolescência que tinha vivido no Canadá e do pai dela, que vendeu o jazigo à minha avó.
Não existiam muitos jazigos de mármore na altura. Eram quase só montinhos de terra com jarras de flores em cima e o jazigo da minha avó era (e ainda é) o seu grande orgulho. Pagou cerca de mil contos por ele, o equivalente a um ano de salários, mas tem uma campa que "é um luxo".
Creio que seja totalmente indiferente aos ossos da mãe dela estarem cobertos por uma pedra de mármore muito bonita, enfeitada semanalmente pela minha mãe, mas para a minha avó aquela pedra é quase tudo o que lhe interessa, agora. É para onde vai "morar" mais cedo do que tarde, para toda a eternidade.
Pelos vistos há pessoas que gostariam de comprar a morada eterna no cemitério onde a minha avó tem a mãe dela (e eu os meus avós paternos, o meu pai e alguns amigos) mas parece que já não há espaço para mais gente.
As pessoas que passam recibos 08111 cavam buracos para extrair mármore, que depois vai tapar outros buracos. Isto anda mesmo tudo ligado.
Ah, e diz que no Canadá se constroem mansões com mármore de Portugal. Eu nunca fui ao Canadá, mas a casa dessa minha ex. amiga, que nasceu lá, era uma mansão rodeada de mármore por todos os lados.

* Esta colaboração com o lifecooler ultrapassou todas as minhas expectativas e isso é uma coisa quase rara nos dias que correm.

Viagens no tempo

3.12.14
Um dia destes vou acordar e vou perceber tudo. Algures numa dimensão paralela parece-me que já lá cheguei.
Desde muito pequena que tenho a sensação que consigo ver-me do futuro mas só muito mais tarde me apercebi que quando precisava de dirigir preces a alguém era a mim que o fazia. Ao "eu" que já lá tinha chegado, às respostas, ao conhecimento (devo estar lá a gritar NÃO SEJAS EGOCÊNTRICA).
As viagens no tempo sempre fizeram muito sentido para mim (bem, há um dos exterminadores implacáveis que baralham um bocado a coisa). A superação da ignorância também. Nem que seja para chegarmos à conclusão que é melhor vivermos mergulhados nela.
Um dia, dizia, vou acordar e perceber tudo mas hoje não foi esse dia. Hoje dormi até tarde, o ombro e o braço direito continuam a doer-me, o pão com ameixas e figos acabou e ainda não aprendi nada hoje. Mas o dia ainda mal começou.

Surpresas

1.12.14
Rabisquei num papel que o amor pelos meus filhos é um pano cru, sem fatos de domingos, ou lençóis bordados. Devia estar bêbeda, porque não sei o que quer dizer.
Surpreendeu-me chegar a casa, quatro dias depois, e notar a falta que lhes fiz. O Isaac chorou agarrado a mim na estação de comboios. Sou a amora (feminino de amor) deles.
Surpreende-me sempre as pessoas gostarem de mim.