Há um ano (continuação)

29.9.10
[Aviso: isto é um relato de um parto. Quem não estiver para isso é favor ignorar]

Depois de uma noite, como dizer, horrível, com contracções de cinco em cinco minutos e eu a respirar, a respirar a pensar que fui teimosa em insistir no parto normal, que fui parva, que estava louca, que não aguentava...na manhã seguinte as contracções pararam logo a seguir ao banho. Durante o pequeno almoço, chorei, chorei, chorei. A enfermeira de serviço perguntou o que se passava e eu chorava, chorava, chorava. Disse que estava cansada e que era um bocadinho maricas.

sms enviado às 8:33:31 para o Jaime: "Bom dia. Contracções toda a noite, perda de sangue, dilatação na mesma. Vou pedir para não continuarem com isto"

sms enviado às 10:54:09 para o Jaime: "Nova indução feita. Pelo menos o médico diz que saio daqui hoje"

O Jaime chegou por volta das 14:00 (hora das visitas no piso quatro) e já eu estava muito aflita com as contracções. Esmaguei-lhe os dedos muitas, muitas, vezes. A enfermeira fez o toque: três dedos de dilatação! estava a funcionar, estava a progredir yupi, yupi, yupi. Três dedos significava que podia levar epidural. "Daqui a bocadinho já desce para a sala de partos", disse a enfermeira e eu pensei, "falta pouco, falta pouco" e este falta pouco era para acabarem com aquele horror, não pensei que ia finalmente ver o bebé. Passaram duas horas e eu respirava, respirava (muito inspirei e expirei vigorosa e sonoramente!) pensava que o Isaac estava tão assustado como eu, que precisava de oxigénio e respirava e esmagava os dedos do Jaime e a certa altura disse: "Vai chamar a enfermeira, porque honestamente NÃO AGUENTO MAIS e estou aqui estou a gritar os três caralhos". A enfermeira veio meia contrariada, tinha passado pouco tempo desde o último toque, mas de repente ouvi sinos a tocar, trombetas, aleluias, o que quiserem, ou seja, a mulher de branco disse: "eh lá, mas já está com sete dedos de dilatação, como é que é possível? vai já lá para baixo".

E a partir daqui começa outra fase do trabalho de parto: Eu a ser levada numa maca pelos corredores do hospital a grande velocidade com uma auxiliar a gritar (talvez fosse surda): "respira filha, respira, olha que bem que ela respira", a chegar à sala de partos onde me esperava a enfermeira Carla (de S. João da Madeira, um verdadeiro anjo da guarda) e, meus senhores, a anestesista. Acho que corri para ela e beijei-lhe os pés em súplica, ou pelo menos foi o que me pareceu.

Depois foram quatro horas à espera que o bebé descesse (põe-nos deitadas horas a fio e querem que o bebé desça), sem dores, com o Jaime ao meu lado, com um ambiente muito sereno e apesar das não sei quantas pessoas que enfiaram as mãos pelas minhas partes íntimas acima, etc., eu estava, sei lá, feliz. Podia ser da ocitocina em excesso, ou do oxigénio. Entretanto, a dilatação estava completa, mas a cabeça do bebé estava mal encaixada. Três médicas vieram confirmar a posição do bebé e que havia espaço para ele passar (eu sei, é uma imagem decadente) e comecei a sentir que não havia grandes certezas em avançar com o parto normal.

Então, deviam ser umas 20h30, pediram ao Jaime para sair para mais uma avaliação, ele saiu e eu vi entrar umas dez pessoas, ou mais, dentro da sala. Uma das médicas com luvas e máscara. Tudo a colocar-se em posição e a dizerem que tinha chegado a hora. Disseram para me preparar para fazer muita força e que era melhor o pai esperar lá fora (achei tão injusto para ele), porque iam usar ventosa. Eu agarrei-me aos ferros da cama, disse que estava pronta e a enfermeira Carla, que já tinha tratado de avisar o Jaime sobre o que se estava a passar, abriu a porta, só o suficiente para eu e ele nos olharmos nos olhos e dizermos sem falarmos que era agora e que ia correr tudo bem.

Três vezes a fazer força, duas médicas a saltar em cima da barriga, o bebé a sair, o Jaime a entrar e eu incrédula, porque ele estava ali tão pequenino, tão bonito, tão desprotegido, tão meu. O pai cortou-lhe o cordão umbilical enquanto eu tentava segurar nele - estava tão escorregadio. Fazia-lhe festas na cabeça, dizia que já tinha passado, que estava tudo bem e apetecia-me enchê-lo de beijos, que deve ser assim uma espécie de lambidelas na nossa espécie. Só depois olhei para o Jaime e chorávamos os dois, claro.

A seguir veio tudo o resto.

Um pequeno apontamento
A ideia de uma sala cheia de gente (estudantes, suponho, mais pediatras, enfermeiras, etc.) a ver-me parir é coisa para não me deixar nada satisfeita. No entanto, devo dizer que naquele momento foi completamente indiferente, porque desapareceu tudo à minha volta, só existia o Isaac e depois o Jaime. Além disso, gostei de receber os mimos e as palmadinhas de "Parabéns, esteve muito bem".

Há um ano

28.9.10
Troca de sms depois de ser internada para indução do parto do Isaac (ATENÇÃO, nenhuma mensagem foi censurada, pelo que pedimos desculpa por um ou outro momento lamechas, mas eu estava em vias de parir, por isso há que ter esse facto em conta):

enviada às 10:59:25 para o Jaime: "Um quarto com vista para o rio :)"

enviada às 11:19:39 para o Jaime: "Não creio. Estou muito bem vestida ;) amo-te"

enviada às 12:14:53 para o Jaime: " Liga à minha mãe. Ela ligou mas não pude atender. Até já papá :D"

enviada às 12:20:40 para a Andreia: " Miúda, estou no hospital a induzir o parto :( 41 semanas, placenta calcificada blábláblá. Espero que pelo menos nasça hoje. Beijos grandes."

enviada às 12:22:54 para o Jaime: " O que vale é que posso ver a Praça da Alegria!"

enviada às 12:44:03 para o Jaime: "O dr.Pina e a enf. Elvira ficaram tristes com a minha falta de pronúncia do Porto."

enviada às 12:52:22 para o Jaime: "Jaime, isto pode durar 3 dias!!! Só ao terceiro dia partem para cesariana. MEDO!"

enviada às 15:58:08 para a Beatriz: "Olá princesa, a mamã ainda está à espera que o Isaac saia. É um preguiçoso como a mana, ainda vai demorar. Um beijo grande."

enviada às 21:03:55 para o Jaime: "As contracções não param...eu queria tanto dormir."

enviada às 21:31:57 para a Xana: "Estou em agonia, é melhor não :) mas há-de acabar, mais cedo ou mais tarde. Obrigada."

enviada às 22:20:11 para o Jaime: "Tou ligada ao ctg novamente."

enviada às 23:07:05 para o Jaime: "Nada. Nem se consegue tocar no colo."

enviada às 23:47:39 para o Jaime: "Até já meu amor"

No dia seguinte enviei mais dois sms, um bastante desesperado, diga-se, mas o melhor estava para acontecer às 20:49, quando o bebé saiu e, depois do pai lhe cortar o cordão umbilical, veio encostar-se ao meu peito.

P.S e as lamechices não acabam. O Jaime acabou de me oferecer um rolo de papel com todos os sms que trocámos há um ano, desde que fui internada, até sair do hospital.

Vaidades

27.9.10
No fundo, no fundo eu só faço isto para aparecer.

(a verdade é que, para além das coisas que se aprendem, está-se tão bem lá!)

Da senilidade

24.9.10
Há pouco estava a falar sozinha, numa conversa imaginária com uma vizinha, e dizia-lhe que era melhor assim, ter outro bebé de seguida, porque afinal já ia fazer 37 anos...pausa...37? Não, eu vou fazer 38, certo? E precisei de fazer as contas. Ora, quando se chega a uma altura em que é preciso contar os anos desde que nascemos é grave. Digo eu.
Depois vem o choque: 38 anos (ok, falta meio ano, whatever)?!?!?!?!?!? Foda-se, como é que eu vou fazer 38 anos? Tá bem que já vivi em mais do que uma cidade, trabalhei em mais do que três empresas, já casei e descasei, tive filhos e um aborto, mas...sei lá, eu ainda nem sei o que quero ser quando for grande! É melhor começar a pensar nisso muito depressa.

Vá comer mato a uma bouça*

23.9.10
Sopa de nabiças, um prato de massa com cherne e um quiwi (quivi?): o almoço do bebé.

*expressão da minha mãe, off course

Resoluções de ano novo

21.9.10
Recomeçar a conduzir e aderir ao Mob Carsharing. De outra forma este ano lectivo será incomportável.

inquérito

21.9.10
criado por Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e José Diogo Quintela

Com que idade percebeu que falhou na vida?
Aos seis, sete anos, quando a minha mãe me disse que o ballet e o piano era para os ricos.

Qual a diferença ente um tripeiro e um alfacinha?
Os tripeiros fazem das tripas coração. Os alfacinhas fazem saladinhas insossas.

Qual a sua qualidade que mais irrita os amigos?
Não ter papas na língua.

Qual o seu defeito que mais os enternece?
Acho que nunca enterneci ninguém.

Trata de forma diferente as pessoas feias e bonitas?
Sim.

Quando está com uma pessoa deficiente, exagera no ignorar da deficiência?
Sim.

Com que figura pública se acha fisicamente parecida?
Com a Hilary Swank.

Tem números que memorizou no telemóvel só para não atender?
Só memorizo os que quero atender.

Com que regularidade se googla?
Todos os dias, várias vezes.

Que jornal ou revista usaria para matar um insecto?
Que tipo de insecto?

Se fosse jantar com o Wody Allen, onde o levaria?
Ao Afonso.

O que almoçou hoje?
Massa.

O que deveria ter pedido?
Que alguém me fizesse o almoço (e o jantar para logo, já agora).

Qual o segundo momento mais marcante da sua vida?
Não sei.

Sem ser essa mariquice de morrer a dormir, como é que preferia morrer?
Pacificamente.

Qual o seu pintor favorito da escola flamenga.
Se eu conhecesse a pintura flamenga...chamava-lhe um figo!

Agora a sério, alguma vez encolheu a barriga?
Sim.

Num incêndio em sua casa, que objecto faria tudo para salvar.
O menino da lágrima.

Qual o luxo pré-crise de que tem saudades?
Já tive saudades de ir à depilação.

Já teve problemas com um vizinho?
Sim. A senhora de baixo queria que eu usasse passadeiras em casa para não ouvir os nossos passos.

Quantas vezes já fez amor a uma terça-feira?
À volta de 411 vezes.

Já fingiu que não viu uma amigo de há 20 anos.
Não.

Quando votou nulo o que escreveu?
Nunca votei nulo.

Qual a música mais foleira que canta no duche?
Não canto no duche.

Quando foi a última vez que teve medo de um médico?
Tenho quase sempre.

Numa luta entre um tubarão e um tigre quem ganha?
Depende.

Diz salsicha ou salchicha?
Salsicha.

Tem ciúmes dos seus amigos?
Alguns.

Alguma vez sentiu que engorda mais facilmente do que os outros?
Não.

Se pudesse prescindir de um só partido político, de qual prescindia?
Para quê?

Este é um dos três melhores inquéritos que já respondeu na vida?
É o único, por isso não tenho termos de comparação.

sono*

20.9.10
Era gaja para dormir 20 horas e ficar na mesma. Isto de haver mais do que um coração a bater dentro de nós é cansativo.

*este vai ser tema de posts durante alguns anos, certo?

Ah, e não compro mais nenhum livro da Mónica Marques

17.9.10
porque não aceitou ser minha amiga no facebook. E até estava curiosa para saber o que viria a seguir ao "Transa Atlântica", mas eu sou assim, uma pessoa vingativa.

Manias

17.9.10
Comprei "O Bom Inverno" - eu que me recuso a comprar os livros quando toda a gente anda a falar deles, enfim, manias - e li-o ontem. O enredo fez-me lembrar um filme de terror série b, não sei, talvez João Tordo gostasse, tal como os personagens do livro, de ver o seu romance adaptado ao cinema. É uma história muito bem contada, sem dúvida, e é incrível como algumas passagens se conseguem ver, como se estivéssemos lá, mas não posso dizer que tenha gostado. Sei é que não lia um livro com tanto prazer há muito tempo. Faz sentido?

João Tordo, O Bom Inverno, Dom Quixote, 2010

Quatro gerações

16.9.10
Às vezes precisamos de estar longe para perceber melhor o significado de família.

No Centro de Saúde

15.9.10
Nada como a primeira consulta de saúde materna para ficarmos logo mais descansadas:

Médica: Sabe que depois dos 35 tem de fazer amniocentese?

Eu: Sei que há esse protocolo, mas na anterior gravidez fiquei só pelas análises bioquímicas, optei por não fazer a amniocentese. Nesta, se for possível, preferia fazer o mesmo.

Médica: hmmm (de olhar esbugalhado).

Eu: A amniocentese serve apenas para detectar o síndrome de Down, não é (isto foi o que me disseram no hospital quando estava grávida do Isaac)?

Médica: Não, não, a amniocentese recolhe as células descamadas do líquido amniótico para análise do ADN, portanto ficamos a saber quais a doenças genéticas que o feto poderá ter. Não estou a dizer que vai ter algum problema, mas sabe que com a sua idade...

Eu: Sim, compreendo, mas a vantagem de ser o terceiro filho é que não ficamos tão ansiosas, estamos muito mais relaxadas.

Médica: Pois, mas só porque as outras duas correram bem, não quer dizer que esta vá correr...

É, ou não é um descanso? É claro que eu podia pagar a um médico no privado que me faria sentir lindamente, uma vez que me estaria a cobrar os olhos da cara, mas vou continuar no Centro de Saúde, até porque a enfermeira F. está quase a voltar de férias e com ela é outra coisa.

P.S Não tenho nada contra o SNS, antes pelo contrário. Fui muitíssimo bem acompanhada no Hospital Francisco Xavier, na anterior gravidez.

Entretanto

13.9.10

Vou experimentar fazer uma sopa com as beldroegas que cresceram no vaso da salsa.
Não identifiquei a planta, quando a vi, mas percebi que só podia ser uma infestante. Imediatamente lembrei-me de um trabalho que fiz para a revista Forum Ambiente com o botânico João Gonçalves da Costa, antigo colector do Instituto de Botânica Dr. Gonçalo Sampaio, e que me marcou profundamente.
Além do conhecimento que transbordava de tudo o que dizia, ele falava das plantas como se fossem pessoas que conhecia daqui e dali. Mas o que me espantou verdadeiramente foi ele referir-se a duendes, a propósito de na Escócia as casas terem heras para os esconder, como se fossem criaturas reais. Primeiro fiquei surpreendida, depois à medida que o fui ouvindo pareceu-me perfeitamente natural que existissem seres que tentam proteger a Natureza.
E lembrei-me dele ao ver as beldroegas (Portulaca oleracea), porque notava-se que tinha uma certa simpatia pelas infestantes. Dizia ele que as austrálias (Acácia melanoxylon) e os eucaliptos (Eucalyptus globulos e E. obtusa), por exemplo, são árvores que continuam a lutar pela sobrevivência, depois de verem o continente que as acolhia partir-se: o velho continente lemuriano que se transformou na várias ilhas que hoje constituem o continente australiano, a Nova Zelândia e a Tasmânia.
Resumindo, além de uma bela sopa, as beldroegas serviram para me lembrar a magia do jornalismo.

E agora uma pirosice

13.9.10
As belas das fotos das férias.


soltas

11.9.10
e como estive longe do computador muitos dias, tenho um monte de coisas para contar. Então é assim:

de todas as coisas estranhas do livro do Murakami, que acabei de ler, o que me deixou mais intrigada foi o facto de praticamente todos os personagens terem 31 anos.

também terminei a gola em tricot e posso dizer que ficou bonitinha mas cheiinha de defeitos.

constatamos que o gajo pequeno não gosta de comida embalada, nem sopa dos restaurantes.

estou grávida. Não sei de quanto tempo (a contar desde o UPM, estarei de oito semanas), nem se está tudo bem, porque ainda não fui ao médico.

(isto começa tudo em minúsculas, porque diz que é bem)

E cá estou eu

11.9.10
Antecipámos o regresso não por causa da cantoria enervante dos grilos, ou porque a falta do que fazer fez-nos, afinal, mais comichão do que seria de esperar (o ano passado, no Alqueva, estivemos lindamente, por exemplo, e não tínhamos praias, apenas uma piscina biológica que partilhávamos com rãs e uma cobra), mas porque o meu sobrinho ficou com uma otite e o miúdo precisava da mãe dele, como precisam todos quando estão doentes. Vai daí arrumámos as tralhas da barraca na mala do carro e fizemo-nos à estrada. Os antipáticos do parque de campismo, que se diz ecológico mas é uma treta, não nos devolveram o dinheiro das duas noites que não usufruímos mas também não o pedimos.
Assim sendo estou de volta às lides internéticas e posso adiantar que de seguida janto umas ameijoas.

Chegou

1.9.10
O Jaime chegou. Antes disso, de manhãzinha, fui ao mercado comprar flores para enfeitar a casa e deixei adiantado um caril de gambas para o almoço. Depois da sopa do Isaac, por volta das 11h, fui buscá-lo ao aeroporto com as crianças. Levei um vestido novo e sombra nos olhos. Isto é ficção.
A realidade: O Jaime chegou e eu estou manca, dei um jeito nas costas. A casa cheira a estrugido queimado e os brinquedos do Isaac estão espalhados por todo o lado. Eu fui ao aeroporto de táxi (como eu odeio taxistas, santo deus!), com um carro estacionado à porta e a chave na gaveta da consola, porque não sei conduzir, apesar de ter carta de condução. E não levei vestido nenhum, fui com as únicas calças de ganga que me servem (as de grávida), o cabelo oleoso e buço. Até as caxineiras, que são mulheres que têm toda a legitimidade para usar bigode, tiram o buço quando os homens chegam do mar, e eu fui buscar o meu neste estado.
Mas é assim a vida, um dia serei uma dona de casa como deve ser, até lá sou eu assim.