Cerejas

20.12.10
A prenda de Natal que mais marcou a minha infância foi uma embalagem de cerejas cristalizadas. Foi o meu pai que me ofereceu, juntamente com um cachecol cor-de-rosa, porque nesse ano, eu devia ter oito ou nove anos, os meus pais estavam zangados. Eu não sabia, eles pareciam sempre zangados, mas percebi quando abri as prendas e a minha mãe disse que tinha sido o meu pai a comprar aquelas. Ele não disse nada. Eu fiquei muito tempo a olhar para as cerejas. Não sabia o que dizer, nem o que sentir. Estava feliz, porque o meu pai tinha-me dado uma prenda comprada por ele e, ainda por cima, tão original, tão...verdadeira. Mas também me apetecia chorar (sempre fui muito dada a melodramas, os meus irmão cagaram na cena), não sei bem porquê. Talvez por saber que aquela família estava condenada. Seja como for, as cerejas cristalizadas ficaram sempre associadas ao Natal, ao meu pai e a esse sentimento que aperta o peito até quase não se conseguir respirar (sim, não ultrapassei o complexo de édipo). Por isso este Natal ofereço cerejas. Mais, sou gaja para desejar Feliz Natal aqui e tudo. Olhem só: Feliiiiiiiz Nataaaaaaaaaaaaaaal!

Dela

16.12.10
Tenho dado por mim, muitas vezes, entre o perplexa e o preocupada com o facto da rapariga andar para aí como se tudo na vida fosse muito fácil. É a melhor da turma na escola, porque calhou numa turma muito medíocre, com vários alunos repetentes. É das melhores na turma do Conservatório, porque a turma dela foi feita com uma repescagem de alunos que não entraram à primeira por não terem vaga no instrumento que escolheram, no caso dela o violino. Por essas razões, entre outras (designadamente a predisposição genética, digo eu), é uma menina bastante preguiçosa, ao ponto, por exemplo, de preferir fazer fichas de avaliação do que ter aulas, porque lhe dá menos trabalho.

Além disso, é escolhida para ser a porta voz numa assembleia não sei de quê, por ter o "dom da oralidade"; recebe elogios da professora de coro que a mim me fariam dar pulos de contentamento, e no entanto ela reage como se tudo isso fosse muito natural. A única vez que a vi frustrada foi com a piscina por não conseguir nadar como o outros alunos e isso durou duas aulas.

Vem isto tudo a propósito de ela ontem ter tido a primeira audição de órgão. Como é óbvio, praticar foi mais bolos. Todos os dias lhe lembrava que tinha de praticar e ela lá ia dez minutos para o órgão e já está. Não insisti. Faltavam dois dias para a audição e ela diz que acha que não está preparada. Olha que novidade! Convenci-a que só se fica preparado depois de muito trabalho e isso para ela consistiu em tocar umas seis ou sete vezes as peças que ia apresentar, ou melhor, uma das peças, porque a outra não se lembrou que também ia tocar.

Portanto, lá fui assistir à audição convencida que ela ia ter finalmente a experiência de falhar redondamente numa coisa para a qual não tinha trabalhado o suficiente. Era agora que lhe podia provar que sem dedicação e muito trabalho não se consegue nada. É claro que ela estava descontraída e a mim apetecia-me vomitar.
Resultado: a gaja saiu-se bem, ou menos mal, vá. Tocou melhor do que de todas as vezes que ouvi aqui em casa.

No fim o professor quis conversar com todos os pais e basicamente disse que o que eles fizeram foi o mínimo que podiam fazer, que não podem estar ali para ocupar os tempos livres, que o ensino especializado da música é para ser levado a sério, etc. etc. Mas o mais importante, e que vem de encontro aquilo que me deixa perplexa e preocupada, foi ele ter dito que é professor há mais de 20 anos naquela escola e que nunca viu crianças, como as últimas fornadas de alunos que tem recebido, com tão pouca noção do que é o esforço. É como se nascessem sem esse gene.

Querido Pai Natal

15.12.10
Este ano quero que me transformes numa mãe igual a esta: divertida e feliz a tratar da canalha.

Não sei

14.12.10
o que diz mais da minha pessoa, se as bolachas com marmelada e os ferrero rocher que mamei depois do jantar, ou o gostar deste blog como o caraças!

É quase Natal outra vez

13.12.10

Balanço

13.12.10
Este ano amamentei e engravidei.

É um rapaz

10.12.10
O Nicolau farta-se de dar pontapés e eu digo-lhe olá baixinho e que os pontapés do lado de fora são do irmão do meio. Vimo-lo ontem num ecrã de computador e ficámos a saber que era um menino e que era o Nicolau, apesar da Beatriz não gostar do nome. Acontece muitas vezes (agora menos, à medida que vou crescendo) esquecer-me que estou grávida, não só porque me sinto bem, ainda que constantemente cansada, como demasiado ocupada com o Isaac e com sei lá eu mais o quê, porque ao fim do dia não sei onde gastei o meu tempo. Não sei, vejo-os crescer, tornarem-se pessoas com a matéria que lhes damos e talvez isso seja tudo o que interessa saber.

Eu logo vi

5.12.10
Então, ao que parece, quem nos criou foi um vírus. Pois, isso mesmo. Agora podem fechar a boca que eu passo a explicar: Pelos vistos uma equipa de veterinários verificou que ao administrar um retrovírus numas ovelhas prenhas, infectadas com um determinado vírus (não sei qual, porque apanhei o documentário a meio), a placenta deixava de produzir as moléculas que permitem ao saco embrionário manter-se preso ao útero, o que os levou a concluir, depois de algumas experiências, que os vírus são necessários para o sucesso da gravidez. Ora, sabendo que a placenta é a grande responsável pela formação do cérebro humano (eu não sabia, pensava que aquela viscosidade servia apenas para alimentar o feto, ponto final), alguns cientistas chegaram à conclusão que certos atributos exclusivamente humanos, como a linguagem por exemplo, são-nos fornecidos pelos vírus. LuisVillarreal, um desses cientistas, vai mais longe ao afirmar que sentimentos complexos, como o amor, existem graças a esses seres. Mais, o biólogo está convencido que os vírus não terminaram a tarefa e acredita que surgirão novos seres humanos.
Provavelmente toda a gente já sabia disto mas eu, que só soube agora, estou pasmada. Mesmo tendo ouvido a teoria de que nós somos um vírus da boca do Agent Smith.

Só mais uma coisa

3.12.10
Como é óbvio o Jaime não virou electricista e eu não sou (ainda) costureira. O Lytton, marido da Carrington, também sofre com herpes e, apesar de isso acontecer em Outubro de 1918, é a pessoa de quem me sinto mais próxima actualmente.

Estou grávida há demasiado tempo*

3.12.10
Aqui o senhor rapaz mandou a ecologia dar uma volta, porque se recusa a usar as fraldas que nos custaram os olhinhos da cara. Não sei porque carga de água (esta é mais uma daquelas belas expressões) as ditas começaram a assar-lhe o rabinho e ele, claro, cada vez que as vê desata numa gritaria e esperneanço nunca visto. Ora, eu que sempre disse de peito cheio, a quem quer que estivesse a ouvir-me, que uma das grandes vantagens destas fraldas era manter a pele do bebé saudável, sinto-me ligeiramente defraudada. Acontece que vem aí outra cria e portanto o investimento não foi de todo em vão.
É claro que se esta gravidez estivesse imbuída da mesma eco-consciência que a anterior, em vez desta estúpida ego-consciência, estaria muito preocupada e já teria feito as contas para perceber de quantas fraldas livrei o aterro sanitário durante este ano, para me sentir um pouco melhor. Mas, assim como assim, estou-me a borrifar. O que eu quero saber é quando é que vou voltar a ter uma vida normal, ou seja, deixar os filhos ao cuidado de alguém para ganhar a vida. Sim, porque quem fica com eles em casa ganha o quê, já agora?

*tenho a impressão que ainda não deixei de estar grávida desde Janeiro de 2009.