Tenho dado por mim, muitas vezes, entre o perplexa e o preocupada com o facto da rapariga andar para aí como se tudo na vida fosse muito fácil. É a melhor da turma na escola, porque calhou numa turma muito medíocre, com vários alunos repetentes. É das melhores na turma do Conservatório, porque a turma dela foi feita com uma repescagem de alunos que não entraram à primeira por não terem vaga no instrumento que escolheram, no caso dela o violino. Por essas razões, entre outras (designadamente a predisposição genética, digo eu), é uma menina bastante preguiçosa, ao ponto, por exemplo, de preferir fazer fichas de avaliação do que ter aulas, porque lhe dá menos trabalho.
Além disso, é escolhida para ser a porta voz numa assembleia não sei de quê, por ter o "dom da oralidade"; recebe elogios da professora de coro que a mim me fariam dar pulos de contentamento, e no entanto ela reage como se tudo isso fosse muito natural. A única vez que a vi frustrada foi com a piscina por não conseguir nadar como o outros alunos e isso durou duas aulas.
Vem isto tudo a propósito de ela ontem ter tido a primeira audição de órgão. Como é óbvio, praticar foi mais bolos. Todos os dias lhe lembrava que tinha de praticar e ela lá ia dez minutos para o órgão e já está. Não insisti. Faltavam dois dias para a audição e ela diz que acha que não está preparada. Olha que novidade! Convenci-a que só se fica preparado depois de muito trabalho e isso para ela consistiu em tocar umas seis ou sete vezes as peças que ia apresentar, ou melhor, uma das peças, porque a outra não se lembrou que também ia tocar.
Portanto, lá fui assistir à audição convencida que ela ia ter finalmente a experiência de falhar redondamente numa coisa para a qual não tinha trabalhado o suficiente. Era agora que lhe podia provar que sem dedicação e muito trabalho não se consegue nada. É claro que ela estava descontraída e a mim apetecia-me vomitar.
Resultado: a gaja saiu-se bem, ou menos mal, vá. Tocou melhor do que de todas as vezes que ouvi aqui em casa.
No fim o professor quis conversar com todos os pais e basicamente disse que o que eles fizeram foi o mínimo que podiam fazer, que não podem estar ali para ocupar os tempos livres, que o ensino especializado da música é para ser levado a sério, etc. etc. Mas o mais importante, e que vem de encontro aquilo que me deixa perplexa e preocupada, foi ele ter dito que é professor há mais de 20 anos naquela escola e que nunca viu crianças, como as últimas fornadas de alunos que tem recebido, com tão pouca noção do que é o esforço. É como se nascessem sem esse gene.
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