Rascunho em branco

15.1.21

Tinha um rascunho guardado desde o dia 17 de Dezembro. Lembro-me que atirei para aqui umas ideias soltas a propósito de qualquer coisa, mas quando abri a página vi que estava em branco. Páginas em branco, tudo bem, é normal, mas rascunhos em branco? É capaz de ser como uma folha tão, mas tão rasurada de palavras que parece vazia.  

Começa hoje mais um confinamento e pensei que devia voltar ao diário, mas desta vez vou fazer de conta que ninguém vai ler.

Querido diário, 

A minha avó morreu no dia 22 de Dezembro. Pensei que quando isso acontecesse iria desatar numa verborreia, mas apeteceu-me continuar calada. A minha avó morreu, é tudo. E o tudo é a minha mãe passar a noite agarrada ao corpo morto da minha avó, até a funerária chegar na manhã seguinte, é eu continuar a ver-lhe os olhos suplicantes, quando já não falava e mal comia, e querer lembra-me dela cheia de força e de vida e só conseguir pensar que no fim morremos tão desamparados como quando nascemos. O tudo é uma vida que durou 93 anos e acabou. Acabou em casa, de mão dada com as duas filhas e não se pode desejar melhor morte, digo eu que nunca morri. 

Aconteceram outras coisas desde que não escrevo aqui, mas parece tudo envolto numa névoa. Por exemplo, pela primeira vez desde que me lembro fizemos a árvore de Natal em Novembro, como se fosse preciso antecipar tudo a ver se o ano terminava mais rápido. As festas foram também em modo forward e o Nicolau desistiu do Oboé. Num dia estava a adorar, no dia seguinte não queria voltar à escola de música por causa de um pesadelo. 

Entretanto, hoje é o primeiro dia do segundo confinamento. Os número de infectados e de mortos por causa do corona vírus são os mais elevados de sempre, mas as pessoas não estão tão assustadas como quando tudo isto começou. Já estamos habituados a viver com o vírus, que era aliás aquilo que se pretendia. As crianças podem ir à escola e as pessoas têm de trabalhar a partir de casa, mas eu devo viver numa zona do país onde o sector terciário é menos representativo. Vai ser interessante analisar alguns gráficos da pandemia daqui a uns tempos. 

Neste primeiro dia não esteve tanto frio como tem estado, mas acendi a lareira na mesma. O Nicolau não foi à escola e passámos muito tempo no sofá, ele a ver coisas no youtube e eu o documentário Deus Cérebro na TV. Também estive a ver lábios vermelhos no telemóvel, claro, e outros casos do dia. 

É impossível fazer de conta que ninguém vai ler o que estamos a escrever publicamente.

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