O sítio das coisas preciosas

14.2.18
Há uns anos escrevi um conto que se chamava "O sítio das coisas preciosas" (e eu que achava que até tinha jeito para títulos!). Lembrei-me dele porque em conversa com uma amiga da Bea, que vive na mesma casa desde que nasceu, apercebi-me que até sair de casa também vivi sempre na mesma, excepto quando foi deitada abaixo para ser construída uma melhor.
Depois comecei a contar as casas onde já viveram os meus filhos e desisti a meio. Virei costas à angústia que vinha instalar-se e ouvi a poupa que frequentava o quintal da casa provisória onde vivemos até a outra ficar pronta.
Lembro-me desse período, que durou uns dois anos, nem isso, como um dos mais felizes da minha infância, mas não foi essa a casa que incluí no tal conto.
Não há como saber o que levarão eles da infância, pois não?

"Na casa havia escadas. As escadas de fora e as de dentro. As de fora, em cimento, davam para um pequeno patamar com três portas: a da sala, a da cozinha e a da retrete. As de dentro, em madeira, ligavam a cozinha ao coberto. Todos os que viviam na casa tinham caído nas escadas de dentro. Nunca ninguém se aleijou.
A casa tinha uma sala, dois quartos e a cozinha, em cima. Em baixo, o coberto com os teares e os farrapos.
Havia sempre caruma, porque era preciso acender o lume para aquecer água e cozinhar.
Caruma e pinhas.
Havia também os copos da cristaleira e as cobertas de pôr à janela quando passa a procissão.
E havia canteiros com flores: dálias, malmequeres e cravos. As flores eram para o cemitério.
Havia a pá para tirar a borralha.
E um secador do cabelo. Não havia banheira, porque nem sequer existia um quarto de banho, mas havia um secador de cabelo. Ela detestava que a mãe lhe secasse o cabelo com o secador, porque lhe queimava as orelhas. Isto antes de lhe cortar o cabelo curto.
Em casa havia ainda muitos baldes, bacias e cântaros.
E um pipo com vinho dentro, que saía por uma torneirinha. Às vezes não tinha vinho.
Ao lado da casa estava o anexo, onde viviam a tia e as primas. Em cima do anexo secava o milho.
Um dia chegaram os camiões e os caterpillars e outros que não sabia o nome para deitarem a casa abaixo.
Ela chorou. A mãe disse que era para construírem uma casa melhor, mas ela não queria uma casa melhor. Queria aquela."

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