Estamos todos habituados a ouvir, e alguns de nós a dizer, "isso foi noutra vida", como se todos vivêssemos várias vidas numa só. E é verdade, não sendo verdade. Há nove anos vivia outra vida.
No livro "E, de repente, a alegria", Manuel Vilas refere-se muitas vezes ao passado como uma sucessão de memórias que não temos a certeza de terem acontecido, ou então sou eu que penso assim e li coisas que ele não escreveu.
Tenho muitas vezes a sensação de que em alguns momentos me encontro com essa que fui noutras vidas. A que sou agora - mãe de dois adolescentes e uma jovem adulta que já saiu de casa, trabalhadora por conta de outrem num emprego desinteressante e mal pago, mulher com um homem à procura de si, pessoa no encalço do seu lugar - não é nenhuma daquelas que viveu outras vidas, mas sou todas ao mesmo tempo. A certa altura Manuel Vila diz, e isto não é um post sobre o livro que estou a ler, ou não era para ser, que está morto aquele que foi em 1980, embora por vezes fale com ele. No meu caso não é assim, todas as que fui estão vivas ao mesmo tempo.
Não sei se se nota muito que ando obcecada com o tempo, a passagem do tempo e a não linearidade do mesmo. Estou aqui a passar para o computador o que escrevi ontem numa folha de rascunho, enquanto olhava para os potenciais clientes de vinho do Porto que passavam na rua, e estou a festejar o meu décimo quinto aniversário a comer arroz de lampreia (e a odiar) num restaurante em Apúlia, com aquela alegria imensa de quem está a fazer uma coisa que as outras famílias fazem, ao contrário da minha, mas depois o carro avariou e tudo voltou a ser uma merda, isto é, voltou tudo ao normal.
Consigo fazer isto muito bem, juntar diferentes memórias de diferentes tempos e lugares e ver-me lá a olhar para esses momentos.
Por isso, é uma pena deixar tanta coisa por registar. Fiquei um bocado desiludida ao confirmar que tinha escrito tão pouco sobre as viagens que fiz, por exemplo. Não devia deixar de escrever, porque é assim que muitas vezes consigo lembrar-me da pessoa que fui, ou reconstruir essa memória, como quando vemos uma fotografia de criança. Se bem que é mais fácil reconstruir memórias com imagens do que com palavras. As palavras deixam poucos espaços em branco. E escrever sobre a nossa vida é uma belíssima forma de passar pelo tempo.
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