Pantufas

23.5.25
Ela era velha, porque era a avó, mesmo que só tivesse 45 anos quando a primeira neta nasceu. Usava botas de água e um chapéu de palha. Na verdade, a neta só a viu assim numa fotografia, na maior parte do tempo ela estava de chinelos com salto, ou socas, saia a direito, blusa florida e lenço na cabeça. Na fotografia também tem o lenço por baixo do chapéu. 
De tudo o que a avó usava o que ela mais gostava era das combinações e da algibeira.
A avó estava pouco tempo em casa. Tinha um emprego numa fábrica de tecelagem. Era tudo para ela, o emprego. Tanto que, segundo disse a um jornal, aquilo de que tinha mais saudades do tempo em que era nova  (nessa altura ela já tinha uns 80 anos), era de ter um emprego. 
Mesmo depois de se reformar era habitual passar muito tempo fora de casa. Por isso era difícil ver a avó, já muito velhinha, sempre sentada com as mesmas saias e blusas (nunca a conseguiram convencer a usar calças de fato de treino por, supostamente, serem mais confortáveis) e pantufas. A avó devia usar sempre botas de água e socas, nunca pantufas. Nunca.
Mas acontecem coisas que nunca deviam acontecer. E coisas que têm de acontecer, como morrermos.

Meter água

9.5.25
Não sei quando comecei a fazer arroz da maneira que faço agora: um pouco de azeite com cebola, ou alho esmagado, misturo o arroz e acrescento o dobro de água. Sei que não foi assim que aprendi - a meter água depois do arroz.
Lembrei-me disso um dia destes, enquanto cozinhava, porque cozinhar é viajar no tempo, que a forma como fazia o arroz em criança (sim, aprendi a cozinhar muito cedo) era uma lição de sagueza. 
Portanto, depois do azeite e cebola metia-se a água na quantidade que pretendíamos de alimento e depois acrescentava-se o arroz, bem no centro do tacho, até o montinho ultrapassar ligeiramente a água. Se corresse mal, era só meter mais água e ficava tudo bem.

Há muitas formas de meter água:

Trabalhadora

2.5.25
O tema desta semana serviu para reflectir sobre estes últimos meses, quase um ano, 328 dias para ser mais específica (não que esteja a contar os dias, claro) a trabalhar numa empresa que detem cinco marcas de Vinho do Porto, a atender milhares de turistas, que visitam as caves. Algumas das conclusões que retirei dessa curta reflexão foram as seguintes:
- Sou, claramente, uma pessoa que não se realiza no trabalho
- A escravatura a que os trabalhadores se sujeitam para sobreviver nunca vai deixar de me espantar 
- A maioria dos turistas é gente boa 
- A maioria dos trabalhadores do turismo é neurodivergente 
- Sinto-me sempre no admirável mundo novo quando encosto o dedo à máquina e ela diz ''Bom dia 1349'' 
- Não gosto de ter colegas de trabalho, ou talvez não goste dos que tenho
- É urgente uma nova ordem mundial, já sabemos, mas este modelo de escravatura dá muito jeito ao Poder. E ao Tony Carreira.

Outras reflexões: