Ainda ontem

11.8.20

Os miúdos foram passar três dias com a irmã, quando nos reencontramos ela perguntou-me se eu ainda escrevia no blog (a sério? bom, na verdade, é melhor que não o leia) e eu pensei que ela ia contar-me o que tinham feito para depois eu escrever sobre isso, ou só dizer qualquer coisa acerca da necessidade de tantas pessoas escreverem sobre parentalidade. Quando lhe respondi que sim, mas que escrevo cada vez menos, ela fez um esgar estupefacto e perguntou: ''Como consegues? É impossível usar o cérebro com eles por perto. É impossível completar um raciocínio!'' .

Sim, é verdade. Quer dizer, não é impossível, mas é realmente difícil, até porque mesmo quando não estão por perto, com as  gritarias, as solicitações constantes e os ruídos dos diferentes dispositivos electrónicos, estão sempre presentes. Como uma pedra no rim. Temos umas horas até ir buscá-los, preparar-lhes as refeições, tratar das roupas, ouvir-lhes os queixumes, mas muitas dessas horas são passadas a adiar o que queremos ou temos de escrever, porque como acabaremos por ter de interromper, mais vale nem começar. Acho que este filme fala sobre isso, mas ainda não o consegui ver.

As crianças são o melhor do mundo, como se sabe, mas também conseguem ser bastante insuportáveis. As minhas, pelo menos. E depois vão à vida delas e nós ficamos sem perceber muito bem como é que isso aconteceu, quando ainda ontem andavam a moer-nos o juízo. 

O Javier Marías tem razão (ele deve estar extasiado por eu lhe dar razão), não precisamos de andar tão angustiados a tentar somar experiências, ''porque no final de qualquer vida mais ou menos longa, por monótona que tenha sido, e anódina, e cinzenta, e sem sobressaltos, haverá sempre demasiadas recordações e demasiadas contradições, demasiadas renúncias e omissões e mudanças, muitas marcha-atrás, muito arriar bandeiras, e também demasiadas deslealdades, isso é garantido.''

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