Imaginar

24.10.18
Doía-me a cabeça e estava com algum sono, por isso tive de fazer um certo esforço para chegar ao fim do filme, mas fui deitar-me a pensar que devia adormecer a imaginar o meu futuro, como a Alma estava a fazer na última cena e como eu fazia em criança todas as noites.
Eu tinha uma vida paralela, ou vidas paralelas, quando ia dormir (isto depois da fase dos pesadelos e dos medos), mas ontem, quando me deitei e tentei imaginar o meu futuro, fiquei desconcertada. Eu já estava no meu futuro imaginado (parece que isto está sempre a acontecer-me, achar que estou no futuro) e não consegui ver para lá de onde estou agora. E eu até tentei imaginar a sensação de terminar o livro, de fazer trabalhos interessantes e estar em viagem, mas nada.
Isto só pode querer dizer uma de três coisas, ou a três juntas: 1) em criança não fui capaz de me imaginar muito além dos 40 anos, 2) a minha capacidade de imaginar diminuiu drasticamente com a idade, 3) preciso muito menos de fugir da minha realidade.
Em qualquer um dos dois últimos casos parece-me preocupante. Perder a capacidade de imaginar e/ou estar acomodado é uma forma de estar na vida um bocado triste. Mas já é tão violento existir - há crianças a serem violadas em campos de refugiados, ditadores a subir ao poder, andamos a comer plástico, os nossos filhos têm de mostrar conhecimentos na escola, em vez de os aprender, há mais de dois milhões de portugueses na pobreza, e desses quase 11 por cento trabalham, as alterações do clima são cada vez mais evidentes, a minha avó está muito velhinha-, como dizia, já é tão violento existir que é normal procurar algum conforto na sobrevivência.
Seja como for, consegui dormir relativamente bem. Não termos tido nenhum dos rapazes na nossa cama até de madrugada ajudou.

2 comentários:

  1. e o pior é ter filhos.como se lhes ensina o futuro, esse da esperança? um fingimento diário... esconder a melancolia de não saber viver sem olhar para o mundo. felizes os que só têm o umbigo por centro do mundo.

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  2. 4) não me apetece imaginar (tal como já não me apetece brincar) e há outras formas de fugir da realidade.
    Quer dizer, andamos nós a tentar fazer as pazes connosco próprias, com a nossa vida, dá uma trabalheira tremenda, despesa em terapia e outras coisas, não venhas para aqui agora alimentar-nos ansiedades, rapariga.

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