Conseguir estar bem

17.5.14
Num daqueles raros momentos de lucidez acabei por perceber que tenho de aceitar aquilo que sou (ponto). Se até a minha médica quase se riu da "questão glúten", quer dizer, que mais posso fazer? É bem verdade que ciclicamente procuro justificações para a minha supostamente inexplicável "infelicidade", e depois? Faz parte de mim, mais vale viver com isso.
Eu sou a gaja que chora a ver um episódio do "Anatomia de Grey" e que fica fascinada com as questões da linguagem, como a que o poeta Yves Bonnefoy* descreve, ou Thomas Walgrave* revela.
Sou a gaja que tem horror ao telefone e aos supermercados e que adora conversar e ver coisas bonitas.
Que se aborrece atrozmente enquanto não é surpreendida por um campo de milho, uma exposição, um beijo na nuca, um convite inesperado.
Sou a gaja que não pára: "[06-05-2014 13:55:30] Jaime Xavier: céus Calita
                                        [06-05-2014 13:55:36] Jaime Xavier: tu não páras
                                        [06-05-2014 13:56:58] Jaime Xavier: IRS, blogue, banco, psiquiatra no Porto, medicação da médica de família, Lifecooler, costura e agora psicóloga, depois de compras de bicicleta no Pingo Doce. Entre vinho e aborrecimento da vida doméstica e oposição ao amante. Um furacão tu". E sou a gaja que dorme, dorme, dorme,dorme.
A que tem manias de grandeza embrulhadas no papel de celofane que é a minha baixa auto-estima.
A que bebe mais do que deveria.
Sou a gaja que nem sempre coabita harmoniosamente com a maternidade.
Sou a que nunca está bem e só quer estar bem.
É, mais vale viver com isso e conseguir estar bem mais vezes.


* O poeta francês descreveu a língua inglesa como um "espelho" e a francesa como uma "esfera".
**Numa entrevista o director artístico explicou que fez parte de uma equipa que arranjou um método para ensinar geometria a uma comunidade de índios Navajo do Arizona , Novo México. Ninguém percebia porque é que os alunos não conseguiam tirar boas notas a essa disciplina e a conclusão a que chegaram é que era a uma questão de tradução. A língua dos Navajos só tem verbos, ou seja tudo é descrito em termos de processo. Uma montanha não é um objecto é um processo em construção, ou desconstrução. Walgrave deu ainda o exemplo de que de um copo vermelho diz-se que é redning. 

9 comentários:

  1. Aprender a viver com isso, sem dúvida e reagir. Desculpa intrometer-me, não sei se a psicóloga é privada. Mas tens a associação de apoio aos doentes depressivos e bipolares com sede em Lisboa e no Porto onde as consultas com o psicólogo têm um valor relacionado com o IRS. Sempre fica mais em conta que um privado. Outra coisa: nem sempre se acerta com a medicação à primeira, por isso e de preferência deve ser o psiquiatra a passar a medicação. Não me leves a mal estar a dizer-te isto. Um beijinho.

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    1. Não levo nada a mal.
      Eu não consulto nenhuma psicóloga, na conversa com o Jaime, sugeria que se calhar deveria fazê-lo. A medicação foi prescrita pela médica de família, mas quando fui à psiquiatra (ao Porto) ela validou-a, mas referiu aquela coisa de eu precisar mais de estar com pessoas regularmente do que do medicamento.
      Um beijinho.

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  2. Subitamente, apetece-me dizer uma evidência: nunca gostei de algodão doce.

    A seguir, uma dúvida: foram, ou não, os Navajos que ajudaram naquilo da comunicação "encriptada" durante a Grande Guerra?


    Por fim, uma certeza: escrever É reagir.

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  3. Tanto "nós", tamanha a falta de qualidade da net sem fios do município, que precisei de apagar 2 de 3 comentários idênticos por receber a mensagem automática de nhonhóapachenhonhó.

    O meu humilde pedido de desculpas.

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  4. Mas afinal em que é que consiste o "estar bem"?

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    1. Significa, acho eu, o meio termo entre o verbo ir e o verbo ficar.

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    2. Uma grande resposta para uma grande questão. Vocês inspiram-me, pá!

      Há textos teus, como este, que me deixam o António variações em modo repeat na cabeça...

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  5. Porque me revi ferozmente nalgumas das tuas palavras, partilhei-as (com o devido reconhecimento) no meu blog. Porque às vezes é bom saber que outras pessoas sentem as mesmas coisas que nós, mesmo que por razões diferentes. Como sempre foi um prazer ler-te.

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