Só preciso de uma moeda de 100 escudos

17.5.11
Durante uns tempos, para ir para a universidade eu tinha de apanhar a camioneta até à Póvoa e depois uma boleia até ao Porto. Ao fim do dia, se não chegasse à Póvoa a tempo da última camioneta, tinha de telefonar à minha mãe para me ir buscar e isso era uma daquelas coisas a evitar a todo o custo, porque eram muito raras as vezes em que ela encarava essa tarefa com boa disposição.

Ora, o que acontecia frequentemente era eu não ter dinheiro para o bilhete, por causa do tabaco que não deveria ter comprado, e por isso ia o caminho todo até à paragem da camioneta a olhar para o chão na esperança de encontrar os 100 escudos que deveria ter guardado - coisa que nunca aconteceu -, e depois sentava-me no banco de pedra, em frente à paragem, na esperança que alguém da minha aldeia passasse e me desse boleia, o que felizmente aconteceu várias vezes.

Agora, quando olho para trás, tenho muitas vezes pena dessa rapariga que fui e sinto verdadeira compaixão ao vê-la naquele banco de pedra a dizer a si própria que não pode viver assim, que tem de ser mais sensata, e a saber que no dia seguinte vai fazer a mesma coisa. No dia seguinte talvez não, mas na semana seguinte seguramente. Vai comprar o maço de tabaco, porque tem vergonha de estar sempre a cravar e vai acreditar que o acaso, ou a sorte, lhe vão deixar uma moeda de cem escudos no chão, mesmo que isso nunca tenha acontecido.

E o mais estranho é que eu continuo a ser essa rapariga. A moeda de 100 escudos que estou à espera de encontrar é um emprego que me permita conciliar a vida familiar com a vida profissional. Porque não consigo ser só mãe e não quero abdicar de o ser por causa do trabalho. Desde que nasceu a minha primeira filha tornou-se óbvio, para mim, que seria impossível conciliar as duas coisas e, portanto, optei por desistir de uma delas, mas sempre à espera de encontrar a tal moeda algures no percurso escolhido.

E as moedas, como se sabe, têm dois lados, por isso eu teria de escolher entre:
Cara: um part-time numa empresa com pessoas motivadas e felizes.
Coroa: criar o meu próprio negócio.

Quem sabe um dia...afinal, já somos um movimento. De mães e pais.

5 comentários:

  1. Como eu te compreendo... Não desistas, desejo-te muita sorte.

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  2. passei muitos anos a olhar para o chão e para o ar à espera que um milagre tomasse as minhas decisões por mim. nunca aconteceu. eu tive de o fazer. no entanto, relativamente às opções da cara e coroa, não te esqueças que a coroa não te garante um emprego e muito menos em part-time. exige-te sim, que dês sem esperar receber e o sentimento é sempre que não estás a dar o suficiente. é um caminho sinuoso e sobre o qual poderíamos escrever muitas linhas aqui. a única compensação é que te dá um gozo incomparável a qualquer outra opção que possas tomar:)

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  3. Aconteceu exactamente o mesmo comigo.

    Estou na mesma situação. E todos os dias acredito que vou encontrar o tal emprego que me permita ser mãe e ter algum dinheiro na carteira ao mesmo tempo, mas não, tenho mesmo de continuar a ser só mãe. Porque "não há empregos compatíveis com os horários das escolas e isto tá mau e tens de te sujeitar". Pois. Eu sujeito-me . E deixo os miúdos sozinhos em casa?

    E achas mesmo que isto muda?

    Bárbara

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  4. Não esperes que a moeda caia do céu. Caminha, não páres. Um dia ou a moeda te nasce nas mãos ou alguém pelo caminho ta oferece!

    Uma nota: não devemos estar muito longe, acho que até sei qual é o banco de pedra que falas ;)

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  5. :) o banco de pedra é aquele encostado ao hospital, é o mesmo?
    Seja como for estamos longe, porque agora vivo em Lisboa.

    (Acho que muda, sim, Bárbara. Tem de mudar. Há demasiada gente inteligente subaproveditada)

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