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Decorrer do ano

8.4.21


No dia em que abriram as esplanadas festejei os meus 48 anos numa mesa na praia, a comer goraz e percebes e a beber vinho toda a tarde (ali na foto ainda estava na sangria). 

A meio da noite, acordei com o barulho dos meus batimentos cardíacos e sentei-me a tentar respirar. Quando consegui normalizar a respiração e acalmar o coração voltei a deitar-me e tentei perceber de onde viria tamanha aflição. ''Será por fazer anos?'', pensei. É claro que os pensamentos nunca se apresentam assim, com um encadeamento lógico, em vez disso atabalhoam-se e uma pessoa já não sabe se está a pensar o mesmo pensamento, ou vários diferentes ao mesmo tempo.

Bom, o que pensei, no meio de tudo, foi: ''costuma-se dizer que a nossa vida sofre uma mudança de sete em sete anos, será que estou a começar um novo ciclo?'' Depois, comecei a debitar a tabuada dos sete e apercebi-me que não precisava de me preocupar, porque 7x7=49 (estava a meio da noite e tinha passado a tarde toda a beber, ok?).

Portanto, a mudança de ciclo, a acontecer, será só para o ano. Mas, depois, pus-me a rever todas as mudanças que tinham ocorrido na minha vida nos anos múltiplos de sete. Então, aos sete mudei de escola, porque a professora da primeira classe foi colocada noutra e convenceu alguns alunos, ou os pais deles, a mudarem-se com ela. Aos 14 interrompi os estudos e fui trabalhar para uma fábrica, porque o meu pai tinha morrido no ano precedente. Aos 21 entrei na faculdade, mas já tinha tentado antes, sem sucesso, por isso o ano anterior serviu para juntar dinheiro e pagar uma universidade privada. Aos 28 fui mãe pela primeira vez, mas engravidei com 27 anos. Aos 35 fui viver com o Jaime, mas separei-me, bom também me separei nesse ano, mas toda a gente sabe que os divórcios não acontecem de um momento para o outro. Aos 42 fui viver para Timor-Leste, mas tinha lá estado de férias, adivinham quando? No ano anterior, claro. 

Portanto, aguardo com ansiedade (e ataques pelo meio) o decorrer deste ano.

Dia #24

5.4.20

Recebi a minha prenda de aniversário mal acordei e comecei a logo a choramingar ao ler os papelinhos com as mensagens de toda a gente. Parecia que estavam todos ali comigo, apesar de ainda estar na cama. Obrigada a toda(o)s, não sabia, ou tinha esquecido, que pensam tantas coisas boas sobre mim.
Ver o entusiasmo dos miúdos, sobretudo do Nicolau, faz-me querer gostar de festejar o aniversário. Foi ele que fez o bolo, com a ajuda do Isaac, e o Jaime a jardineira do almoço. Escolheu este prato, porque cozinhou-o nas duas últimas gravidezes, para satisfazer os meus desejos (mesmo sem ser apreciador) e eu achei que foram as melhoras jardineiras que alguma vez comi na vida.
A de hoje também estava maravilhosa, mas como não estou grávida não posso dizer que é a melhor de sempre. O palato tem destas coisas. Quanto ao vinho, só posso dizer: UAU!
De resto foi um dia normal, com as coisas boas que já referi e outras menos boas, como na vida em geral. 
O que não deixa de ser curioso é este ser o terceiro ano consecutivo de aniversários estranhos. Aos 45, foi a primeira vez que não festejei com o Jaime, desde que estamos juntos, aos 46 não tinha a Bea comigo e aos 47 temos o Covid-19.
Melhores anos virão, certo?

Idiossincrasias

18.11.19
Cortei as repas. Não me ficam muito bem, mas às vezes é preciso acreditar que consigo fazer melhor do que prender o cabelo todos os dias e lavá-lo uma vez por semana.
É verdade que já não quero ser bonita como as minhas amigas, mas quero envelhecer bem, ou seja, parecer mais nova do que sou. Não é fácil, tendo em conta as vezes que acordo de ressaca e que o meu exercício físico é caminhar, mas acredito sempre que é possível. Até perceber que não é.
Tenho de aceitar as minhas idiossincrasias, pronto. Por exemplo:

>Fico um bocado irritada quando algum de nós fica doente, porque me parece uma falha. Como se fosse uma coisa que podia ter sido evitada, tipo chegar atrasada aos compromissos. Não percebo as pessoas que se atrasam, nem as que ficam doentes. E eu fico doente amiúde.

>Dou zero importância ao telemóvel. Fica muitas vezes esquecido em casa, ou sem bateria, sem que isso me causa qualquer ansiedade, como acontece com o Jaime, que ''por acaso'' tem de atender, ia dizer montes de vezes mas já pouca gente me telefona, chamadas para mim.

>Nunca me lembro que alimentos os meus filhos não gostam. Eu argumento que é por eles estarem sempre a mudar de gostos. Uma semana adoram bacalhau, na outra odeiam, mas já perdi a conta às vezes que ouvi ''EU NUNCA GOSTEI DISTO''. Na verdade, agora só tenho esse problema com o mais novo e tinha esquecido que a Bea se queixava do mesmo, até receber a mensagem: ''Até achei algo hilariante 18 anos depois ainda não te lembrares que não gosto de ameixas''.

P.S Não tirei foto às repas e hoje prendi-a com travessões, por isso mostro depois, se me lembrar.

Fora do poço

25.10.19
Algumas pessoas dizem-me que é uma pena eu não escrever no blog como escrevia, referindo-se, na maior parte dos casos, ao tipo de registo e não à frequência.
Mas eu já não sou uma dona de casa desperada (sabiam desta definição da Wikipédia?!), por isso é mais do que normal que não escreva sobre as mesmas coisas, ainda que haja toda uma enciclopédia do quotidiano que podia, e devia, ser escrita.
Há o post da cadela Catrina, que foi recolhida da rua com as mamas cheias de leite sem cachorros à vista, ou o dia em que fui substituir a minha mãe a cuidar da minha avó, e notar que cuidar é alimentar e trocar fraldas. A peça de teatro, de domingo à tarde, também dava um belo post, e as obras na minha rua davam muitos.
E depois há o poço da tristeza em que me afundo muitas vezes. Acho que não se nota muito que estou dentro de um poço, consigo funcionar quase normalmente, apesar de ser muito pouco prático andar por aí enfiada num poço*. Às vezes até consigo vir à superfície e tudo. Nessa altura faço festas no cabelo sempre despenteado do Isaac, olho para o fundo dos olhos escuros do Nicolau e vejo que guardam já preocupações, tantas preocupações nuns olhos tão pequenos! O Jaime nem sempre sei onde está, mesmo que esteja ali ao meu lado.
Também gosto de calçar as meias tricotadas por mim e olhar para os meus pés fora do poço.


*tentei desenhar a rapariga despenteada a caminhar pela cidade dentro de um poço, mas não consegui. É pena, porque dava um desenho bonito, acho eu.

Agosto é fodido

26.8.19
Quando me perguntam há quanto tempo regressei de Timor, tenho de pensar duas vezes, porque vim viver para a Póvoa em Janeiro de 2018, pelo que a resposta ''há um ano'' não é muito desfasada, mas já estava em Lisboa desde Setembro de 2017, portanto estou cá, em Portugal, há dois anos.
E por aqui se vê que um ano pode não fazer tanta diferença na vida de uma pessoa, como um minuto, que há-de ter sido o tempo que demoramos a tomar a decisão de eu e os miúdos não regressarmos a Timor.
Não é sempre claro quando estamos a viver um desses momentos decisivos. Muitas vezes só em retrospectiva percebemos isso. Aquele beijo, aquela viagem, aquela entrevista de emprego...
Outras vezes, essa percepção pode ser muito evidente no momento em que está a acontecer, mas é raro, acho eu.
Foi um momento desses, ou vários, que me trouxe aqui, às minhas novas funções de ''vineuse'', que é uma categoria inventada pela Dora.
E agora, com os rapazes a passar muito tempo no armazém da vinharia, mais por vontade deles do que nossa, é inevitável pensar o que guardarão eles destes momentos. Espero que o roblox e o Filipe Neto não ocupem mais espaço na gaveta da memória do que as garrafas em volta e as conversas sobre vinho.
Mas o vinho tem um poder especial, que leva alguns deles, a dada altura, ''a cruzar-se na vida de muita gente e a fazer parte da sua história e da sua passagem terrena'', como contou o Pedro Garcias na maravilhosa crónica, em três partes, ''O dilema de António perante uma garrafa de Henri Jayer de 1970''. Por isso, eu sei que será o vinho, as histórias à volta do vinho, que eles guardarão destas férias grandes.

Chegada a este ponto, e depois de reler várias vezes o que escrevi, parece não fazer muito sentido o que estou para aqui a dizer. Acho que não sei o que quero dizer, na verdade.
No fundo, estou mergulhada em incertezas, como é natural, numa espécie de turvação (turvidade), como se estivesse debaixo de água.
Mas é Agosto, já devia saber. Foi num Agosto que morreu o meu pai e foi num Agosto que tive um acidente grave de carro.
Pois é, só agora me apercebi que faz hoje dois anos que sobrevivi a um acidente de carro. Tenho de celebrar.

Embebedai-vos

14.8.19

Calcei umas meias com um buraco, vesti um sutiã que já devia ter ido para lavar e pensei: ''Espero não ter de ir ao hospital''.
Eu, como toda a gente, espero nunca ter de ir ao hospital, mas é preciso calçar umas meias rotas e um sutiã encardido para me lembrar disso. Bom, mas a ter de ir é sempre melhor ir apresentável, claro.
Depois ocorreu-me: ''Quantas pessoas andarão, hoje, na rua com as misérias escondidas, como eu?'' Ainda não tinha acabado de calçar a segunda meia e senti-me inundada por uma onda de solidariedade e enternecimento por todos os seres humanos que passam a vida a tentar ser iguais aos outros.
E logo a seguir ainda relacionei isso tudo com o poema de Baulelaire, aquele que manda as pessoas embebedarem-se ''Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-vos para a terra, é preciso embebedar-vos sem tréguas./ Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa. Mas embebedai-vos.''
Está visto que virtude não é coisa que sirva para me embebedar. O que vale é estar rodeada de vinho. E poesia também não me falta!

Escolher os problemas

7.8.19

Pela primeira vez, desde que os rapazes nasceram, temos de pensar o que fazer com eles durante as férias de Verão. O que fazer com eles no sentido de para onde os despachar e não o que fazermos juntos.
Este é um tema que, obviamente, já fez correr muita tinta e ocupou sei lá eu quantos gigabytes na rede, mas, que novidade(!!), ainda não tinha falado nisso (acho eu).
As pessoas têm filhos, as que têm, e naturalmente têm de os alimentar, agasalhar, educar. Isso, às vezes, pode ser mesmo muito complicado, outras muito simples. Depende de muitos factores.
Seja como for, as férias dos miúdos são um problema para muitos pais desde que as mulheres começaram a trabalhar fora de casa e as famílias se dispersaram.
No nosso caso não temos precisado de nos preocupar com as férias da escola, porque eu estive sempre disponível, isto é, sem emprego, ou sem um trabalho com horários.
Não é o caso deste Verão. Por isso, em Julho pagámos para estarem em Actividades de Tempos Livres (ATL), a fazer coisas que gostam, e em Agosto vamos gerindo um dia de cada vez: as manhãs com um de nós, umas tardes com a avó, outras no trabalho connosco (na foto estão com o primo mais novo, no dia em foi baptizado).
Conseguir isto, conciliar o trabalho com a vida familiar, é uma pequena vitória que vale a pena registar. Até porque  demorou 18 anos e  tivemos de criar o nosso próprio emprego para o conseguir.
Mas, há sempre um mas, criar o próprio emprego é quase como criar um filho. Temos de o alimentar todos os dias, ajudá-lo a crescer e dedicar-lhe tempo. Portanto, para resolver um problema foi preciso criar outro.
Parece-me que a ideia de que devemos procurar os problemas com os quais não nos importamos de viver, em vez daquilo que nos faz feliz, faz bastante sentido.

Orgulho

25.7.19

Estou a escrever numa garagem e mal comecei a frase lembrei-me da Michelle Dubois. Não, não faço parte de nenhum grupo de resistência, apesar de gostar de fazer de conta que sim. Estou a escrever numa garagem, porque é o novo escritório/armazém da garrafeira que eu e o Jaime imaginamos, primeiro, e abrimos ao publico, depois. Bom, entre um e outro, a idealização e a concretização, houve um espaço de tempo considerável e bastante trabalhoso, como é fácil perceber.
Mas aqui estou eu com uma certa vontade de falar sobre as voltas que a vida dá e as tantas vidas que já vivi numa, mas não vou maçar-vos com isso. Pronto, vou só um bocado: Às vezes acontece de nos encontrarmos num determinado momento em que muitos outros momentos que vivemos vêm ter connosco.
Foi o caso da chegada destes dois vinhos na foto. Eu estou na Tua Vinharia, mas também estou em Lisboa a fazer mantas patchwork, na Rua Maestro Taborda, e a tricotar com a Rosa Pomar e a fazer crochet com a Rita Cordeiro, na Retrosaria. Também estou no momento em que conheci uma das produtoras destes vinhos, Susana Esteban, na primeira edição da Abertura das Talhas - Amphora Wine Day
Ver tantos momentos a convergirem desta forma fez-me sentir um certo orgulho. É um sentimento bom, devia senti-lo mais vezes.

O meu coração quer fugir de mim

14.7.19
Tem acontecido acordar a meio da noite, sempre à mesma hora, com aquela sensação de pânico, como se me estivesse a afogar, ou como se alguma coisa terrível estivesse para acontecer.
São sintomas comuns a cada vez mais pessoas que sofrem de doenças mentais, já se sabe, mas eu encaro-os mais como um banho de realidade. Quer dizer, não há como não ter medo das coisas terríveis que podem acontecer (e acontecem todos os dias a biliões de pessoas), o segredo é não pensar muito nelas, ou não sendo capaz de parar de pensar, não lhes dar muita importância.
Mas a meio da noite, com o coração quase a saltar cá para fora (o meu coração quer fugir de mim, muitas vezes), não é muito fácil.
Hoje, de madrugada, depois de perceber que não ia conseguir voltar a dormir, tentei entender o que me assustava. Já falei aqui sobre o meu medo, sobre ter sempre tanto medo, mas nunca me pareceu fundamental procurar a origem disso, porque a bem dizer não há como ser humano sem sentir medo. É, basicamente, uma ferramenta de sobrevivência (se calhar deveria dizer skill, é muito mais trendy).
Bom, mas eram cinco da manhã, não me apetecia sair da cama ainda de noite, por isso pus-me a fazer uma lista mental dos meus medos e cheguei à conclusão que todos se resumem a um: Medo de não ser capaz.
-Medo de não ser capaz de salvar os meus filhos das arbitrariedades da vida e de não tomar as decisões certas, nos momentos certos
-Medo de não ser capaz de estar à altura dos desafios profissionais que vão surgindo
-Medo de me render e fazer o que é suposto, ou o que os outros esperam de mim, em vez de fazer o que me dá na real gana (eu gosto de acreditar que podemos fazer o que nos apetece, desde que saibamos viver com isso)
-Medo de falhar. Esta ideia de ser uma falhada persegue-me e, às vezes, gostava de saber quando começou. Mas o dia já estava a nascer, as gaivotas guinchavam, os cães ladravam e apeteceu-me café. 

Só vemos o que queremos ver

6.11.18

Estava no café da Ponte, com vista para o rio Gerês, e na mesa à minha frente estava um casal a tomar o pequeno-almoço. Deviam ter uns 60 anos e não falaram um com o outro enquanto lá estive. Dei mais atenção à mulher, porque tudo nela dizia que estava no sítio certo à hora certa, a comer uma torrada com meia de leite. Até quando pegou no telemóvel para fazer um scroll rápido foi exacta. Tudo batia certo, talvez por isso me tenha parecido bonita.
No dia seguinte, quase no fim da minha caminhada, uma mulher começa a dirigir-se na minha direcção e eu vou-me afastando para lhe dar espaço e ela a desviar-se cada vez mais até ficar de frente para mim:
- Desculpe - Olhei para ela e reparei que tinha um sorriso bonito, apesar do diastema, ou talvez por isso mesmo.
- Sabe dizer-me se há algum cabeleireiro aberto, hoje? - Obviamente olhei para o cabelo curto, maravilhosamente penteado apesar do vento e sem vestígios de raízes brancas.
- Hmmm, não faço ideia, mas na Póvoa a uma segunda-feira acho muito difícil - respondi sem conseguir disfarçar a surpresa, acho eu. Ela agradeceu e continuou a andar.
Segui caminho a pensar que esta mulher tinha alguma coisa em comum com a do dia anterior. Apesar de serem completamente diferentes fisicamente tinham, lá está, a mesma exactidão.
Provavelmente a do café era só uma senhora segura de si, que obrigou o marido a sair para tomar o pequeno-almoço, e a segunda uma cabeleireira a tentar perceber se valia a pena montar um negócio na Póvoa para abrir só às segunda-feiras, mas eu vi outra coisa qualquer. Fazemos sempre isso, só vemos o que queremos ver.

Imaginar

24.10.18
Doía-me a cabeça e estava com algum sono, por isso tive de fazer um certo esforço para chegar ao fim do filme, mas fui deitar-me a pensar que devia adormecer a imaginar o meu futuro, como a Alma estava a fazer na última cena e como eu fazia em criança todas as noites.
Eu tinha uma vida paralela, ou vidas paralelas, quando ia dormir (isto depois da fase dos pesadelos e dos medos), mas ontem, quando me deitei e tentei imaginar o meu futuro, fiquei desconcertada. Eu já estava no meu futuro imaginado (parece que isto está sempre a acontecer-me, achar que estou no futuro) e não consegui ver para lá de onde estou agora. E eu até tentei imaginar a sensação de terminar o livro, de fazer trabalhos interessantes e estar em viagem, mas nada.
Isto só pode querer dizer uma de três coisas, ou a três juntas: 1) em criança não fui capaz de me imaginar muito além dos 40 anos, 2) a minha capacidade de imaginar diminuiu drasticamente com a idade, 3) preciso muito menos de fugir da minha realidade.
Em qualquer um dos dois últimos casos parece-me preocupante. Perder a capacidade de imaginar e/ou estar acomodado é uma forma de estar na vida um bocado triste. Mas já é tão violento existir - há crianças a serem violadas em campos de refugiados, ditadores a subir ao poder, andamos a comer plástico, os nossos filhos têm de mostrar conhecimentos na escola, em vez de os aprender, há mais de dois milhões de portugueses na pobreza, e desses quase 11 por cento trabalham, as alterações do clima são cada vez mais evidentes, a minha avó está muito velhinha-, como dizia, já é tão violento existir que é normal procurar algum conforto na sobrevivência.
Seja como for, consegui dormir relativamente bem. Não termos tido nenhum dos rapazes na nossa cama até de madrugada ajudou.

Infantil

17.10.18

Tinha deixado os miúdos na escola, acabado de tomar café e ia a pé para casa. Caminhava ligeira, a sentir as calças apertadas, o sutiã folgado e tremia ligeiramente, porque estava com frio. Vi que estava uma folha cor-de-rosa no chão e pensei: "é uma folha cor-de-rosa, que bonito, devia apanhá-la!" e continuei a andar. Estavam outras folhas no chão, como seria de esperar do Outono, e eu a andar e a pensar que se calhar devia voltar para trás para apanhar a folha, que não devia deixar de o fazer só porque é ridículo voltar para trás só para apanhar uma folha e continuava a andar e a pensar: "quanto mais andar mais longe fico e mais tempo demoro a voltar para trás, ou me viro agora ou deixo ficar a folha".
Dei meia volta, andei, andei e pensei: "queres ver que agora não encontro a merda da folha?" Encontrei, claro.
E sim, podia ter sido um momento de catarse, comigo a resgatar todas as oportunidades que me escaparam, porque não parei, ou não voltei atrás quando deveria. Mas foi só um momento infantil.
E a folha só é cor-de-rosa de um lado.

De volta ao básico

15.10.18

Tenho umas certas saudades da vontade de vir contar coisas da minha vida. Não sei se esta falta de vontade tem a ver com os mergulhos que fui dando nesta onda new age do auto-conhecimento, ou se estou só deprimida. Em qualquer dos casos, talvez não seja errado concluir que o auto-conhecimento tem efeitos secundários negativos.
Se não, nem imaginam o relato que teriam da minha estadia num daqueles hotéis absolutamente cinematográficos, únicos e quase decadentes como são os hotéis das termas. Ainda há hotéis de três estrelas sem uma única peça do Ikea, faziam ideia? e salinhas espalhadas pelos diferentes andares com livros e revistas e outras com mesas de jogos. Sempre adorei mesas de jogos, por serem tão absolutamente inúteis quanto são apreciadas.
Saí de lá a pensar que tinha de enviar uma mensagem a uma amiga que trabalha na Vogue Portugal a dizer que tinham mesmo de fazer um Editorial nas termas. Eu sei que já se anda a tentar, há uns anos, modernizar o conceito chamando-lhes spa e acrescentado nomes chiques aos tratamentos, mas o regresso dos momentos áureos das termas é agora. Parece-me.
Também escreveria sobre  Fica no Singelo, a maravilha que é ver corpos a interpretar daquela forma, a mostrar que na essência da dança, seja ela de que tipo for, está sempre a mesma força vital, uma espécie de energia primordial.
E não deixa de ser curioso estar a ver bailarinos a explorar os universos da dança e da música tradicionais portuguesas, uma semana depois de uma breve incursão pelas paisagens das curas termais. É como se me estivessem a gritar aos ouvidos back to basics (estava a ver se encontrava uma expressão em português assim sonante, uma expressão à Mário de Carvalho, mas não me ocorre), só é pena haver tanto ruído à volta.

Não há como ser mãe sem ser louca

25.9.18

Passou mais algum tempo (tem passado cada vez mais entre um post e outro) e eu continuo sem nada de muito relevante para dizer. A partir de que momento comecei a traçar a fronteira entre o relevante para partilhar e o não relevante? Não faço ideia.
Mas continuo a escrever, mesmo quando não escrevo. Como quando estou a comer bolachas recheadas de chocolate, que não me sabem bem, a olhar para a televisão e a escrever. Ou quando estou sentada no chão do quarto a olhar para a capa do livro, na foto ali em cima, e a escrever. Curiosamente, a ouvir a cantoria esganiçada do casal na esplanada do café, para entreter a criança sentada no carrinho, não me dá vontade de escrever. Faz-me pensar nas "pessoas a dormir com a cabeça em cima da mesa, crianças a brincar, homens a cantar, mulheres a falar alto, a fazer-nos rir" do Miguel Esteves Cardoso, lembra-me de mim própria a entoar o Olha a Bola Manel, quando as crianças eram mais pequenas, pensar  que o rapaz não deve ser o pai da menina no carrinho, mas não escrevo. 
Seja como for, acabei de ver o Tully e não estava nada à espera deste filme. Tinha visto a apresentação, decidido que queria vê-lo e pouco mais. Pois bem, vi-o e achei que precisava de deixar de escrever só na minha cabeça, que a certa altura é capaz de ser preciso ver as palavras escritas. Estava a ver o filme e a pensar que a minha ideia da maternidade estava ali muitíssimo bem retratada. Não há como ser mãe sem ser louca. 
"Os pais são todos loucos", disse-me uma vez um pediatra e eu, no auge da minha loucura de mãe de  primeira filha, achei o comentário completamente despropositado. Até porque só lhe tinha perguntado quantos dias é que um bebé podia aguentar sem dormir. Ora, se eu não dormia por causa do bebé, logicamente era porque o bebé não dormia, logo poderia morrer por privação do sono. Juro que não percebi a cara de espanto do médico, quando eu estava a fazer tanto sentido.
Enfim, não sei se a loucura pelos filhos (diferente da loucura por causa dos filhos mas com pontos comuns) beneficia alguém que não os profissionais de saúde mental mas, para mim, é claro: Não há como ser mãe sem ser louca.

Tenho dificuldade em entender a poesia

11.9.18

O almoço de sábado ilustra bem o que anda a acontecer (parece que as pessoas que arrotam postas de pescada na net sabem tudo sobre tudo mas não é o meu caso, eu só bebo vinho e sei de coisas, como o Tyrion Lannister). Então, fomos almoçar ao Malcriado, um restaurante em Matosinhos que ficou com este nome depois de Burmester (suponho que o Gerardo) ter sido mal tratado pelo dono, o ex. jogador do Boavista Arménio Duarte. Éramos os únicos clientes, como já tinha acontecido da primeira vez que lá comemos.
A D. Linda, que ficou a tomar conta do restaurante e da grelha, depois da mãe morrer, deve ter percebido o nosso desconcerto e contou-nos que desde que foi obrigada a retirar a grelha da frente do restaurante as pessoas não entram. "Tenho os meus clientes habituais", disse ela, acrescentado os nomes e as respectivas profissões, dos menos conhecidos, e um ou outro detalhe dos gostos gastronómicos dos mesmos, "mas os turistas que passam não entram", concluiu com um encolher de ombros pouco convicto.
Eu acho estranho alguém preferir ficar à espera de mesa, e do peixe que sairá do grelhador de um daqueles senhores exaustos e suados, a sentar-se num restaurante sossegado e comer um robalo saído da grelha (agora nas traseiras do restaurante) de uma senhora loira que parece levitar - e levar tudo à frente dela ao mesmo tempo.
Por exemplo, duvido que algum dos homens da grelha dos restaurantes mais procurados em Matosinhos viesse levantar o prato da mesa e dissesse entre dentes, mas alto o suficiente para se ouvir: "tssss tssss, esta juventude não sabe comer peixe, é sempre a mesma coisa".
Esta juventude é mesmo um bocado difícil de perceber, às vezes, como quando se vai ao piquenique dançante da Casa das Artes e começa-se a abanar o corpo com um certo entusiasmo, talvez exagerado, concedo, ao som do Johnny Hooker e a nossa filha nos olha com um certo desprezo e diz: "vê-se mesmo que nunca foram a uma Pride Parade".
Seja como for, estávamos lá por causa do Valter Lobo. O Valter Lobo é aquilo que eu imagino que seja a poesia (é, eu tenho dificuldade em entender a poesia). Vão lá ouvir, se não conhecem, "Quem me dera", ou todo o album Mediterrâneo.
O jardim da Casa das Artes não estava vazio, como o Malcriado, mas surpreendeu-me não haver muito mais gente, nem que fosse pelo Hooker, que esgotou na Music Box, no dia anterior. Surpreendeu-me mas agradou-me muito. Estava, provavelmente, o número certo de pessoas para criar o ambiente certo para nós, ali sentados na manta, e para as crianças a correr com as outras crianças e até para a jovem que não sabe comer peixe e começou a stressar com o check sound (mas eu é que fiquei de trombas no desenho).

Aflições

23.6.18
Dei por mim num daqueles armazéns gigantes, com produtos maioritariamente da China, por causa de uma peruca para o espectáculo do fim de ano da escola e, como esperava, saí de lá com dores de cabeça e taquicardia. É uma aflição fazer compras, sobretudo em sítios assim.
Fazer compras no mercado é muito mais tolerável, porque podemos trazer"sardinhinhas" da nossa costa, pescadas no tempo certo, legumes dos produtores locais e alguma carne de animais criados ao ar livre. É claro que ver as galinhas que estarão "no ponto daqui a uma semana", no telemóvel do talhante, faz-nos engolir em seco. É um aflição pensar nisso.
Também é uma aflição ouvir a gata miar desesperada a meio da noite. O google diz que na velhice os gatos tendem a vocalizar mais quando perdem algumas capacidades cognitivas. Que ela está um bocado surda parece-me evidente.
Fui almoçar com a Bea a um dos meus restaurantes preferidos da Póvoa. Ela não gostou da comida. É tão aflitivo (por ser tão familiar) vê-la desinteressada de tudo, ou quase tudo.
Vivo numa aflição constante que tento combater com caminhadas, vinho, pranayamas, meditação, piscina e vinho (já tinha dito vinho?). E tentar que a minha aflição não aflija as pessoas à minha volta é uma aflição ainda maior.
Mas diz que chegou o Verão (ouvi na rua uma mãe a dizer a uma filha: "é só uma chuva tropical" e quase me atirei ao chão a rir às gargalhadas, depois esbofeteei-me por causa da minha pretensão), e as vantagens de viver com estações começam a escapar-me. Nem com o clima podemos contar, a não ser para nos queixarmos. Mais aflições, portanto.
E depois há que relativizar, não é? Só que eu mal saí do processo "sou a pior mãe do mundo, a pessoa mais mal sucedida à face da terra", portanto não quero voltar às comparações. Quero sentir-me felizarda pelo que tenho conseguido.
E, entre a aflição e a intemperança, tenho-o sentido muitas vezes.

Pelos olhos da gata

14.6.18
A Maia tem 18 anos e quatros anos depois estamos juntas, outra vez. Às vezes olho para a gata e imagino como será estar no lugar dela a olhar para mim.
Já estou a ver o filme e tudo, através de uma câmara ao nível dos olhos dela. Talvez fosse melhor ser uma curta, porque isto de estar a olhar para pés e pernas de pessoas nas suas rotinas, para mãos em teclados, vistas de janelas, gosma com pêlos a sair da boca pode tornar-se aborrecido numa longa-metragem, mas esta é uma gata muito peculiar, sabe-se lá se não tem uma forma de ver as coisas mais interessante do que a mente de uma pessoa, por mais criativa que seja.
Ela viu-me chegar a casa com três bebés em três casas diferentes. Viu-me chegar a casa depois de noitadas na Tendinha, na Casa Independente, no Bairro Alto. Chegar de viagens, de fins-de-semana. Viu-me sair para casamentos, entrevistas de emprego, festas de aniversário. Viu festas de aniversário em casa. Tantas! Viu-me correr atrás dela tresloucada pronta para a esganar. Assistiu a discussões e serões com música, serões com filmes e serões gastronómicos seguidos de manhãs esquizofrénicas.
Caramba, isto era capaz de dar um bom filme.

Aborrecida

18.5.18

Nas minhas caminhadas costumo encontrar um casal a beijar-se. É sempre um casal diferente mas quase no mesmo sítio, no passeio à beira mar, em frente a uma esplanada fechada. E todos beijam-se como se se despedissem.
Olho para os prédios do outro lado e imagino que há ali uns quantos apartamentos que todas as manhãs ficam vazios, mais vazios que os outros, com a roupa da cama a cheirar aos corpos que se beijam, agora, já lavados e vestidos.
Estranho não ter encontrado casais que se beijam nos passeios nas outras cidades por onde caminhei tantas vezes.
Às vezes cruzo-me com um senhor que anda com um rádio portátil ao ombro. Não consigo identificar a música que ouve.
Hoje fui molhar os pés na água gelada do Atlântico.
Talvez não esteja a tornar-me na pessoa aborrecida que pareço.

Causa e efeito

11.5.18
Haverá, com certeza, evoluções sociais, revoluções económicas, conjugações astrológicas que justifiquem isto de estarmos todos na mesma altura a olhar para a nossa vida, a tentar entender o caminho percorrido e a pensar no que fazer a seguir.
Há quem lhe chame meia idade, parece. Ou condição humana. Ou ainda a angústia do contribuinte na altura de preencher o modelo 3.

Depois, há quem esteja, como a criança mais nova aqui de casa, a tentar compreender como isto tudo começou:
- Há uma coisa que eu não compreendo, mamã
- O quê?
- Todas as mães nascem das mães, não é?
- É 
- Até mesmo os pais, não é?
- É
- Então, como é que a primeira mãe teve filhos se o pai ainda não tinha nascido para lhe dar sementes?
Estive quase para lhe dizer que há muito, muito tempo as mulheres não precisavam dos homens para engravidar, como n'A Fenda, da Doris Lassing, mas o Isaac que estava a ouvir a conversa rematou com um: "Oh Nicolau, mas não vês que quando Deus fez a mulher também fez um homem?"

Voltando à meia idade, recebi uma mensagem da minha rica filha com um vídeo, que dizia: "És tu tal e qual". Quem me conhece, e quem já leu aqui centenas de posts sobre a minha luta com a domesticidade, sabe que não sou nada assim ("não eras", diz ela, a minha rica filha, sublinhado e tudo com o tom certo de voz), mas é um facto que agora tenho necessidade de ter mais arrumação à minha volta do que há uns anos. Que raio de pessoa me estou eu a tornar? 
Em conversa com o Jaime desabafava que nos últimos 10 anos a minha vida mudou radicalmente (o que eu adoro exageros!). Tenho menos amigos; estou quase "maníaca" das limpezas e tenho sono antes da meia-noite. Isto para referir as coisas más, logo a seguir atirei com as boas (parece que a meditação funciona mesmo): um grande amor na minha vida; mais resolvida e segura em muitos aspectos; uma família feliz.
O que não percebi na altura, até porque não conseguimos terminar a conversa, foi a provável relação causa e efeito entre umas e outras.

Entretanto apontei no meu caderno que tenho de ler Debaixo do Vulcão, por causa da frase "No se puede vivir sin amar". Há muitos livros que fiquei com vontade de ler por causa destas entrevistas que a Céu anda a fazer, mas este de Malcolm Lowry senti que era obrigatório.
Deve estar tudo relacionado.

45

5.4.18
A ironia de ter vindo parar à minha cidade de origem aos 45 anos, quando nunca quis viver aqui, deve ter um significado qualquer, provavelmente relacionado com a falta de ar, que voltou, e o medo de ceder ao establishment. Mas talvez tenha estado enganada este tempo todo a achar que não fazia parte dele, daí a falta de ar.
Seja como for cheguei a uma idade que me põe a pensar como cheguei aqui e é estranho, porque olho para a miúda que tinha medo de anjos aos 8 anos, para a que achou que seria freira aos 12, a que viu a vida desmoronar-se aos 13, quando o pai morreu, a que se enojou com a sensação de uma pila na mão aos 16, a que julgou morrer de amor até aos 20, a que se apaixonou aos 23, a que foi mãe aos 28, a que descobriu os prazeres do sexo depois dos 30, a que encontrou o amor de uma vida e reconciliou-se com a maternidade depois dos 35, a que foi para Timor-Leste aos 42 e não tenho a certeza de ter sido sempre a mesma pessoa que está aqui agora. 
É claro que isto para ser um post como manda a lei das redes sociais punha aqui uma foto do meu dia de anos, mas às vezes não há como evitar ser uma fora da lei.