Não somos iguais

13.6.25
- Pensos higiénicos/tampões
- Carne estufar 
- massa
- cenouras
- tomates
- queijo (fatiado/feta e parmasão)
- ovos
- bacon
- bacalhau esfiado
- pão
Tenho listas de compras espalhadas por todo o lado. Esta estava no bolso do casaco que vesti hoje. Se abrir um dos muitos cadernos rabiscados com assuntos variados (fichas de leitura, frases ouvidas, desabafos, contas, ideias para desenvolver mais tarde), há sempre listas de compras. Até me lembrei que podia, daqui para a frente, começar todos os textos deste blog com uma dessas listas.
Esta está tal como a escrevi, maiúsculas nos primeiros dois itens e depois tudo minúsculas. Eu embirro muito com isto, não sei como deixei passar esta incoerência na grafia. Há pessoas que não se importam nada. Não somos iguais.
Dou por mim a olhar para as pessoas - e hoje em dia cruzo-me com milhares diariamente - e a imaginar que bizarrias escondem. Muitas vezes tento imaginá-las nuas e, naturalmente, penso que tipo de sexo fazem (se é que fazem). Não faço isso sempre, deter-me nas fragilidades do ser humano, mas faço-o muitas vezes, não devo ser a única, digo eu.
Um dia destes, uma senhora entrou na loja para lhe ligarmos o wifi no telemóvel, porque queria enviar umas fotos para a família. Tinha mais de 80 anos, vinha de Madrid e estava a viajar sozinha. Era alta, roliça e muito bonita, além de uma simpatia de pessoa. Usava um vestido florido e uma bengala e só queria conversar. Pediu que lhe tirássemos uma fotografia junto aos balseiros e não parava de dizer que éramos muy amables. Quando foi à casa de banho não consegui evitar pensar como se seguraria, como levantaria o vestido e desceria as cuecas. É óbvio que fez xixi fora da sanita. É impossível não ter saído de lá com salpicos na roupa e nas sandálias. Mas vinha sorridente e simpatiquíssima. Comprou vinho do Porto, pediu desconto e perguntou se queríamos alguma das fotos que lhe tiramos. 

Mais provas de que não somos iguais:

Terra

6.6.25
A Terra é o planeta mais fixe da nossa galáxia, como se pode comprovar pelo filme dos guardiões, e é tambem o planeta com os habitantes menos fixes, se nos compararmos ao groot, por exemplo. Há outros filmes que validam esta teoria, mas agora não me estou a lembrar e, depois, somos nós os humanos que os fazemos, por isso a Terra é sempre fixe e tem sempre de ser salva. Por acaso estou a lembrar-me de um filme (não sei como se chama, acho que o Will Smith entrava, mas estou no metro a escrever no telemóvel, não vou fazer pesquisas) em que os extra terrestres aterram aqui para salvar o planeta da humanidade, mas à última da hora decidem dar-nos uma oportunidade.
Eu faria o mesmo. Eu daria sempre uma oportunidade à humanidade, porque se não acreditarmos na humanidade vamos acreditar em quem? Por falar nisso, 30 portugueses puseram-se a caminho de Gaza. Devíamos ir todos. 

Outras terrestres:

Crianças

1.6.25
Quando li a entrevista a Gabor Maté, no Público, na parte em que ele diz que todos os nossos problemas começam na infância apercebi-me daquilo que já suspeitava: eu não me lembro de mim criança. Eu não sei que criança fui. Quer dizer, faço uma ideia com base no que a minha mãe me conta, nas avaliações da professora primária e nas poucas memórias que tenho, mas não sei em que pensava, no que queria ser quando fosse grande, o que sentia pelos meus irmãos. E isto é muito estranho. 
Eu tenho a sensação que essa criança está aqui comigo, que eu sou ela, mas não consigo distanciar-me para a ver. Sei que era doente, ou era tratada como uma doente, por causa da asma. E aquilo que eu mais gostava de comer eram bananas que a minha mãe comprava e escondia da minha irmã, não sei porquê, acho que era por ela não ter problemas de apetite, como eu tinha. Mas não me lembro de comer bananas. Lembro-me do horror que foi ficar internada no hospital durante sei lá quanto tempo, por causa de uma pneumonia, que é o horror que sinto de cada vez que tenho de ir ao hospital. Lembro-me da sala de espera do especialista indicado por alguém, suponho que seria um pedopsiquiatra, com duas pacientes que se riram do meu pai, ou assim me pareceu, quando ele entrou com um compal e um bolo para mim. Lembro-me de as odiar com muita força. Lembro-me da professora primária, era muito má para quase todas as crianças, mas sinto que gostava dela, e do dia em que me disse para ir para casa, quando as minhas mãos ficaram inchadas como dois balões. A minha amiga Rosa veio comigo e quando lhe disse que não conseguia andar mais ela foi a correr chamar a minha mãe. Mas não me lembro do que sentia. Não me lembro de estar com medo, ou aflita. 
Se calhar devia resgatar essa criança, conhecê-la melhor, antes que seja tarde. Se calhar devia ser uma das minha prioridades para os próximos dez anos, porque segundo o que me disse uma cartomante num sonho, eu vou morrer aos 60 e tal anos. É óbvio que nenhum tipo de oráculo nos diz quando vamos morrer, mas nos sonhos tudo é possível e eu fiquei a pensar no que quero fazer nos anos que me restam. Parece que resgatar o meu eu criança é uma delas, mas só me apercebi disso agora. O que tinha pensado antes era que gostava de construir uma casa sustentável e auto-suficiente. Fazer algumas viagens com os meus filhos. Passar tempo com as pessoas de quem gosto e que gostam de mim. Escrever o livro mil vezes começado e nunca terminado. Fazer parte de um PÁRA TUDO até que os palestinianos tenham ajuda, até serem assinados acordos sérios para combater as alterações climáticas, até o que for mais premente resolver-se nos próximos anos. Todos juntos conseguíamos, se ninguém saísse de casa durante um, dois, três dias, sabemos bem as implicações que isso teria. 
O Bruno Nogueira e o Nuno Markl conseguem levar uma multidão até ao Celeiro para comprar stevia. Imagino que com outros congéneres por esse mundo fora conseguiriam juntar gente suficiente para fazer mossa. 
Na verdade, de todas as coisas que me proponho fazer a última é a mais fácil para quem passa 9 horas no emprego, 3 horas em deslocações e recebe o salário mínimo. Mas é melhor começar a fazer alguma coisa, não me resta assim tanto tempo. Não nos resta assim tanto tempo.

Pantufas

23.5.25
Ela era velha, porque era a avó, mesmo que só tivesse 45 anos quando a primeira neta nasceu. Usava botas de água e um chapéu de palha. Na verdade, a neta só a viu assim numa fotografia, na maior parte do tempo ela estava de chinelos com salto, ou socas, saia a direito, blusa florida e lenço na cabeça. Na fotografia também tem o lenço por baixo do chapéu. 
De tudo o que a avó usava o que ela mais gostava era das combinações e da algibeira.
A avó estava pouco tempo em casa. Tinha um emprego numa fábrica de tecelagem. Era tudo para ela, o emprego. Tanto que, segundo disse a um jornal, aquilo de que tinha mais saudades do tempo em que era nova  (nessa altura ela já tinha uns 80 anos), era de ter um emprego. 
Mesmo depois de se reformar era habitual passar muito tempo fora de casa. Por isso era difícil ver a avó, já muito velhinha, sempre sentada com as mesmas saias e blusas (nunca a conseguiram convencer a usar calças de fato de treino por, supostamente, serem mais confortáveis) e pantufas. A avó devia usar sempre botas de água e socas, nunca pantufas. Nunca.
Mas acontecem coisas que nunca deviam acontecer. E coisas que têm de acontecer, como morrermos.

Meter água

9.5.25
Não sei quando comecei a fazer arroz da maneira que faço agora: um pouco de azeite com cebola, ou alho esmagado, misturo o arroz e acrescento o dobro de água. Sei que não foi assim que aprendi - a meter água depois do arroz.
Lembrei-me disso um dia destes, enquanto cozinhava, porque cozinhar é viajar no tempo, que a forma como fazia o arroz em criança (sim, aprendi a cozinhar muito cedo) era uma lição de sagueza. 
Portanto, depois do azeite e cebola metia-se a água na quantidade que pretendíamos de alimento e depois acrescentava-se o arroz, bem no centro do tacho, até o montinho ultrapassar ligeiramente a água. Se corresse mal, era só meter mais água e ficava tudo bem.

Há muitas formas de meter água:

Trabalhadora

2.5.25
O tema desta semana serviu para reflectir sobre estes últimos meses, quase um ano, 328 dias para ser mais específica (não que esteja a contar os dias, claro) a trabalhar numa empresa que detem cinco marcas de Vinho do Porto, a atender milhares de turistas, que visitam as caves. Algumas das conclusões que retirei dessa curta reflexão foram as seguintes:
- Sou, claramente, uma pessoa que não se realiza no trabalho
- A escravatura a que os trabalhadores se sujeitam para sobreviver nunca vai deixar de me espantar 
- A maioria dos turistas é gente boa 
- A maioria dos trabalhadores do turismo é neurodivergente 
- Sinto-me sempre no admirável mundo novo quando encosto o dedo à máquina e ela diz ''Bom dia 1349'' 
- Não gosto de ter colegas de trabalho, ou talvez não goste dos que tenho
- É urgente uma nova ordem mundial, já sabemos, mas este modelo de escravatura dá muito jeito ao Poder. E ao Tony Carreira.

Outras reflexões:


Liberdade

25.4.25
Queria saber como se ensina a liberdade. Quando era pequena achava que ser livre era poder fazer tudo o que quisesse, e continuo a achar, no fundo, só porque tudo o que eu quero é bom para toda a gente, ou não é mau, vá. Mas a liberdade é asas de vento e coração de mar e uma papoila que não quer combater. É poesia, portanto.
Eu queria ensinar a liberdade, porque a liberdade é podermos fazer tudo o que queremos, sim. Só temos é de ser pessoas decentes. E isso ensina-se!

Despertador

18.4.25
Já tinha pensado nisso, em como seria a minha vida sem despertador, acordar quando acordasse, levantar-me e fazer o que tivesse de ser feito.
Há muitas pessoas que acordam antes do despertador, porque já sabem que vai tocar. Acordar antes do do despertador não é a mesma coisa que acordar sem despertador.
Já tinha pensado nisso, dizia, porque é assim que quero viver daqui para a frente (daqui é quando não precisar de um emprego, uma vez que os miúdos já tratam de si). Quero acordar quando o dia me despertar pelas frinchas do estore, porque não preciso do estrondo da luz toda, basta uma luminosidade. Depois, preparo o pequeno almoço, porque gosto de comer quando acordo. Nem toda a gente gosta, ou quer, mas eu sim. 
A seguir saio para caminhar, se não estiver a chover, como hoje. Ah, e já estou vestida caso estejam a questionar-se sobre isso (a professora de Português do Nicolau estaria, de certeza, e tiraria uns quantos pontos à redação). Pelo caminho comprava cenouras e alho francês para a sopa. E depois sentava-me a escrever horas a fio, com intervalos para tratar das minudências da vida.
Também poderia adoptar o hábito da Idade Média de dormir dois sonos. Já que é para ser disruptiva.
E quando tivesse de apanhar um avião, ou comboio, já que considero não andar mais de avião, pedia que me acordassem. Há sempre alguém disposto a fazer por nós aquilo que não queremos fazer, neste caso usar um despertador.
Ou, então, não dormia até serem horas de sair. Não sei, talvez usar o despertador excecionalmente não seja grave na vida que vou ter daqui para a frente. Tenho é de resolver o daqui.

Os outros despertadores:

Purgatório

11.4.25
Já sonhei algumas vezes com o purgatório, em criança. Agora que penso nisso, tinha sonhos bem mais interessantes na infância. Se calhar devia chamar-lhes pesadelos, mas não chegavam a ser exactamente isso. Lembro-me de um em particular, uns tempos depois do meu pai morrer, devia ter 14 ou 15 anos, já não era propriamente uma criança, mas no sonho sim, era mais nova. Aparentemente decidi ir à procura do meu pai, qual Orfeu sem lira, ao mundo dos mortos e, naturalmente, passei pelo purgatório. Não encontrei vivalma e passei o tempo todo a saltar de pedra em pedra a escaldar. Era uma espécie de deserto, em que não se podia pisar a areia, e as pedras por onde podíamos atravessá-lo queimavam. Fiquei um bocado perturbada pelas almas que tinham de passar longas temporadas naquilo, a purificarem-se, mas eu estava de passagem e pareceu-me um daqueles desafios que todas as crianças fazem: atravessar a passadeira a pisar só as partes pretas, andar no passeio sem pisar os riscos, correr até um certo ponto antes de ser alcançada pelo carro azul. 
Dali passei directamente para o paraíso onde encontrei primeiro os meus avós, numa casa suspensa, com umas escadas que desciam para um pequeno terraço cheio de vasos com sardinheiras. A minha avó, a que me dava moletes com planta, estava sentada numa cadeira a sorrir para mim. Queria fazer-lhe tantas perguntas, mas era óbvio que não tinha respostas. Nem sequer sabia onde estava o meu pai, o filho dela, e isso não tinha importância nenhuma. Eu não entendia muito bem, mas era uma sensação boa estar ali. 
Continuei à procura do meu pai, a caminhar no ar, e quando me cruzei com uma obra em construção, enorme, também suspensa, de tubos de alumínio que se ligavam como estruturas moleculares, soube que ele estava ali. Era mesmo muito bonita, a construção, e nem questionei a utilidade de tal coisa no paraíso. Sei que estava muito ansiosa por vê-lo e quando o vi não era o meu pai, não o que eu conhecia, era outra pessoa, mas soube que era o meu pai, o mesmo pai.

Planta

4.4.25
Estou constipada, ou engripada, ou resfriada, sei lá, estou doente. E quando estou neste estado regresso sempre à infância, talvez por ser um tempo em que era cuidada e não tinha de cuidar.
Nesse tempo ia muitas vezes à casa dos meus avós paternos e a minha avó dava-me moletes com planta.
Ela tinha um forno a lenha onde cozia pão. Saíam de lá umas broas de milho incríveis. Mas a "goloseima" para os netos era pão industrial com margarina Planta.
Eu comia, claro, mas não gostava assim muito, preferia manteiga, que era o que comia em casa.
Pela broa não me interessava por aí além, mas pela bosta de vaca à volta da porta do forno, enquanto o pão cozia, sim.
Interessava-me no sentido técnico do processo, não gastronómico, óbvio.
Ficou a apetecer-me pão com manteiga, vou ter de me levantar. 

Outras plantas: