Fazer o que tem de ser feito

20.11.17
Estava a pensar numa imagem para esta fase da minha vida - reparem, eu não sei fazer nada sem palavras mas descodifico melhor os acontecimentos se os vir, como num filme - e parece-me que o melhor frame equivale àquele bocado de terra que fica à mostra quando levantamos uma pedra que parece ter raízes. Sim, aquele bocado de terra escura, sem forma, com bichos da conta, centopeias e outras criaturas atarantadas de um lado para outro.
Por alguma razão (mas isto sou eu que gosto de pensar que há uma razão para tudo) houve dois acontecimentos próximos que me puseram aqui, no tal bocado de terra escura: 1) a Bea ficou sem ter com quem viver em Lisboa para continuar a estudar na escola que escolheu há um ano; e 2) um acidente de automóvel que me deixou "confusa", chamemos-lhe assim.
Um e outro não têm qualquer relação a não ser a proximidade temporal mas isso foi suficiente para eu não ter a certeza se o meu medo de sair à rua era ainda um efeito secundário do traumatismo craniano, ou se o meu corpo estava simplesmente incapaz de lidar com o choque de ficar longe deles, dos meus rapazes.
Seja como for, peguei nele, no meu corpo, e fui fazer o que tinha de ser feito, incluíndo cinema, teatro e exposições. Sim, na minha lista tenho o item "comprar um piaçaba" mesmo antes do "bilhetes para o Peter Brook". Não vale a pena organizarmo-nos por categorias, acho eu. Fazemos o que temos de fazer.
E que difícil tem sido. Tenho três filhos que precisam de mim, uma aqui, numa ponta do mundo, e dois na outra. E tenho o Jaime (sempre que digo Jaime deve ler-se "o meu amor", a não ser que especifique outra coisa), também do outro lado do mundo.
Um dia destes perguntei-lhe: "Sendo verdade que há sempre coisas boas que podemos retirar das coisas más que nos acontecem, o que dirias sobre o que estamos a viver?" Ele respondeu: "Conhecermo-nos melhor". Sorri. Tínhamos chegado à mesma conclusão.
Eu estava farta de ser mãe a tempo inteiro (sim, era mesmo giro que se arranjasse outro nome, já que todas as mães são mães o tempo todo, mas há aquelas como eu- as falhadas, diminuidas, coitadas- que se sentem incapazes de acumular a função de assalariada com mãe de filhos), aliás eu vivo nessa fartura há algum tempo, como se sabe, mas de repente pareceu-me tão óbvia a minha escolha.
Escolher aquilo que achamos melhor nem sempre é o mais fácil, não sei se já tinha ficado claro, mas chegar a este patamar de satisfação, ainda que misturado com doses de angústia e ansiedade medonhas, é um feito.
"Sobretudo não morrer", o Tiago Rodrigues sabe.

1 comentário:

  1. Uau. Encontrei este blog por acaso e adorei a forma como escreve, como transpõe os seus sentimentos em palavras. Parabéns, fiquei comovida.

    Beijinhos, ensaiosobreodesassossego.blogspot.pt

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