Ficção versus realidade

31.5.15

Depois do cinema, com um saco de plástico cheio de pipocas na mão, uma criança com sono às cavalitas, porque se recusou a caminhar, e outra tipo ovelha tresmalhada à solta numa estação de metro, só conseguia pensar que esta coisa de acharmos piada a um grupo de resistentes à civilização só mesmo na ficção.

A dor

28.5.15
Tenho muito calor. Detesto a combinação muito calor+pensos higiénicos+dores de garganta+sozinha com as crianças. Se pudesse retirar só uma coisa desta combinação, retirava a "dor de garganta".
Era muito melhor retirar o "sozinha com as crianças", já que isso significaria ter o Jaime em casa em vez de a milhares de quilómetros, mas eu sei que se tivesse essa opção escolheria livrar-me destas anginas. A dor apaga, quase sempre, tudo o resto.

Primeiro beijo

27.5.15
Sabem aquele momento em que o Dempsey e a Makepeace finalmente dão um beijo? ou a Scully e o Mulder, e a Madelyn e o David? Pois bem, acabou de acontecer com o Jane e a Lisbon.
Eu sei, eu sei, tanta coisa melhor, e tão mais importante, para fazer e eu decidi ligar a TV. Mas um primeiro beijo, ainda que numa ficção, é um primeiro beijo, certo?

Blogger amadora

26.5.15
O carteiro trouxe-nos uma multa por termos passado na via verde sem pagar. Bem, na verdade quem recebeu a multa foi o Jaime, que eu não conduzo, como se sabe, mas nestas coisas tenho de ser solidária. A multa trazia uma matrícula desconhecida e ninguém se lembrava de termos atravessado a portagem em Alverca na data mencionada, por isso fui à procura no meu blog a ver se havia alguma referência ao acontecido. Pelos vistos não me pareceu relevante mencioná-lo, mas por causa disso estive a ler comentários que não tinha lido na altura.
Ando para aí a dizer em todo lado que tenho um blog e depois nem sequer sei activar o aviso de novos comentários.
Ainda por cima, quem acabou por resolver o imbróglio foi o instagram da minha filha. Ou seja, blog-0 instagram-1.

O meu tipo de vida

25.5.15
Então, esta semana, ou melhor, a semana que passou, tive uma pequena amostra do que poderá ser a vida de uma jornalista que troca panelas e máquinas de lavar roupa pelo trabalho no terreno e assim de repente parece-me mesmo muito bem.
É claro que não é sempre assim mas estar em Poitier num dia, a falar francês e castelhano (ou a tentar, vá), entre pratos de comida molecular, e no dia seguinte estar no Fundão a comer uma panela no forno do outro mundo, parece o meu tipo de vida.
E para já é isto que vos tenho a dizer.

Força Maior

18.5.15
A primeira vez que li sobre o filme foi no sítio das Senhoras da nossa idade e fiquei logo em pulgas. Eu perco tempos infindáveis à procura "DO" momento em que tudo mudou na minha vida, muito por causa do meu complexo Walter Mitty, suponho. Deve ser tão confortável conseguir identificar o acontecimento que nos fez seguir determinado caminho, em vez de outro.
O mais certo é inventarmos esse momento, não acredito que seja possível dizer com toda a certeza que foi no dia tal, em tal sítio, a xis horas, que a nossa vida levou uma volta de não sei quantos graus, ou ficou de pernas para o ar. É óbvio que há momentos que nos marcam para sempre mas não temos forma de o precisar, ou temos?
Por exemplo, eu sei que a seguir ao dia em que me vieram dizer "o teu pai está morto", muita coisa mudou. Foi no dia 23 de Agosto, por volta da uma da manhã. Foi horrível, claro. Mas também foi horrível o funeral. Foi horrível ver o meu avô ao lado do caixão do filho. Foi horrível ver a minha mãe na cama semanas a fio. Foi horrível fazerem-me sentir mal por não usar um lenço na cabeça (juro). Foi horrível dizerem-me que tinha de sair da escola para ir trabalhar (eu tinha 13 anos). Foi horrível ter passado um ano numa fábrica em estado catatónico. Foi horrível não ter sabido partilhar a dor.
E assim de  repente parece que estou a contradizer-me, que é óbvio que "O" momento é facilmente identificável, mas não é bem assim. Poderia ter-se dado o caso de a morte do meu pai não ter sido procedida dos acontecimentos que relato e tudo teria sido diferente, certo? Pois, não há forma de saber.
Como não há forma de saber porque é que acho que estou num desses momentos em que tenho de escolher um caminho, mesmo não estando perante qualquer encruzilhada, tipo, "minha menina está na altura de te deixares de merdas e fazeres-te à vida, ou então, toma um chá, lê mais um conto da Dorothy Parker e vai dormir"

Do Camboja com amor*

13.5.15
A Carla respondeu às minhas perguntas. Digam lá se não é uma gaja fácil de se gostar?

Estou na praia agora e não fiz a depilação, Calita, não me lembrei disso. Verdade que é uma praia quase deserta...
Mas não sou a pessoa certa para falar sobre estes assuntos. Não tens nada a aprender comigo. Fui uma vez à depiladora,quando tinha uns vinte anos – que raio de emprego – e saí de lá com meia perna com cera. Que deixasse, eu pagaria as duas pernas, mas arrancar aquilo à força uma segunda vez é que nem pensar. Nunca fui muito resistente à dor. Principalmente à dor gratuita que se tem que pagar.
Acho que não sou muito metrossexual como mulher. Mas às vezes, rapo com gilette de homem, que as cor de rosas são mais caras e eu nem sequer gosto da cor. Oh, eu sei, nada disto é muito glamour.

Não caguei para as fichas dos miúdos. Acho até que estou a gostar disto. Quem diria? Temos o programa e vamos fazendo exercícios que a directora da escola nos deu e inventamos outros que ligam a volta ao mundo à escola. Não estudamos todos os dias, nem a horas definidas, não temos rotinas. Mas vamos trabalhando tão regularmente quanto possível.
E gosto. E isto da-me ideias, mas não, não, para o ano vão para a escola. Os meus filhos explicaram-me que os recreios são muito importantes para eles. Estou muito longe de ainda ser a "mãe que capotou" : isso é tão 2010. :)

Viver os quatro sempre juntos 24 sobre 24 horas é pacífico. Não somos muito conflituosos. Calha às vezes estarmos a atravessar uma estrada sem semáforos, que mais parece uma autoestrada, mas com todos os sentidos possíveis, com crianças e malas e sol e calor e poeira e uma frase é mal interpretada, e gera-se ali um clima de irritação. Mas depois vamos para a sombra num passeio e esclarecemos o equívoco. Ninguém quer arranjar problemas com a polícia. Com a excepção do meu filho quando tem sono. Godammet !

Tinhas-me também perguntado pela roupa. Há sempre lavandarias em todo o lado e não são a preços exorbitantes como na Europa. O único problema foi na Índia. Uma vez pedimos numa guesthouse para nos lavarem a roupa e depois descobrimos que não tinham máquinas e que foi uma mulher que a lavou à mão. Não me sinto confortável com roupa lavada à mão por outras pessoas. Existem de resto muitos serviços pagos que não percebo, agora está ali um senhor a ser massajado por uma senhora massagista. Uma massagem doce, pediu. Não percebo. De maneira que lavávamos a roupa, quando era autorizado nos sítios em que dormíamos. Não cheirámos sempre a rosas na Índia.

Caraças tantas perguntas. :)

Tive medo na Bolívia, que é dos países mais seguros e simpáticos que visitei. Tive medo na estrada da morte, pensei mesmo durante várias horaaaas que o autocarro ia pela falésia abaixo. E tive medo (mas menos) quando viemos de barco da ilha do Sol para Copacabana. Era o dia das eleições e os barcos estavam proibidos de circular, um chico esperto disse que ia fazer o trajecto mesmo assim e outros chicos espertos disseram que era boa ideia. 5 desses espertos éramos nós. O pior é que o barco devia dar para umas 20 pessoas e havia uns 100 desses chicos. Ouvi a tripulação (3 homens) a discutir se era sensato ou não e sem entrarem em acordo um lançou o barco e fomos andando. No meio ficámos sem gasolina. Foi um momento muito bonito, como deves calcular. Mas o lago é pacifico e eu, no meio do meu filme de terror, contei com a decência das pessoas no caso de naufrágio. Iam deixar pelo menos dois coletes de salvamento para as crianças, certo ? Glup.

Nunca me apeteceu voltar para casa, mas apeteceu-me várias vezes sair de um sítio. Ou alterar o itinerário. Ou ficar no quarto a relaxar/morrer durante o dia inteiro.

Gostava de viver sempre assim, sim. Acho que sim. Fazia umas férias de vez em quando para vos visitar.

Apaixonei-me milhentas vezes. Desiludi-me poucas. A maior parte dos dias que não gostei foram dias de trânsito em que tivemos que parar entre um sítio e outro.

Nunca me embebedei a sério nesta viagem. Para dizer a verdade, a ultima vez que me embebedei a sério tinha 17 anos.

Faço muitos planos para o futuro, sou muito péssima no viver aqui e agora. Mas vou aproveitando o que estou a viver. Apenas quero assegurar-me que isto não é uma experiência pontual e que depois fica tudo na mesma. Não deixo nunca a vida acontecer como a Helena, não sou nada Zen. Eu sei que tudo o que me deu gozo fazer, tudo o que foi realmente importante, teve que ser feito um bocado à bruta, quase sempre contra muitos. Se eu me tivesse deixado levar pela vida a acontecer como ela (a vida) queria, estaria agora ainda num emprego em Lisboa, ou no desemprego, a pensar em dietas e em ficar magra (beijinhos, beijinhos), nunca teria ido viver em Paris com um namorado de Verão. Quanto a esta volta ao mundo, garanto-te que não eram esses os planos que a vida tinha para mim. Estragou-me os planos umas três vezes.The bitch !

Se tiveres mais perguntas, diz esta semana, que estamos numa de praia e descanso (e eu detesto praia e descanso - os sacrifícios que faço pelos meus filhos...).

Beijinhos

*Acho que é do Camboja, não tenho a certeza

Honra e lucro

11.5.15
O que procuras, quais são os teus sonhos? Li esta pergunta num comentário do blog da Carla (ainda fará sentido chamar-lhe a "mãe que capotou"?) e fiquei desconcertada. Tantas coisas que se podem perguntar a alguém que anda a viajar pelo mundo com a família e vão logo perguntar pelos sonhos. Eu, por exemplo, quero saber como é que tem sido viver 24 horas por dia com os filhos e o pai deles; quando é que sentiu medo; quando é que lhe pareceu que, talvez, estivesse melhor em casa; que parte do mundo a deixou mais maravilhada; que coisas/sítios tinha dispensado nesta aventura; se gostava de viver assim para sempre; quantas vezes se apaixonou e quantas se desiludiu; como fez com a depilação; se cagou para as fichas da escola das crianças; se se embebedou a sério alguma vez; se faz planos para o futuro; o que encontrou que nunca imaginou que pudesse encontrar e por aí fora.
Depois, achei que fazia sentido - as pessoas que viajam andam à procura de alguma coisa e, eventualmente, a perseguir os sonhos. E depois fiz-me essas mesmas perguntas.
O que procuro eu, afinal? Eu acho que procuro o mesmo que toda a gente, bem-estar, que é uma coisa que não tenho conseguido encontrar entre as duas realidade que o Paulo Querido retrata: Por um lado fui educada para ser honrada e sacrificar-me pela família; Por outro, vivo numa sociedade onde o que interessa é gerar lucros para o sistema financeiro.
Por isso, é normal que se entenda que trabalhar, "como já nem os animais irracionais trabalham, para gerar lucros", que nunca serão nossos, nem dos nossos filhos, seja o sacrifício que todos os pais precisam de fazer.

Loser is The New Pretty

8.5.15
A propósito do conceito Strong is The New Pretty, que tem sido bem acolhido nas redes sociais, seja lá que implicações isso possa vir a ter (e eu duvido que tenha as merecidas), referi, no facebook, que não sou nem bonita nem forte, a não ser que os quilogramas que tenho a mais contem como forte.
Ora, como estranhamente (ou não) um blog não é bem uma rede social, posso vir para aqui extrapolar sobre o assunto.
Assim sendo, e com base na minha experiência pessoal, posso afiançar-vos de que o próximo hype será: Loser is The New Pretty.
Há vários indícios de que isso vai acontecer brevemente (além da minha necessidade de ser incluída num padrão de beleza, seja ele qual for), tais como esta tendência cada vez mais aceite como uma cena ultra-fixe; ou a popularidade das moças da série "Girls", a que nunca assisti mas acredito que seja espectacular e que vá ao encontro daquilo que estou a defender. E aquilo que estou a defender, com base na minha experiência (nunca é demais insistir), é que as meninas fortes acabam por ser pessoas falhadas. E não entendam isto como uma afirmação negativa. Cada vez mais acho que falhar é o melhor que nos pode acontecer (e ainda não saiu o número 5 da Granta, pois não?).

Transtornos

5.5.15
Uma mãe barafustava, hoje, no infantário contra a praga dos piolhos. Compreendo perfeitamente o desespero. O tempo que se perde a arrancar lêndeas, a lavar roupas de cama e bonecadas a 60 graus. O transtorno.
O que não compreendo é esta coisa de se precisar de culpabilizar alguém. A incapacidade de algumas pessoas aceitarem que há certas merdas que são como são, tais como todas as crianças adoecerem (outro enorme transtorno), todas as crianças apanharem piolhos, umas muito mais que outras, e todas as crianças chorarem mais do que seria necessário, na perspectiva dos adultos, naturalmente.
E, atenção, eu passo a vida entre o enfastiada e o desesperada com os transtornos que as crianças nos trazem mas, provavelmente, estou mais próxima das mães gorilas que se sentam ao sol a catar os piolhos aos seus bebés, do que às mães que se descabelam com este problema.
Se ao menos aceitasse tão naturalmente outras coisas, ou se arranjasse culpados para os meus problemas, seria uma gaja feliz até ao infinito e mais além.

Dia da mãe

3.5.15
No Indie, o Isaac aborreceu-se com a apresentação da sessão e o Nicolau chorou de tristeza por causa de um filme com um urso que estava sozinho em casa. Isto, contou-me o Jaime, porque eu não fui com eles.
Chegaram a casa com flores e só aí me lembrei que era dia da mãe. Não, lembrei-me antes quando a Bea, que não está connosco este fim-de-semana, me ligou. 
Achei que devia ligar à minha mãe. Ela chorou, porque tem muitas saudades do meu irmão mais novo, que se foi embora ontem, depois de ter passado duas semanas com ela. 

Entristecimento

2.5.15
Muitas pessoas não se atrapalham com o envelhecimento, há até quem o considere uma bênção, e é na medida em que é melhor envelhecer do que morrer novo, mas eu atrapalho-me bastante. Parece que estou num vestiário mal iluminado e com cortinas cheias de pó a tentar enfiar um vestido que ficou preso nas mamas, ou assim.
São pequenas coisas que nem deviam incomodar-me assim tanto, afinal só tenho 42 anos, mas é por isso mesmo, afinal só tenho 42 anos. Porque raio me está sempre a doer alguma articulação do corpo? E o que aconteceu à minha prodigiosa memória?
Enfim, mas isso nem é o que mais me entristece (é uma característica minha, entristeço-me com muita facilidade), o que me deixa ligeiramente abalada é perceber as concessões que vamos fazendo há medida que os anos passam. As pessoas dizem a si próprias que é porque se estão a borrifar, que a idade permite-nos viver bem com as nossas opções, mas eu tenho para mim que malta não quer é fazer muitas perguntas a si própria, sabe-se lá onde é que isso nos pode levar.
Eu, por exemplo, dei por mim a achar que o que eu preciso mesmo de fazer agora é controlar o meu apetite. Passar fome, portanto. E na verdade o que eu preciso mesmo de fazer é, bem, não sei o que é, ando a evitar descobrir, quando souber digo.