O último parto

29.8.11
Nasceu há quatro meses (fez ontem) numa madrugada, no mesmo dia que aquela revolução. O relato do parto foi sendo adiado, porque, não sei, acho que o encarei como a coisa mais natural do mundo e, como tal, sem merecimento de grandes parangonas. Devo dizer, para quem não sabe, que calhou-me (fiz por isso?) ter três partos completamente diferentes. O primeiro cesariana. O segundo com ventosa e o terceiro normal.
Do primeiro para o último passaram dez anos e não há comparação possível na forma como os profissionais de saúde lidavam e lidam com as parturientes. Eu tive uma obstetra fabulosa na primeira gravidez, que me fez uma cesariana para eu não passar a noite sozinha (ela terminava o turno) no hospital a tentar dilatar quando parecia haver poucas possibilidades de isso acontecer. Que me perguntou o que queria fazer e eu escolhi a cesariana, porque ela me disse que era o que faria no meu lugar. Da segunda vez escolhi de outra forma. E da terceira também (o único parto não induzido). E o podermos decidir, dentro das possibilidades existentes, sobre o nosso parto faz toda a diferença.

Do Nicolau comecei com os primeiros sintomas de trabalho de parto às 37 semanas, com a perda do rolhão mucoso, ou parte dele. Ele nasceu três semanas depois e esses dias foram os mais esgotantes da minha vida. Fui duas ou três vezes ao hospital com contracções e suspeita de perda de líquido amniótico, mas estava tudo bem. No dia 27 de Abril, depois de uma noite em claro, e uma ida à urgência de manhã, estava desolada com a perspectiva de termos de marcar a indução no dia seguinte. As contracções não me deixavam em paz, mas tentava ignorá-las por saber que não estava em trabalho de parto activo. Mas por volta das 17h00 percebi que tinha começado. Pedi ao Jaime para contar quanto tempo duravam enquanto lhe apertava a mão e ele disse que mais de um minuto. Não eram ritmadas. Tanto vinham de dez em dez minutos como de sete em sete, ou 15 minutos. Decidimos que era melhor arrancar para o hospital. O Jaime levou-me com os miúdos e voltou para casa para esperar pela babysitter. Passava das 19h00. Fui atendida pelo querido dr. Abushab que me disse: "Oh linda, isto não deve ser para hoje, só tens dois dedos de dilatação". Ao que eu respondi: "Ah, então é para hoje doutor, acredite". Seguiu-se o ctg com as enfermeiras a gabar as minhas contracções e depois uma espera interminável, cá fora, numa sala de espera cheia de gente. Durante as contracções respirava e segurava-me num corrimão que lá havia. A certa altura comecei a dar pontapés na parede. Liguei ao Jaime a perguntar se demorava. Às 21h00 entrei pela porta dentro e pedi ajuda. Estava com três para quatro dedos de dilatação. Podia ser internada, mas não havia sala de partos. Pedi para vir cá fora caminhar, disseram-me que era melhor ficar sentada. Perguntei se podia chamar o Jaime (tinha chegado entretanto) e ele veio sentar-se ao meu lado no corredor.

Estivemos ali pouco mais de uma hora. Eu comecei a ficar com medo de não conseguir lidar com a dor. Gemia baixinho. O Jaime tentava fazer-me rir. Chegou a minha vez de ser internada. Preencher formulários, tomar um duche quente, mudar de roupa e seguir para a sala de partos. Eram 23h00. "Quando posso levar a epidural?", perguntei. "Quer a epidural?", perguntou o médico. "Sim, sim, por favor", respondi. "Pode levar já". A enfermeira dizia que não estava a respirar bem, para relaxar. Eu sentia todos os meus músculos em tensão, mas não conseguia relaxar. E depois de uma avaliação ao colo do útero muito dolorosa chegou a epidural. A seguir entrou o Jaime e ficámos a conversar serenamente (com muito poucas interrupções) até à altura em que as contracções começaram a ficar insuportáveis. Novo reforço de epidural, já com a bolsa rebentada. Por volta das 2h30 comecei a ter vontade de fazer força. Chamei a enfermeira, ela pediu-me para fazer força e disse que estava quase. Às 3h00, a enfermeira disse que estava na hora e foi chamar a médica. Ela entrou, disse "quando quiser" e  três minutos depois o Nicolau saiu, o meu menino. Nesses minutos que antecedem o nascimento, pude senti-lo claramente desta vez, há uma energia que toma conta de nós. Por momentos desaparece tudo o que está à nossa volta. Somos nós e o nosso filho (e um bocado de medo que a dor que parece queimar nos possa endoidecer). E depois é só ele. Tocar-lhe, sentir-lhe o cheiro, ouvi-lo chorar (o Nicolau demorou a chorar), dar-lhe a mama. E depois somos os três. Com pena de não estarmos os cinco.
Foi assim. Um parto sereno como o próprio Nicolau.

No limbo

29.8.11
"Quando uma mulher tem ambições (mundanas, intelectuais, ou profissionais como hoje acontece) e meios para as satisfazer, sente-se infinitamente menos tentada que outras mulheres noutras condições a investir o seu tempo e a sua energia na criação dos filhos.", ainda a Badinter.
Eu acrescentaria que as que se deixam tentar vivem num limbo entre a felicidade e o desespero; a vida dentro de casa e a morte fora dela; os doces prazeres do dia-a-dia e o azedo das rotinas domésticas; o conhecimento e o embrutecimento.
No que me diz respeito as paredes gelatinosas deste limbo são-me cada vez mais familiares, o ar que se respira não é igual ao do outro lado, mas é respirável e dou por mim, com o coração em arritmias, a pensar se os meus pulmões, quando chegar a altura, aguentarão o outro ar.

E eu a dar-lhe!

28.8.11

Dois quilts em andamento e completamente diferentes. Em cima o conhecido efeito pás de moinho e em baixo o não menos famoso (e o meu padrão de patshwork preferido) log cabine. Agora preciso de encontrar o tecido para a parte de trás e depois alinhavar, quiltar, debruar, lavar...
Quanto mais penso nisso, mais difícil me parece atribuir um preço a este tipo de trabalhos.


Eu já dormia descansadinha, se pudesse ser, sim?

25.8.11
O bebé é giro. Dos que tive é o que menos chora, o mais calmo, o mais fácil de aturar, portanto. Mas há uma coisa em que é igualzinho aos outros, se não pior: passa a noite a mamar.
É claro que desta vez não quero saber, não sei de quantas em quantas horas mama, porque tiro-o do berço, dou-lhe a mama e ponho-o no berço sempre naquele limbo entre o sono e a realidade. Sei que acordo de manhã como se tivesse andado a acartar baldes de massa toda a noite e por isso achava que ele devia mamar pelo menos de duas em duas horas. E falo no passado, porque hoje, graças aos terrores nocturnos do mais velho que me despertaram por volta das 3h, pude confirmar que não é bem assim. O rapaz mama de hora em hora. Repito, de hora em hora. Pessoalmente devo dizer, que estou um bocado farta disto. E que posso provar que a amamentação não emagrece.

Triângulos e promessas

23.8.11
A casa enche-se novamente de triângulos e quadrados para um novo quilt e pela primeira vez considero vender alguma coisa feita por mim. Continua a ser estranho, mas fiz uma promessa.
A minha filha perguntou-me se alguma vez voltaria a ter-me só para ela. Se havia alguma hipótese de irmos passar um fim-de-semana, só as duas, quando o Nicolau deixasse de mamar. E eu disse que sim, obviamente, que faríamos isso. Que talvez até pudéssemos ir viajar, como quando fomos só as duas a Paris, quando ela fez cinco anos.
E assim está encontrada a razão para fazer dinheiro com as minhas coisas: viajar. É claro que o ideal seria: Troco quilts por viagens, mas seria impraticável, ou não?

Óptimo*

18.8.11
O meu rapazinho realmente emociona-me. Põe-me maluca com as birras que faz (é uma experiência inédita para mim, a mais velha não fazia birras assim) e continua a somar razões para as fazer, porque agora decidiu que não quer tomar banho, não quer comer e não quer dormir. O que ele quer é o carro do pai, o carro do pai, o carro do pai, o carro do pai, o carro do pai, o carro do pai, subir as escadas sozinho, regar os vasos ininterruptamente aí até Outubro e que o Nicolau se sente no chão com ele.
Mas este mesmo rapazinho é capaz de pedir a chupeta e o cão, a meio de uma birra, para se ir sentar no sofá a acalmar-se sozinho; ou parar o que está a fazer para ir ao quarto-de-banho buscar o pote, trazê-lo para a sala, fazer xixi e de seguida ir despejá-lo na sanita. Sozinho; ou de responder: "Óptimo!", com os braços no ar e aquele sorriso (meu deus, que sorriso tem o meu menino!) quando lhe pergunto se o peixe está bom.  

* Eu não sou contra o acordo ortográfico (já percebi que este é discutível, mas ainda não averiguei porque é  tão mau para muitos), só estou demasiado afeiçoada a algumas palavras.

O melhor antidepressivo do mundo

18.8.11

(ok, um dos melhores, o cipralex também é muito jeitoso) Obrigada, arcádia, por existires. E obrigada pelos macarons, Jaime.

Há perguntas que nunca devem ser feitas

17.8.11
Perguntei à minha mãe se haveria alguma razão para eu não ter qualquer memória das minhas festas de aniversário, ao que ela respondeu muito naturalmente: "Porque nunca as tiveste". E eu fiquei absolutamente desconcertada com a resposta, não porque me espante os meus pais não me terem feito uma única festa de aniversário, mas por ainda não ter pensado nisso.

Lembretes

16.8.11
1) Não voltar a comprar chupetas da mesma cor para os dois
2) Não perguntar ao mais velho se também quer leitinho da mamã

Cenas da vida familiar

14.8.11
Cena 4

Personagens: A família toda mais uns quantos figurantes.
Cenário: Restaurante.

A família dirige-se para um restaurante. O pai abre a porta, a mãe empurra o carrinho do bebé, mas não passa. O pai tenta abrir a outra porta e não consegue. Há mais pessoas a tentar entrar. A mãe entra com o outro filho, o pai tira a cadeirinha do carrinho e entra com ela. A filha fica com o carrinho cá fora. A mãe sai para desmontar o carrinho. Entra e encosta-o a um canto e senta-se na mesa mais próxima. Sentam-se todos a seguir. Há gente de pé a cumprimentar a senhora que serve às mesas e a pedir uma mesa para oito. A mesa ao lado da deles está ocupada com quatro pessoas.

Pai: Bea, vai ali buscar uma ementa para irmos escolhendo. Ela levanta-se e regressa com a ementa. O bebé reclama na cadeirinha, em cima da cadeira, ao lado da mãe. O outro, no colo do pai, chora que quer ir ao chão.
Filha (de trombas): Não há nada que eu goste aqui.
Mãe: come uma omolete.
Pai: e tu o que queres?
Mãe: pode ser o polvo.
Pai: pedimos sopa para o Isaac?
Mãe: É melhor.

Aproxima-se a senhora que serve às mesas e pergunta, mal disposta, se já escolheram.

Pai: É uma sopa de legumes, uma omolete e...tem o polvo em tomate?
Senhora que serve às mesas: não sei, vou perguntar.
Pai: Ok. Traga-me uma cerveja para beber agora e pode trazer também uma água, um Ice Tea e...que queres beber Calita?
Mãe: Pode ser vinho.

A senhora afasta-se e traz a carta dos vinhos. Entram mais seis pessoas para almoçar, que também cumprimentam a senhora efusivamente. A mãe levanta-se para embalar o bebé. O outro anda de um lado para o outro no restaurante. A mãe regressa à mesa e fica com o bebé ao colo.

Mãe: O Quitério diz que este restaurante tem uma lista de vinhos fenomenal, com 150 tintos.
Pai (enquanto tenta dar a sopa ao filho): Onde viste isso?
Mãe: Está ali na parede. Quem cozinha é o Sr. Correia, parece que veio de Sagres aqui para Vila do Bispo. A senhora deve ser mulher dele.
Pai: E o Quitério gostou disto?
Mãe: Acho que sim, mas a primeira metade do texto conta a história de Vila do Bispo, e o resto tive de ler à pressa. Acho que vou montar o carrinho a ver se o Nicolau adormece.

A mãe levanta-se monta o carrinho e empurra-o de um lado para o outro. Chega a comida. A filha entorna a bebida. O filho esperneia no colo do pai. A mãe bufa.

Pai: Achas que vale a pena ficar assim?
Mãe (a deitar fumo por todos os lados): Não gosto disto. Não gosto disto, percebes?

É assim a vida

13.8.11
"Ai, minha senhora, dão tanto trabalhinho a criar quando são assim pequeninos. Depois ficamos velhos e nem olham para nós". Eu disse que sim, que era verdade, mas que é mesmo assim a vida (quando quero consigo dizer coisas muito acertadas) e lá segui com o Nicolau no sling.
E fiquei a pensar que desde o princípio dos tempos os filhos são um empecilho para os pais, as razões é que vão variando.

Perguntas que não me saem da cabeça

12.8.11
Sou só eu que preciso de ajeitar os mamilos, depois de apertar o sutiã, para não ficarem um para cada lado?

A galope trálálá

5.8.11

cavalo, originally uploaded by panados e arroz de tomate.
Depois de fazer duas almofadas simples para os gatos se deitarem, numa tentativa que adivinho frustrada de fazer com que deixem as nossas em paz, aproveitei o desenho de um tecido para fazer este cavalinho.
Não há nada como fazer este tipo de experiências para valorizar, ainda mais, o trabalho das pessoas que se dedicam a isto. Um bem haja para a Matilde BeldroegaRosa Pomar e outras(os) que façam coisas tão bonitas e bem feitas como elas.

Coisas boas de Lisboa 7

5.8.11
Viver na mesma rua que o Agualusa.

E agora uma coisa completamente diferente

3.8.11
Deixemos, então, o formato campesino e voltemos à metrópole para falar de sociologia (adoro esta coisa de puxar pelo meu provincianismo e depois armar-me com o intelecto, o pouco que consegui cultivar, vá).
Então é assim: queria deixar um aviso às futuras Elisabeth Badinter (para quem não quer abrir o link esta é a senhora que escreveu a história do amor maternal do séc. XVIII ao séc. XX e, mais recentemente, o livro que diz que as mulheres estão a ser oprimidas pela tendência actual de amamentar os filhos até quando estes quiserem, de usar fraldas ecológicas, etc.) e explicar-lhes que sou feminista e mãe.
Assim como Elisabeth Badinter explica no seu O Amor Incerto que a tendência para as mães entregarem os seus bebés a amas de leite, no século XVIII, mostra o desinteresse das mães em relação aos seus filhos, não tenho dúvidas que daqui a 50 anos as seguidoras da filósofa francesa digam o mesmo das mães que "abandonavam" os seus  filhos em creches durante dez horas por dia.
É verdade que a prática do século XVIII provocou a morte a milhares de crianças (o livro revela os poucos dados que existem sobre o assunto e ainda assim são assustadores) e a prática dos finais do século XX ainda não revelou, até ver, malefícios de maior, mas de qualquer maneira o desinteresse, ou neste caso o interesse nas crianças pode ser questionado e com justa causa.
Sim, há pais que não podem fazer nada em relação a isso. Sim, a taxa de natalidade diminuiu brutalmente porque os pais não podem cuidar dos seus filhos. Sim, há muitas razões válidas para deixar um bebé de 4 meses (às vezes menos) num berçário dez horas por dia. Mas há também desinteresse. Falta de vontade em procurar alternativas. Aceitar as coisas como são, porque sim, porque é mais fácil.
Por isso, senhora filósofa do futuro, eu deixei de trabalhar para poder educar os meus filhos, mas não me sinto pressionada pelas tendências actuais (antes pelo contrário, aqui ainda se valoriza quem trabalha e não quem fica em casa). Simplesmente decidi que a ter filhos teria de ser mãe deles e não acho que isso me torne menos mulher, ou menos profissional. É claro que só eu e uma centena de pessoas pensa desta forma, mas mesmo assim fica aqui o registo para incluir no seu livro.
Obrigada.

P.S eu e mais algumas pessoas estamos a tentar fazer a diferença nesta matéria. Quem achar por bem fazer o mesmo é responder ali ao inquérito na coluna ao lado. Agradecida mais uma vez.

Foi um arejo que lhe deu

2.8.11
Visto isso ao Zé Mouco deu-lhe um arejo. Foi há 36 anos, em Maio, no  dia 13. Nesse dia o arejo atingiu o Zé Mouco e o Tino da ti' Zamira, ao mesmo tempo, mas em sítios diferentes da aldeia. O Tino morreu passados três dias e o Zé ficou surdo a partir desse momento. O arejo é uma coisa que passa e atinge as pessoas que estão no caminho. Foi assim que a Lina Vieira ficou manca, por exemplo.
E eu ouço estas coisas e acho normal. Apesar de me perguntar como é que um homem de vinte e poucos anos fica surdo de repente, deixo-me ficar com a explicação do arejo e pronto. Se calhar, afinal, sou um pouco daqui.

E assim se perde a vontade de conviver com a família

1.8.11
A boda foi bonita. O meu irmão mais novo e a sua noiva estavam muito felizes. A minha mãe estava como nunca a vi. A minha avó igual a si própria (a controlar quem come o quê) e toda a gente a bailar e a comer e a beber que é como deve ser um casamento. Mas eu não consigo deixar de pensar no que me disserem quase todos os meus tios: "Eh lá, quase não te conhecia, estás gorda!". Já não sabia o que era estar no meio de gente sincera, dessa boa gente com o coração na boca, da minha gente.