As listas, essas queridas

28.3.11
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De todas as coisas estranhas que já fiz na vida (estou-me a lembrar, por exemplo, daquela vez em que esvaziei um frasco de insecticida para matar moscas no meu quarto e fechei-me lá dentro. E isto foi muito antes de ler Kafka) esta figura entre as primeiras dez, sem dúvida nenhuma. Trata-se, imaginem só, de uma ementa semanal! Pois é, minhas amigas e amigos, aqui em casa sabemos o que vamos comer em todas as refeições nos próximos dias. É claro que há uma explicação razoável para isto: as mudanças. Pareceu-me que a melhor maneira de escoar o frigorífico e a despensa seria programar refeições de maneira a incluir o que há em casa e evitar comprar mais coisas. Ora, e isto não devia espantar-me como espantou, a coisa tem-se revelado uma economia de recursos fabulosa. Se eu continuasse a fazer isto daqui para a frente é que era, mas, bom, é melhor não planear assim a tão longo prazo.

Viver sem meios termos

25.3.11
Agora que começou a chover, num dia que se anunciava de Primavera, sinto que tenho toda a legitimidade para dar azo à minha tremenda tristeza. Na verdade não é bem tristeza, que essa tem um certo brilho, é mais aquela sensação de aflição, mas que não chega a ser angústia, uma coisa parecida com melancolia, mas mais pesada e peganhenta. Ou seja, estou fodida da mona, pronto. Por isso, vou tentar não me recriminar demasiado por me sentir prisioneira dentro de casa e dentro do meu corpo. Vou tentar não dramatizar quando penso, ao vê-los sair,  para a escola e para trabalho, que devo ter um dom que faz com que as minhas pessoas tenham a vida que querem, enquanto eu definho em amargura, o que até podia ser bonito de tão altruísta que parece, mas não, nada disso. Eu fico aqui tipo carne em vinha d'alho, enquanto eles vão às suas vidas, porque nunca tive coragem de fazer da minha vida o que realmente queria, que era tornar-me puta, ou monja.

Grávidas elefantes versus grávidas focas

23.3.11
Eu espero/quero/ambiciono/desejo profundamente que este seja o último post sobre gravidez. Não há paciência para estar grávida e muito menos para falar sobre isso. Mas há coisas que precisam de ser ditas sobre uma terceira gravidez (ou quarta se contarmos com a que não passou do primeiro trimestre), tais como:

1) Esperar horas num consultório médico é a melhor coisa que nos pode acontecer: não temos os outros filhos a guinchar à nossa volta e podemos ler, fazer tricot, passar pelas brasas...o paraíso, portanto (o Mrs. Dalloway, por exemplo, regressa à estante, ou melhor para dentro de um dos caixotes)!!

2) É absolutamente indiferente se já estivemos grávidas antes, os sintomas nunca são iguais. E as contracções, essas grandessíssimas "amigas", parecem-nos sempre o início do trabalho de parto, sejam as que têm o nome do estúpido do médico inglês, sejam outras para as quais ainda hão-de inventar outro nome.

3) Sim, se é um facto que a ansiedade não vive colada a uma terceira gravidez, como se da própria placenta se tratasse, também é verdade que deixamos de ter disponibilidade e energia para hidroginásticas, caminhadas e afins. Assim, em vez de elefantes afogueados parecemos focas deprimidas (lembrete para outra vida: se tiver três filhos é começar a pari-los aos vinte anos).

4) E, por fim, ter consultas com um obstetra apenas a partir das 36 semanas, ou programar uma mudança de casa para as 37 semanas, nunca seria possível enquanto elefante afogueado.

Deve ter sido o sol, ou assim

21.3.11

Quilt nicolau, originally uploaded by panados e arroz de tomate.

É verdade. Foi um fim-de-semana produtivo, com costuras, tricots, passeios com gelados e saladas de salmão fumado, e encaixotamentos para a mudança de casa. Por momentos ocorreu-me que estaria com a adrenalina pré-parto, mas nada disso. Assim sendo, o pequeno Nicolau pode ser embrulhado na manta que lhe fiz com tecidos do sítio do costume e outros respigados de camisas do pai, do lençol em que o Isaac se deitou pela primeira vez quando chegou a casa e de um dossel que a Beatriz teve.

Café au Lait

21.3.11

Caneleira Beiroa, originally uploaded by panados e arroz de tomate.

Não sabia que sabia tricotar a duas cores, mas quando vi as duas beiroas juntas, ao vivo e a preto e branco, depois de mais um workshop na retrosaria (sim, é um vício, que se há-de fazer? eu vivo de vícios e não se fala mais disso) soube que tinha de as trazer e de as tricotar assim. As agulhas que estou a usar não são as do tamanho indicado para a lã e não sei se estou a fazer a coisa by the book com as duas cores, só sei que estou absolutamente deliciada, porque enquanto vou tricontando a lã que saiu de umas ovelhas bordaleiras que pastam algures na Serra da Estrela, sinto que tenho uma coisa muito parecida com poesia nas mãos.

As grandes questões da maternidade

17.3.11
34 semanas + 4 dias

Faço a depilação? Deixo mais lá para a frente? Levo os pêlos comigo a fazer pandant com as camisas de dormir?

Ele

16.3.11
Ele pinta o mundo de cores que não vê. Procura, e encontra, o enquadramento certo nas fotografias de família. Não se afasta, nunca, da mira que oferece a melhor perspectiva. O futuro é sempre em frente e é sempre melhor. Quer fazer-me feliz, fazer-nos felizes. Inventa horas nos dias para nos acorrer. Tropeça muitas vezes, claro, e vem com os joelhos esfolados, mas vem. Sei que nunca ninguém gostou assim de mim. Queria ser mais para ele. Por ele.

Casa*

16.3.11
Por causa de coisas destas apetecia-me muito gostar da cidade que me viu crescer, um bocadinho ao longe, é certo, porque os sete quilómetros de minha casa até à cidade eram muito, muito compridos, mas não gosto. A minha cidade será sempre o Porto, a que escolhi para viver e onde comprei uma casa (é verdade, houve um tempo, aí mais ou menos por volta de 2001, em que se trabalhava a recibos verdes e se compravam casas!).

*Não sei porque é que nós usamos "lar", a palavra mais próxima de "home", para os lares de terceira idade e "casa", que é muito mais impessoal, para falarmos do nosso ninho.

Hakuna Matata

15.3.11
Se eu fosse o Galal  estaria tudo muito bem,  mas estou tão longe de atingir a sabedoria de  Cossery, para quem fazer nada é uma actividade interior, que não está relacionada com preguiça, mas sim com reflexão!

Já Villa-Matas acha que uma pessoa deve dedicar-se tranquilamente a fazer nada, que é o que fazem os artistas que já sabem tudo. Chama-lhe a solução Duchamp, no Diário Volúvel.

Eu chamo-lhe gravidez no último trimestre, mas sem sabedoria alguma e com bastante dificuldade em reflectir.

O povo

13.3.11
Eu sou filha de um pedreiro que já morreu e de uma tecedeira que fugiu de ser criada de servir. Acho, por isso, que sou do povo, que sei quem é o povo. Mas sinceramente não sei. Alguém sabe? É que pelos vistos saímos todos à rua e foi bonito e estranho ao mesmo tempo...

Shame on me

10.3.11
Eu gostava muito de me sentir "abençoada", "feliz", "completa", "realizada" e outras coisas relativamente fáceis de adjectivar que tantas mães dizem. Mas não sinto e por isso temo um dia ser castigada. Acordo muitas vezes a meio da noite sem ar, a afogar-me em ausência de oxigénio, porque acabei de sonhar que um dos meus filhos teve um acidente, ou sofre de uma doença terrível. Nesse momento eu prometo ao universo ser feliz, mas poucas horas depois amanhece e eu, em pleno usufruto do oxigénio a que tenho direito, levanto-me pesada, dorida e sonolenta e só me apetece gritar: DEIXA-ME EM PAZ. Ele só tem 17 meses e um sorriso capaz de derreter o Ártico com muito mais eficácia do que os CFCs; uns olhos que me queimam a pele quando se fixam em mim; umas perninhas arqueadas que correm velozes e uma pilinha linda, que neste contexto pode não parecer importante mas é, porque se trata de um bebé e num bebé tudo é lindo, muito mais quando se trata do nosso (o que não significa que um adulto não possa ter uma pilinha linda, mas isso agora não interessa nada)!! Ele tem isso tudo, dizia, e ainda por cima é meu, ou saiu de dentro de mim depois de trinta e tal horas em trabalho de parto, e a coisa que mais me apetece fazer é gritar-lhe: DEIXA-ME EM PAZ.

Quase=eternidade

9.3.11
É, é uma fofura, uma delícia, uma riqueza a roçar a pirosice e tudo e tudo, mas não deixa de ser roupa para passar a ferro, um frete do caraças, portanto.

P.S parece-me que estamos em modo babyblog(?!?!)

Uma gravidez poderá reflectir o carácter da pessoa pequena que vai nascer?

8.3.11
Grávida do Isaac criei o MUV e convenci-me que era um projecto com pernas para andar. Cheguei a ter um tema de capa, ia falar das Alterações Climáticas uma vez que se aproximava a Cimeira de Copenhaga (os timings são tiques que se apanham) e cheguei a fazer contactos com a Quinta da Aveleda, a Agência Abreu e a Lanidor (queria mostrar casos práticos e a agricultura, as viagens e a moda pareceram-me uma boa amostra de trabalhos que sofrem a influência do clima. Além disso, as três empresas estão no mercado há mais de 50 anos, o que me parece um espaço de tempo considerável para estabelecer comparações). Até sabia como ia começar a reportagem: "Quando era criança, o dia de todos os santos, que como se sabe é o dia em que a maioria das paróquias festeja os fieis defuntos, era o dia em que se usavam pela primeira vez meias-calças, um sinal de que o frio do Inverno estava a chegar. Agora, é difícil determinar quando começa, ou acaba uma estação..." e por aí fora.
Enfim, tanto a Quinta da Aveleda, como a Abreu (a Lanidor ignorou-me) revelaram que sim, muita coisa tinha mudado, mas nenhuma delas me podia garantir que a causa era o clima. O Alberto Machado, assessor de comunicação da Agência Abreu, chegou a dizer qualquer coisa como: "Acho que é uma mulher à frente do seu tempo, porque me parece que vamos chegar a essa conclusão mais cedo ou mais tarde, mas para já não lhe podemos garantir isso". Portanto, foi bonito enquanto durou e se algum editor/jornalista quiser pegar na ideia está à vontade, mas agora está aqui a prova que a ideia é minha. Adiante, que eu juro que não vinha falar de jornalismo.

Grávida do Nicolau desenvolvo uma quase obsessão pela Virginia Woolf e mergulho em workshops de patchwork, costura e tricot para sentir que produzo, que faço, que posso, que...Quererá isto dizer que o Isaac será um activista e o Nicolau um introspectivo?

Na gravidez da Bea vivia obcecada com ela, portanto isso deveria fazer dela uma narcisista. O que por acaso...

Bom, isto é um exercício demasiado rebuscado até para mim. Vou antes comer.

Em Lisboa

6.3.11
O que eu queria

Era eu pequena, morena

Queria ser grande, branca de lábios muito vermelhos

Era eu grande, morena

Queria ser pequena de novo

Era eu só sonhos numa terra pequena

Queria ir para longe, para uma terra grande

Era eu sem sonhos numa terra grande

Queria voltar à terra pequena

Setembro, 2004

(Sempre que mudo de casa fico a pensar nisto, no que quero e não quero da vida. Sim, vamo-nos mudar outra vez. É incrível a especulação imobiliária nesta cidade e mais incrível ainda o mau estado das casas. E agora dou por nós a valorizar a funcionalidade e o espaço em detrimento do style e outras estéticas. Por isso, vamos para uma casa mais parecida com a dos nossos pais, do que com as casas em que já vivemos. E, não sei, tenho medo de estar a ficar velha.)

Carnaval

4.3.11
Ela lá foi de cowgirl e ele foi ver a mana desfilar e a mãe teve de responder a várias pessoas que não, não o mascarou porque ele ainda não percebe, mas pelos ares de espanto (tipo, e depois? assim até é melhor, pode pôr-lhe o fatinho de cão, ou de abelhinha, tão giro, que ele não se importa), suponho que devo ser parva. Pronto, eu digo, estava a tentar evitar dizer o óbvio mas, ok, não gosto de carnaval. Ou melhor, não percebo muito bem a coisa.
Eu cresci num sítio onde o Carnaval era uma festa de adultos. As crianças ficavam em casa cheias de medo e os homens (suponho que também algumas mulheres, mas lá de casa só ia o meu pai) disfarçavam-se e andavam noite dentro, pela aldeia fora, a embedarem-se nos cafés e nas casas onde lhes abriam a porta, até cairem para o lado. A diversão daquilo (além da óbvia bebedeira, e isso eu já percebo) era disfarçarem-se tão bem, tão bem ao ponto de nem os próprios pais reconhecerem o mascarado. Nunca aconteceu com o meu pai. A mãe dele, a minha avó muja, reconhecia e distinguia sempre os quatro filhos quando lhe iam bater à porta e acho que raramente iam juntos. Ora aquilo tudo metia-me muito medo. Pessoas mascaradas a bater à porta, a falar com vozes estranhas. Pessoas que sabiam quem eu era e eu não fazia ideia quem eram.
Mas, bom, isso eram outros tempos. Agora tenho uma filha que já não me pede para lhe costurar vestidos da Jasmin, da Inês de Castro, ou da boneca Emília. Ainda assim, não deixo de ter uma filha para exibir no Carnaval, pois claro.

Animais de estimação

2.3.11
Deve ser por coisas destas que se costuma dizer que ter um cão é a mesma coisa que ter um filho.

De noite 3

1.3.11
Passei a noite a fazer contas, porque não percebi como é que vou receber 36 receitas numa troca em que fui convidada a participar por e-mail. Vivi estes anos todos a achar que enquanto dormia era outra pessoa (até línguas mortas domino) e afinal sou o mesmíssimo penedo no raciocínio lógico.
E isto (mais o sonho que tive há uns anos em que via a minha professora de história do décimo ano, a Nanete Faria, uma senhora muito elegante que gostava de galinhas poedeiras em faiança,  a escrever no quadro, com aquela letra magnífica de professora primária, a palavra "fascista", porque numa carta a um amigo escrevi-a erradamente e apercebi-me a dormir) prova que a teoria daquele senhor sobre os sonhos serem mais universais do que pessoais cai por terra. Sim, é um passatempo meu refutar ideias estudadas ao longo dos anos por especialistas conceituados, baseada unicamente na minha experiência pessoal.